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3 PATRIMONIALISMO COMO INSTITUIÇÃO E REVOLUÇÃO BURGUESA PELA VIA COLONIAL: A ASCENSÃO DA BURGUESIA INDUSTRIAL

4 POLÍTICAS INDUSTRIAIS NO BRASIL E O PAPEL DA BURGUESIA BRASILEIRA: AÇÃO DO ESTADO E REAÇÃO BURGUESA EM GOVERNOS

4.1 SEGUNDO GOVERNO GETÚLIO VARGAS

4.1.2 Oposição da burguesia industrial

Segundo Leopoldi (2000), a indústria era crítica da normativa na medida em que nem a indústria era protegida, nem ela tinha servido no combate à inflação, mas o rompimento com o Governo se consolida quando o governo decide dar aumento de 100% no salário mínimo, medida prometida por João Goulart (antes de ser forçado a renunciar do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio) e cumprida por Vargas no 1º de maio de 1954 (SKIDMORE, 1982). A justificativa da indústria para ser crítica à medida populista/popular de Vargas era de que ela pioraria o quadro inflacionário. Vargas buscava recuperar o apoio da classe

trabalhadora, olvidando-se talvez que era mais fácil para a burguesia industrial abastecer a oposição e essa enfraquecer o Governo do que a classe trabalhadora dispersa o fortalecer.

Deixar de ter a burguesia industrial ao seu lado significava dizer que a burguesia do país rompia com Vargas. Isso porque a burguesia comercial, que rachou com a industrial pouco antes do mandato de Vargas (BOITO JR., 1982; LEOPOLDI, 2000), já fazia oposição ao Governo. Leopoldi (1994), no seu artigo “O difícil caminho do meio”, apresenta discordância da tese de que a burguesia industrial se descola de Vargas e começa a fazer oposição a ele em 1954. Seu argumento é o de que, após o aumento do salário mínimo, a FIESP (principal associação de classe da época) teria adotado um discurso dual: críticas ao aumento e à previdência social por um lado e, de outro, respeito por: “[...] avanços na implantação da indústria automobilística, de material elétrico, da química, e anuncia o encaminhamento do novo projeto de tarifa ao Congresso”. Entende-se aqui que a postura da autora não dá fundamento para existência de uma dualidade, até porque, em outra obra, Leopoldi (2000) afirma que a FIESP criticava políticas de controle de preços e de tributação, bem como acusava o Governo de acelerar o processo inflacionário com a Instrução nº 70, do aumento do salário mínimo e da política de previdência. Não há, assim, como afirmar que um discurso contrapõe o outro ao ponto de se vislumbrar uma dualidade.

A crise política que se instaura no ano da crise cambial é adotada pelas elites, às quais se soma a burguesia industrial em 1954. Tal instabilidade surge da onda de protestos em 1953 (sessenta anos antes das “Jornadas de Junho”), notadamente a “Greve dos 300 mil” que, na dita luta contra a carestia, misturavam às pautas da inflação e da deterioração dos salários, outras agendas do desenvolvimento econômico nacional, como abastecimento e reforma agrária (GARCIA, 2013). A greve teve como consequências a ampliação dentro da classe média de uma postura crítica a Vargas e mais combustível para o partido oposicionista. Nesse ínterim, na visão de Boito Jr. (1982), começa a se configurar o golpe de Estado, inclusive na pessoa do vice-presidente, Café Filho, que fez discurso em que se dissociava do Governo ao dizer-se pela “ordem” e “pela liberdade de iniciativa”. Mas o mais importante fora o local escolhido para tal discurso: a Federação das Associações Comerciais do Brasil. Oposicionista ao Governo (por representar a burguesia comercial), a instituição tratou de publicar em sua revista que:

[...] o vice deveria ocupar o lugar do presidente se se quisesse pôr fim à “demagogia”, isto é, ao populismo, e ao “dirigismo estatal sobre a livre empresa”, isto é, ao intervencionismo estatal de cunho industrialista. Fôra descoberto o candidato da burguesia compradora. Café Filho, como é fácil perceber na leitura de suas memórias, era verdadeiramente obcecado pelo desejo de se tornar presidente da República. Assim, apesar da sua mediocridade, ele pôde contar com as poderosas antenas do arrivismo para orientar-se em meio à crise. Soube aproveitar-se dela, dizendo as duas palavras certas, no momento correto e no lugar exato (BOITO JR., 1982, p. 75).

No campo ideacional, a burguesia industrial como um todo não fazia perenemente oposição ao intervencionismo estatal, não sendo, portanto, àquele tempo, o liberalismo, uma bandeira que lhe fosse tão cara — o assunto, entretanto, era objeto de contenda entre industrialistas, especialmente pela posição liberalista dos quadros da FIRJ (após a saída de Euvaldo Lodi, que era muito próximo ao Governo). Ademais, ainda nesse campo, era de praxe da oposição tentar associar o Governo ao comunismo desde que João Goulart foi nomeado como Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. Porém, no momento de crise, todas essas bandeiras ideológicas eram utilizadas contra o Governo Vargas.

A única medida efetiva de Vargas para contra-atacar no campo político-ideológico era justamente o aumento do salário mínimo. Vianna contrapõe-se à visão adotada por Boito Jr. (1982), considerando que a mesma não prescinde de uma radicalização nacionalista do Governo Vargas, que, de fato, não ocorreu. Essa crítica a Boito Jr. é exagerada, ou melhor, insuficiente para dissolver a ideia de que o golpe sobre Getúlio foi consequência das contradições inerentes à contraposição entre as burguesias comercial e industrial e entre a burguesia e a classe trabalhadora. Por outro lado, a crítica complementa a tese de Boito Jr. ao introduzir a figura de Vargas. A figura do Presidente incorpora à interpretação dos acontecimentos pela burguesia industrial alguém obstinado por manter-se no poder (como no Estado Novo, que durou quinze anos) e capaz de adotar, em uma canetada (LEOPOLDI, 200079), posicionamentos contrários a essa classe (e de cunho popular). Assim, transferem-se as questões para a pessoa de Vargas, questionando-se o “seu” regime e colocando a crise institucional nos ombros dele: “no final, não era mais a legitimidade do Governo que estava em questão, mas a figura de seu principal mandatário. É em Vargas que se concentram os esforços de revisão política, transformando-o em fonte de todas as desavenças” (D’ARAÚJO, 1992b, p. 190).

79 A autora discorre sobre a preocupação da burguesia industrial com a postura intempestiva de Getúlio Vargas

Em agosto de 1954, o estopim para a crise final é dado para os oposicionistas: o atentado ao seu maior representante público, Carlos Lacerda, cujo mandante do crime era chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas. Por fim, pouco antes de sua morte, na madrugada de 23 para 24 de agosto, Vargas expede pedido de licenciamento do cargo, que seria visto como renúncia pelos militares arregimentados pelo golpismo (BANDEIRA, 2014; CALABRE, 2004; SKIDMORE, 1982). A crise política, no entanto, não está no atentado, ela apenas ganhava contornos policialesco-dramáticos que atraíam a população. A crise naquele momento

[...] está situada no âmbito das próprias elites, que disputam entre si uma

parcela maior de poder, sem saber contudo legitimar os meios pelos quais esse poder possa ser alcançado democraticamente. E exatamente na medida em que não são capazes de gerar soluções que lhe sejam satisfatórias é que as elites irão questionar o sistema no qual se inserem (D’ARAÚJO, 1992b, p. 134, grifo nosso)

O que fica nítido é que a burguesia industrial interna, mesmo depois de ter sido beneficiada por todas as medidas de política industrial do Governo Vargas, agora, se manifesta insatisfeita e articula para dar fim ao Governo Vargas. Para isso, usa de vários argumentos, como corrupção e comunismo, entre outros, para buscar legitimação para a derrubada de Vargas e não respeitar as regras do jogo da democracia. No fundo, esse comportamento da burguesia interna representa sua aversão a um desenvolvimento mais de caráter nacional, onde fosse possível romper com a dependência externa e, simultaneamente, promover também a inserção de classes populares nos benefícios advindos da riqueza do país.