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2.1 CONTEXTUALIZANDO AS ABORDAGENS DE EDUCAÇÃO DOS SURDOS

2.1.1 Oralismo

De acordo com a divulgação das abordagens metodológicas de Michel L’Eppée e Samuel Heinicke, muitos países tiveram um grande interesse no trabalho do professor alemão. Em decorrência disso, foi organizado no dia 6 de setembro de 1880 um Congresso em Milão, na Itália, com a participação de vários países, a fim de discutir as metodologias de ensino para estes alunos. Nesse Congresso foram votadas algumas resoluções que desvalorizavam a língua de sinais, tornando-a estigmatizada como uma condição de cunho patológico. Entre elas, foram votadas e aprovadas pelos membros presentes as seguintes considerações do

relatório apresentado pelo Sr. Kinsey e que constam na Ata do Congresso de Milão de 1880 (2011, p. 4):

Considerando a incontestável superioridade da linguagem oral sobre a de sinais na reintegração do surdo-mudo à sociedade, permitindo a mais perfeita aquisição de conhecimento, declara:

Que se deve dar preferência ao Método Oral ao invés do método de sinais para a educação e ensino do surdo-mudo.

Considerando que o uso simultâneo da língua oral e da língua de sinais oferece prejuízo à fala, à leitura labial e à precisão de ideias, declara:

Que se deve dar preferência ao Método Oral Puro.

Fica evidente, conforme consta no relatório, a tese da superioridade da língua oral sobre a língua de sinais e que esta não possibilita maior desenvolvimento dos surdos no campo das ideias. Isso pode ser explicado pelo fato de que a maior participação neste evento era de pessoas ouvintes. A partir deste momento, os países passaram a adotar medidas de proibição da língua sinalizada, visto que esta possibilitaria ao surdo um “retardamento” cognitivo. Esse modelo educacional advindo do Congresso de Milão está imbricado na concepção da surdez como patologia, já abordada no início do capítulo.

Assim, deu-se início ao período do Oralismo, sobre o qual Novaes (2010, p. 47) descreve que:

Na prática do oralismo, o objetivo é aproximar o surdo na forma máxima possível do modelo ouvinte, por meio da aprendizagem da língua, sendo esta analisada como instrumento de integração social e de aprendizado global e da comunicação. Sua proposta incide sobre a “recuperação” da pessoa surda, denominada de “deficiente auditivo”, seguindo critérios clínicos.

Com base nessa afirmação, o oralismo desconsidera os aspectos linguísticos da Língua de Sinais, uma vez que a trata como uma linguagem que pode oferecer risco ao desenvolvimento cognitivo dos surdos. No oralismo, o principal objetivo era que os surdos se “curassem” da surdez para que pudessem ser integrados à sociedade ouvinte. No campo da educação, havia uma sobrevalorização da figura do médico em detrimento a figura do professor, ou seja, a perspectiva patológica era tão ampla que até o professor deveria inserir em suas estratégias de ensino algumas funções que cabiam aos profissionais da saúde. Ao usar a língua de sinais, o profissional torna-se indigno de confiança e instaura no docente o temor. Assim, as aulas eram oralizadas, os sinais proibidos e há registros de que estes alunos tinham até as mãos amarradas.

Outros pesquisadores também comentam que essa proposta do Congresso de Milão tinha outros fins, como explica Lane (1992, p. 111):

No período que se seguiu a Milão a política de aniquilamento das linguagens gestuais substituindo-as por línguas faladas abateu-se sobre a Europa como uma maré individual. O avanço da <oralidade> varreu muitas escolas e pessoas. Não existe uma única explicação para tal onda em questões humanas. Na obra When the Mind Hears, abordo a confluência do nacionalismo, elitismo e comercialismo que norteou o Congresso de Milão e seu trágico legado. Por exemplo, a subsequente exigência de <somente o inglês> nas escolas americanas de ASL para crianças coincidiu com, e foi reforçada por, uma exigência semelhante, feita às escolas que usavam outras línguas minoritárias, tal como o alemão.

Conforme o autor, o discurso presente no congresso de Milão sobre a oralidade estava, principalmente, baseado em um macrodiscurso elitista e nacionalista que tinha um ideal monolíngue e que, com isso, evitava que outras línguas estivessem concorrendo com as suas.

O oralismo foi considerado por muitos pesquisadores como o “período de trevas” para a educação dos surdos. Ele teve início no fim da década de 1880 e perdurou até a década de 1960. Apesar da aceitação e cumprimento, Capovilla (2000, p. 4) constata que o oralismo não surtiu grandes efeitos na educação dos surdos em relação à fala, escrita e oralidade:

Em todo o mundo, apenas um pequeno percentual daqueles que perderam a audição precocemente consegue falar de modo suficientemente inteligível a terceiros. Na Alemanha de acordo com o Frankfurter Allgemeine Zeitung (06/11/95), tal percentual é estimado em 0,5%. Além disso, como sua articulação incomum tende a ser recebida com estranhamento pelos ouvintes, muitos dos que conseguiram aprender a oralizar sentem-se inibidos e desencorajados a fazê-lo fora de seu círculo de amizade no dia-a-dia.

Assim, o nível de satisfação em relação à aquisição da língua oral e escrita era muito baixo, inclusive no próprio país que foi o precursor dessa filosofia, a Alemanha, pois os alunos surdos tinham muitas dificuldades em serem educados e profissionalizados.

No Brasil, foi lançada uma campanha para a educação do surdo brasileiro em 1957, durante o governo de Juscelino Kubitschek. Nessa campanha, o Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), primeira escola para surdos no Brasil, situada no Rio de Janeiro, teve uma importante participação. A diferença se dá, por exemplo, na gestão de Ana Rímoli, momento em que foi divulgado o Hino ao Surdo Brasileiro. Soares (1999) o reproduz:

Em nossa pátria queremos dos surdos a Redenção; Aos surdos todos levemos as luzes da Educação

Não mais o ensino antiquado nos simples dedos das mãos; Com um processo avançado salvemos nossos irmãos!

Oh! Felizes os que aprendem, sem poderem nem mesmo ouvir; Com olhos a Fala entendem, na esperança de Porvir!

Compreendem pelo olhar; aos surdos não falta a Voz Avante, Mestres, avante! Com orgulho prazenteiro, Lidemos, a todo instante, pelo surdo brasileiro!

Oh! Felizes os que aprendem, sem poderem nem mesmo ouvir;

Com olhos a Fala entendem, na esperança de Porvir! (SOARES, 1999, p. 95)

Pode-se perceber, de maneira bem nítida, a abordagem metodológica baseada na oralidade, que emergia em um discurso redentor que iria salvar os surdos da falta de conhecimento.

Após quase um século de oralismo, a dificuldade no desenvolvimento educacional e profissional dos surdos no âmbito internacional e, também, nacional foi cenário para novas reflexões e possibilidades de surgimento de novas tendências didático-pedagógicas no ensino para estes alunos.