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Orbitas coadjuntas ´

No documento Introdução à geometria simplética (páginas 33-39)

3.3 Outros exemplos importantes

3.3.2 Orbitas coadjuntas ´

Exemplos importantes de variedades simpl´eticas aparecem na teoria dos grupos de Lie. Faremos aqui uma breve incurs˜ao no tema. O leitor pode consultar, por exemplo, [19, 28] para mais detalhes.

Um grupo de Lie ´e um grupo G munido de uma estrutura de variedade diferenci´avel para qual a multiplica¸c˜ao m : G× G → G ´e uma aplica¸c˜ao suave; neste caso, a invers˜ao g7→ g−1tamb´em ´e suave,

como consequˆencia do teorema da fun¸c˜ao impl´ıcita.

Para cada g∈ G, as aplica¸c˜oes Lg: G→ G, a 7→ ga, e Rg: G→

G, a7→ ag s˜ao difeomorfismos, com (Lg)−1= Lg−1 e (Rg)−1 = Rg−1.

Dizemos que um campo de vetores X ∈ X(G) ´e invariante `a esquerda se (Lg)∗X = X, e invariante `a direita se (Rg)∗X = X, ∀g ∈ G. O

espa¸co dos campos de vetores invariantes `a esquerda (resp. direita) ´e denotado por XL(G) (resp. XR(G)). Note que cada u ∈ TeG

determina campos de vetores ul∈ XL(G) e ur

∈ XR(G),

ulg= deLg(u), e urg= deRg(u),

e isso nos define um isomorfismo de espa¸cos vetoriais:

XL(G) ∼= TeG ∼= XR(G). (3.3.6)

Uma ´algebra de Lie (real) ´e um espa¸co vetorial (real) g munido de um colchete [·, ·] : g × g → g que ´e bilinear, anti-sim´etrico e satisfaz a identidade de Jacobi:

[[u, v], w] + [[w, u], v] + [[v, w], u] = 0.

Como o colchete de Lie de dois campos de vetores invariantes `a es- querda ´e invariante `a esquerda, podemos definir um colchete

[·, ·] : TeG× TeG→ TeG, [u, v] = [ul, vl](e),

com respeito ao qual TeG ´e uma ´algebra de Lie, que denotamos por

ge denominamos ´algebra de Lie de G.

Observa¸c˜ao: A defini¸c˜ao do colchete em TeG em termos de campos

Qualquer espa¸co vetorial V ´e um grupo de Lie abeliano com res- peito a soma de vetores. O grupo das matrizes reais n× n invert´ıveis, denotado GL(n, R), ´e um grupo de Lie com respeito ao produto. Como GL(n, R) ´e um aberto no espa¸co das matrizes Mn(R), seu

espa¸co tangente na identidade ´e o pr´oprio Mn(R). O colchete de Lie

´e o comutador

[A, B] := AB− BA.

Outros exemplos importantes s˜ao dados por subgrupos de GL(n, R). Exemplo 3.3.7.

a) O grupo linear ortogonal O(n) = {A ∈ GL(n, R) | AtA =

Id}, ou seja, as transforma¸c˜oes lineares de Rn que preservam o

produto interno canˆonico. A ´algebra de Lie associada ´e u(n) = {A ∈ Mn(R)| A = −At}.

O grupo O(n) tem duas componentes conexas, caracterizadas pelas condi¸c˜oes det(A) = 1 ou det(A) = −1. O subgrupo SO(n) ={A ∈ O(n) | det(A) = 1} ´e chamado grupo ortogonal especial, e tem a mesma ´algebra de Lie de O(n).

b) Podemos considerar tamb´em matrizes complexas. Assim temos GL(n, C), o grupo das matrizes complexas invert´ıveis. A ´algebra de Lie associada ´e Mn(C), com colchete dado pelo comutador.

Definimos o grupo U (n) = {A ∈ GL(n, C) | AA = Id

} das matrizes complexas que preservam o produto interno hermi- tiano canˆonico de Cn. Sua ´algebra de Lie ´e u(n) =

{A ∈ Mn(C) | A∗ = −A}. Note, por exemplo, que U(1) = S1 ´e

o grupo dos n´umeros complexos com valor absoluto igual a 1. De maneira mais geral, se V ´e um espa¸co vetorial (real, de di- mens˜ao finita), consideramos o grupo de Lie GL(V ) das transforma- ¸c˜oes lineares invert´ıveis de V em V . A ´algebra de Lie gl(V ) associada ´e dada pelo espa¸co de todos os endomorfismos lineares de V , e o colchete ´e o comutador.

Uma representa¸c˜ao de um grupo de Lie G num espa¸co vetorial V ´e um homomorfismo de grupos de Lie ψ : G→ GL(V ). A derivada dessa aplica¸c˜ao na identidade, deψ : g → gl(V ), ´e ent˜ao um homo-

morfismo de ´algebras de Lie, e define uma representa¸c˜ao de g em V .

Dada uma representa¸c˜ao ψ : G → GL(V ) e um ponto x ∈ V , a ´

orbita de x ´e a subvariedade imersa Ox={y ∈ V | ∃g ∈ G, ψg(x) =

y} ⊆ V , e vale que

TxOx={deψ(u)(x)| u ∈ g}, (3.3.7)

usando a identifica¸c˜ao TxV ∼= V .

Duas representa¸c˜oes canˆonicas associadas a qualquer grupo de Lie s˜ao as seguintes:

Exemplo 3.3.8 (Representa¸c˜oes adjunta e coadjunta). a) Para g∈ G, considere a aplica¸c˜ao Ig: G→ G, Ig(a) = gag−1.

Como Ig(e) = e, temos uma aplica¸c˜ao linear

Adg:= deIg: g→ g.

O homomorfismo Ad : G→ GL(g), g 7→ Adg, ´e a representa¸c˜ao

adjunta de G em g. Neste caso, a representa¸c˜ao de g em g induzida pela derivada ´e

ad : g→ gl(g), u 7→ adu,

onde adu(v) = [u, v].

b) Podemos dualizar a representa¸c˜ao adjunta e obter a representa¸c˜ao coadjunta

Ad∗: G→ GL(g∗), g7→ Ad∗g:= (Adg−1)∗,

ou seja,hAdg(ξ), ui = hξ, Adg−1ui, para ξ ∈ g∗, u∈ g. Note a

necessidade de tomarmos a adjunta com respeito a g−1para que

tenhamos um homomorfismo de grupos. Ao n´ıvel das ´algebras de Lie, temos a representa¸c˜ao

ad∗: g→ gl(g∗), u7→ ad∗u,

definida porhad∗u(ξ), vi = −hξ, [u, v]i.

Exerc´ıcio:Suponha que g tenha um produto interno h·, ·i que seja Ad- invariante, ou seja, hAdgu, Adgui = hu, vi, para todo g ∈ G. Mostre que a

identifica¸c˜ao g ∼= g∗induzida por este produto interno identifica tamb´em as representa¸c˜oes adjunta e coadjunta.

Como veremos agora, toda ´orbita coadjuntaO ,→ gpossui uma

estrutura simpl´etica canˆonica. Este fato ´e comumente atribu´ıdo a Kostant-Kirillov-Souriau.

Considere ξ ∈ g, e seja

O a ´orbita coadjunta que passa por ξ. Segue de (3.3.7) que os vetores da forma ad∗u(ξ) geram o espa¸co TξO,

TξO = {ad∗u(ξ)| u ∈ g}.

Note que se ad∗u(ξ) = ad∗u0(ξ), ent˜ao

hξ, [u − u0, v]

i = (ad∗u0− ad

u)(ξ) = 0,

para todo v ∈ g. Portanto, para ξ ∈ g∗ fixo, o valor de hξ, [u, v]i

depende apenas de ad∗ue ad∗v no ponto ξ. Podemos, com isso, definir

uma forma bilinear anti-sim´etrica em TξO por

ωξ(ad∗u(ξ), ad∗v(ξ)) :=hξ, [u, v]i, (3.3.8)

e segue imediatamente da defini¸c˜ao que ωξ ´e n˜ao degenerada. Obte-

mos assim uma 2-forma n˜ao-degenerada em cada ponto de O. Teorema 3.3.9. Seja O ⊂ guma ´orbita coadjunta. Ent˜ao (3.3.8)

define uma 2-forma simpl´etica em O.

Demonstrac¸˜ao: ´E um fato b´asico que a representa¸c˜ao adjunta preserva o colchete de Lie, [Adg(u), Adg(v)] = Adg([u, v]). Portanto

h(Ad)∗gξ, [Adg(u), Adg(v)]i = hAd∗gξ, Adg([u, v])i = hξ, [u, v]i,

o que mostra que a 2-forma ω definida pontualmente por (3.3.8) ´e invariante pelas transforma¸c˜oes adjuntas Ad∗g. Como estas trans-

forma¸c˜oes agem transitivamente na ´orbitaO, segue que ω ´e de fato suave. Resta verificar que ω ´e fechada.

Como g ∼= (g∗)∗, podemos considerar g⊂ C∞(g). Dado u

∈ g, temos que du∈ Ω1(g) ´e definido por (du)

ξ(η) = η(u). Assim

(iad∗

u(ξ)ω)(ad

v(ξ)) =hξ, [u, v]i = (du)ξ(ad∗v(ξ)),

e portanto iad∗

uω = du ´e exata (aqui pensamos em ad

u como um

campo de vetores em g∗, definido em ξ

∈ g∗por ad

u(ξ)∈ g∗∼= Tξg∗).

Usando a f´ormula de Cartan e a invariˆancia de ω, temos iad∗

ou seja, dω = 0. 

Exemplo 3.3.10. a) Considere o grupo

SO(3) ={A ∈ GL(3, R) | AtA = Id, det(A) = 1}. Sua ´algebra de Lie ´e so(3) ={A ∈ M3(R) | A = −At}. Pode-

mos identificar so(3) com R3 de acordo com

 uu12 u3   7→   u03 −u03 −uu21 −u2 u1 0   .

Com esta identifica¸c˜ao, o colchete de Lie em R3 ´e o produto

vetorial, i.e., [u, v] = u× v, e a representa¸c˜ao adjunta toma a forma

AdA(u) = Au, adu(v) = u× v.

Como o produto interno usual de R3 ´e invariante pelas trans-

forma¸c˜oes de SO(3), a identifica¸c˜ao R3= (R3)por ele induzida

identifica tamb´em as representa¸c˜oes adjunta e coadjunta. Por- tanto as ´orbitas coadjuntas em R3 ao as esferas centradas na

origem, incluindo a ´orbita singular{0}. Assim, para cada r > 0, temos a ´orbita coadjunta

Or={ξ ∈ R3| kξk = r}.

A forma simpl´etica emOr definida pelo Teorema 3.3.9 ´e

ω = 1

rσr, (3.3.9)

onde σr´e a forma de ´area da esferaOr.

Exerc´ıcio:Use a identidade u × (v × w) = vhu, wi − whu, vi para mostrar que σr(u × ξ, v × ξ) = rhξ, u × vi. Com isso, prove (3.3.9).

b) Considere o grupo de Lie U (n) (Exemplo 3.3.7, parte b)). Sua ´

algebra de Lie u(n), dada por matrizes complexas anti-hermiti- anas, possui um produto interno invariante pela representa¸c˜ao adjunta,

(A, B)7→ tr(A∗B).

Podemos usar este produto interno para identificar u(n) com u(n)∗. Como u(n) = iH, onde H = {ξ ∈ M

n(C) | ξ = ξ∗} ´e

o espa¸co das matrizes hermitianas, temos a identifica¸c˜ao H ∼= u(n)∗ dada por

hξ, ui = −tr(iξu), u∈ u(n), ξ ∈ H.

Com esta identifica¸c˜ao, a representa¸c˜ao coadjunta de U (n) em H ´e

Ad∗A(ξ) = AξA−1.

Portanto duas matrizes emH est˜ao na mesma ´orbita coadjunta se e somente se elas tˆem o mesmo espectro. Assim, cada lista de n n´umeros reais λ = (λ1, . . . , λn), com λ1≤ λ2≤ . . . ≤ λn,

define uma ´orbita coadjunta

Oλ={ξ ∈ H | espectro(ξ) = λ}.

A topologia das ´orbitas varia de acordo com λ. Por exemplo, se λ1< λ2= . . . = λn, ent˜ao cada ξ∈ Oλ ´e totalmente caracteri-

zado por uma linha complexa em Cn; pense nesta linha como o

autoespa¸co associado ao autovalor λ1, de modo que o seu com-

plemento ortogonal em Cn ´e o autoespa¸co associado ao outro

autovalor. Portanto a linha complexa caracteriza a matriz ξ completamente. Assim, para λ1< λ2= . . . = λn, temos

Oλ= CPn−1,

e obtemos, pelo Teorema 3.3.9, uma fam´ılia a dois parˆametros de formas simpl´eticas em CPn, todas m´ultiplas da forma de

Fubini-Study.

Mais geralmente, no caso λ1 = λ2 = . . . = λk < λk+1= . . . =

λn, cada ponto da ´orbitaOλ´e totalmente determinado por um

autovalor λ1, com multiplicidade k, de modo que o autoespa¸co

associado a λk+1, com multiplicidade (n− k), ´e o seu comple-

mento ortogonal. Assim, neste caso, temos Oλ= Gr(k, n),

a grassmanniana de k-planos em Cn.

Para λ1 < λ2 < . . . λn, cada ξ ∈ Oλ ´e caracterizado pelos n

autoespa¸cos Lj, ou, equivalentemente, pelos subespa¸cos Ei =

⊕i≤jLj,

E1⊂ E2⊂ . . . ⊂ En = Cn.

Em outras palavras,Oλ´e uma variedade “flag” completa. Para

os outros tipos de espectro, as ´orbitas s˜ao variedades “flag” incompletas.

Os exemplos anteriores ilustram ainda o fato geral de que ´orbitas coadjuntas de grupos de Lie compactos s˜ao n˜ao apenas simpl´eticas, mas de fato K¨ahler.

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