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Introdução à geometria simplética

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Academic year: 2021

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Texto

(1)

Introdu¸

ao a Geometria Simpl´

etica

Henrique Bursztyn e Leonardo Macarini

(2)

PREF ´ACIO

Geometria simpl´etica ´e a geometria das variedades munidas de uma 2-forma fechada e n˜ao-degenerada. Embora tenha ra´ızes hist´ ori-cas na formula¸c˜ao geom´etrica da mecˆanica cl´assica, a geometria sim-pl´etica ´e hoje uma ´area de interesse independente, sendo alvo de intensa pesquisa, e com diversas aplica¸c˜oes.

Um dos grandes propulsores do desenvolvimento recente da ge-ometria simpl´etica foi o surgimento, nas ´ultimas duas d´ecadas, de novas t´ecnicas e resultados constituindo o que hoje se chama topologia simpl´etica. Tendo os trabalhos seminais de M. Gromov e Y. Eliash-berg nos anos 80 como ponto de partida, tais resultados elucidaram propriedades fundamentais das variedades simpl´eticas, como a pro-funda rigidez das transforma¸c˜oes simpl´eticas e a existˆencia de impor-tantes invariantes globais, dando `a ´area uma nova perspectiva.

Paralelamente, outra importante fonte de est´ımulo para o cresci-mento da geometria simpl´etica ´e seu papel interdisciplinar na matem´ a-tica, interagindo com topologia (especialmente em dimens˜oes 3 e 4), teoria de representa¸c˜oes e grupos de Lie, geometria alg´ebrica, dinˆamica conservativa, an´alise microlocal, al´em de campos da f´ısica matem´atica tais como teoria de calibre e espa¸cos de moduli, sistemas integr´aveis e grupos quˆanticos, modelos sigma e teoria de cordas, entre outros.

Estas notas apresentam uma breve introdu¸c˜ao `a geometria simpl´e-tica com foco em dois aspectos principais: por um lado, a ausˆencia de invariantes locais em variedades simpl´eticas, tendo como base o m´etodo de Moser; por outro lado, a constru¸c˜ao de invariantes globais usando t´ecnicas de topologia simpl´etica.

Devido `as limita¸c˜oes de espa¸co e tempo, alguns t´opicos comu-mente presentes em textos introdut´orios `a geometria simpl´etica n˜ao est˜ao aqui inclu´ıdos. Este ´e o caso, por exemplo, da importante teoria de a¸c˜oes hamiltonianas e aplica¸c˜oes momento, que pode ser encon-trada em textos como [1, 8, 19].

(3)

Cap´ıtulo 1 apresenta uma breve exposi¸c˜ao da origem da geometria simpl´etica em mecˆanica hamiltoniana. No Cap´ıtulo 2, tratamos dos aspectos b´asicos da ´algebra linear simpl´etica. O Cap´ıtulo 3 inclui a defini¸c˜ao de variedades simpl´eticas, assim como as principais classes de exemplos: fibrados cotangentes, ´orbitas coadjuntas e variedades K¨ahler. No Cap´ıtulo 4, discutimos o m´etodo de Moser, que oferece uma t´ecnica fundamental na demonstra¸c˜ao de v´arios resultados de rigidez local em geometria simpl´etica, incluindo o teorema c´assico de Darboux e suas generaliza¸c˜oes devidas a A. Weinstein. No Cap´ıtulo 5, tratamos de hipersuperf´ıcies de contato, que s˜ao usadas no Cap´ıtulo 6 para o estudo de sistemas hamitonianos e dinˆamica em n´ıveis de energia. O Cap´ıtulo 7 discute o problema da existˆencia de invariantes globais, com foco na no¸c˜ao de capacidade simpl´etica. Ainda neste cap´ıtulo, apresentamos uma introdu¸c˜ao ao teorema “nonsqueezing” de Gromov, incluindo um esbo¸co de sua (dif´ıcil) demonstra¸c˜ao.

Ao longo do texto, assumimos que o leitor tenha familiaridade com aspectos b´asicos da teoria de variedades diferenci´aveis, incluindo formas diferenciais. O material padr˜ao pode ser encontrado, por ex-emplo, em [2, 39]. V´arios livros de introdu¸c˜ao a geometria simpl´etica nos serviram de referˆencia, entre os quais [7, 8, 21, 29, 41].

Agradecemos a Walcy Santos e Manfredo do Carmo pelo convite para apresentar o minicurso “Introdu¸c˜ao a Geometria Simpl´etica” na XIV Escola de Geometria Diferencial, que nos deu est´ımulo para a elabora¸c˜ao destas notas. Agradecemos tamb´em a Cristian Ortiz por coment´arios e corre¸c˜oes, e Rog´erio Dias Trindade pela ajuda nas figuras.

(4)

Conte´

udo

1 Origem da geometria simpl´etica 6

1.1 As equa¸c˜oes de Hamilton via a equa¸c˜ao de Newton . . 6

1.2 Abordagem variacional . . . 7

1.3 Geometriza¸c˜ao das equa¸c˜oes de Hamilton . . . 10

2 Algebra linear simpl´´ etica 12 2.1 Espa¸cos vetoriais simpl´eticos . . . 12

2.2 Subespa¸cos . . . 14

2.3 Bases simpl´eticas e forma normal . . . 15

2.4 Estruturas complexas compat´ıveis . . . 16

3 Variedades simpl´eticas 20 3.1 Defini¸c˜ao . . . 20

3.2 Fibrados cotangentes . . . 22

3.3 Outros exemplos importantes . . . 25

3.3.1 Variedades K¨ahler . . . 25

3.3.2 Orbitas coadjuntas . . . .´ 33

3.4 Obstru¸c˜oes . . . 39

3.5 Subvariedades . . . 41

4 O m´etodo de Moser e formas normais 44 4.1 O “truque” de Moser . . . 45

4.2 O teorema de Darboux . . . 47

4.3 Teoremas de Weinstein para vizinhan¸cas de subvar-iedades . . . 49

(5)

5 Hipersuperf´ıcies de contato 53 5.1 Defini¸c˜oes e exemplos . . . 53 5.2 Forma normal de vizinhan¸cas de hipersuperf´ıcies de

contato . . . 57

6 Sistemas hamiltonianos 59

6.1 Defini¸c˜oes e exemplos . . . 59 6.2 Dinˆamica em n´ıveis de energia . . . 61

7 Invariantes globais 72

7.1 Capacidades simpl´eticas e rigidez de simplectomorfismos 72 7.2 Esbo¸co da prova do teorema nonsqueezing . . . 76 7.3 Rigidez de simplectomorfismos . . . 80 7.4 A capacidade de Hofer-Zehnder . . . 83 7.5 Capacidade de Hofer-Zehnder e ´orbitas peri´odicas . . . 89

(6)

Cap´ıtulo 1

Origem da geometria

simpl´

etica

1.1

As equa¸

oes de Hamilton via a equa¸

ao

de Newton

A geometria simpl´etica se originou no estudo dos sistemas hamilto-nianos, que descrevem a evolu¸c˜ao de sistemas mecˆanicos de natureza conservativa. As equa¸c˜oes que descrevem tais sistemas s˜ao chamadas equa¸c˜oes de Hamilton e podem ser derivadas diretamente da segunda lei de Newton.

Vamos considerar como ilustra¸c˜ao o exemplo do movimento de uma part´ıcula de massa m > 0 em R3 submetida a um campo de

for¸cas conservativo F , dado em cada ponto q = (q1, q2, q3)∈ R3 por

F (q) =−∇V (q),

onde V : R3 → R ´e a energia potencial. Cada estado inicial,

deter-minado por uma posi¸c˜ao e velocidade, determina completamente a trajet´oria q(t) da part´ıcula atrav´es da segunda lei de Newton:

m¨q(t) =−∇V (q(t)). (1.1.1) Seja p = m ˙q o momento linear da part´ıcula. Podemos rescrever o sistema de 3 equa¸c˜oes de segunda ordem (1.1.1) como 6 equa¸c˜oes de

(7)

primeira ordem nas vari´aveis qi e pi:

˙q = p

m, ˙p =−∇V. O espa¸co R3={q = (q

1, q2, q3)} de poss´ıveis posi¸c˜oes da part´ıcula ´e

chamado de espa¸co de configura¸c˜oes, enquanto o espa¸co R6 = R3× R3={(q, p)}, consistindo de posi¸c˜oes e momentos, ´e chamado espa¸co de fase. Se denotarmos a energia total da part´ıcula por H,

H(q, p) = P3

i=1p2i

2m + V (q), podemos escrever (1.1.1) no espa¸co de fase como

˙qi= ∂H ∂pi , ˙pi=− ∂H ∂qi . (1.1.2)

As equa¸c˜oes (1.1.2) s˜ao as equa¸c˜oes de Hamilton descrevendo o sis-tema nesse exemplo.

1.2

Abordagem variacional

Outra maneira de se obter as equa¸c˜oes de Hamilton ´e via as equa¸c˜oes de Euler-Lagrange, derivadas de princ´ıpios variacionais. Essa abor-dagem, al´em de exibir a natureza variacional de sistemas naturais, ´e bastante ´util quando consideramos sistemas com v´ınculos. Existem in´umeras referˆencias sobre o assunto, entre as quais, [1, 5].

Um princ´ıpio fundamental que rege a mecˆanica cl´assica ´e o prin-c´ıpio da a¸c˜ao m´ınima. Mais precisamente, considere um sistema cujo espa¸co de configura¸c˜oes ´e o Rn, com coordenadas q = (q

1, . . . , qn),

de modo que o espa¸co de estados (i.e., posi¸c˜oes e velocidades) seja R2n, com coordenadas (q, v). Seja L : R2n → R uma fun¸c˜ao suave,

chamada fun¸c˜ao lagrangiana. Dada uma curva diferenci´avel γ : [0, T ]→ Rn, definimos sua a¸c˜ao por

AL(γ) =

Z T 0

L(γ(t), ˙γ(t)) dt.

Fixe agora dois pontos q0e q1em Rn e denote por C([0, T ], q0, q1)

o conjunto de curvas suaves γ : [0, T ] → Rn tais que γ(0) = q 0 e

(8)

γ(T ) = q1. Buscamos neste conjunto pontos cr´ıticos para o funcional

de a¸c˜ao AL, ou seja, curvas γ para as quais

dAL(Γs) ds s=0 = 0,

onde Γs ∈ C([0, T ], q0, q1), s ∈ (−, ), ´e uma varia¸c˜ao suave

ar-bitr´aria de curvas tal que Γ0= γ.

Proposi¸c˜ao 1.2.1. Uma curva γ ´e um ponto cr´ıtico de AL se e

somente se satisfaz a equa¸c˜ao de Euler-Lagrange d dt ∂L ∂v(γ(t), ˙γ(t)) = ∂L ∂q(γ(t), ˙γ(t)).

Demonstrac¸˜ao: Sejam ci : [0, T ]→ R, i = 1, ..., n, fun¸c˜oes suaves

tais que ci(0) = ci(T ) = 0 para todo i. Defina a varia¸c˜ao

Γ(t) = (γ1(t) + c1(t), ..., γn(t) + cn(t)),

onde γ(t) = (γ1(t), ..., γn(t)). E claro que Γ´  ∈ C([0, T ], q0, q1).

Temos que dAL(Γ) d =0 = Z T 0 X i ∂L ∂qi (γ0, ˙γ0)ci(t) + ∂L ∂vi (γ0, ˙γ0) ˙ci(t) dt = Z T 0 X i ∂L ∂qi (γ0, ˙γ0)ci(t)− d dt ∂L ∂vi (γ0, ˙γ0)ci(t) +∂L ∂vi (γ0, ˙γ0)ci(t) T 0 dt = Z T 0 X i  ∂L ∂qi (γ0, ˙γ0)− d dt ∂L ∂vi (γ0, ˙γ0)  ci(t) dt,

onde a segunda igualdade segue por integra¸c˜ao por partes. Como isto ´e v´alido para todo ci tal que ci(0) = ci(T ) = 0, conclu´ımos a

demonstra¸c˜ao. 

Diferentes fun¸c˜oes lagrangianas correspondem a diferentes sis-temas f´ısicos, e a evolu¸c˜ao de cada sistema ´e descrita pelas solu¸c˜oes das equa¸c˜oes de Euler-Lagrange associadas.

(9)

Veremos agora como uma mudan¸ca de vari´aveis pode transformar as equa¸c˜oes de Euler-Lagrange nas equa¸c˜oes de Hamilton. Considere a aplica¸c˜ao FL : R2n → R2n, dada por FL(q1, ..., qn, v1, ..., vn) = (q1, ..., qn, ∂L ∂v1 (q, v), ..., ∂L ∂vn (q, v)), (1.2.1) chamada transformada de Legendre associada a L. Supondo que FL seja um difeomorfismo, obtemos novas coordenadas (q, p) em R2n,

onde p = ∂L∂v ´e chamado de momento generalizado. Definimos a hamiltoniana associada a L como

H(q, p) =

n

X

i=1

pivi− L(q, v).

Temos ent˜ao que ∂H ∂qi = n X j=1 pj∂vj ∂qi − ∂L ∂qi − n X j=1 ∂L ∂vj ∂vj ∂qi =− ∂L ∂qi ∂H ∂pi = vi+ n X j=1 pj ∂vj ∂pi − ∂L ∂vj ∂vj ∂pi = vi.

Consequentemente, as equa¸c˜oes de Euler-Lagrange s˜ao equivalente `as equa¸c˜oes de Hamilton

dqi dt = ∂H ∂pi , dpi dt =− ∂H ∂qi .

Exerc´ıcio: Considere em R3× R3a lagrangiana L(q, v) =m 2

P3

i=1vi2−

V (q). Verifique que, neste caso, a transformada de Legendre ´e um difeo-morfismo e a hamiltoniana associada ´e H(q, p) =P3

i=12m1 p2i+ V (q), ou

seja, a mesma da se¸c˜ao anterior.

Observa¸c˜ao: Uma pergunta natural ´e quando pontos cr´ıtico de AL s˜ao, de fato, pontos de m´ınimo do funcional de a¸c˜ao. Isso n˜ao

´e verdade em geral (pense, por exemplo, nas geod´esicas da esfera S2), mas pode-se mostrar que, se o determinante da matriz Hessiana

(10)

∂2

L ∂vi∂vj



for positivo, ent˜ao solu¸c˜oes da equa¸c˜ao de Euler-Lagrange minimizam a a¸c˜ao em intervalos de tempo suficientemente pequenos. Sob certas condi¸c˜oes de crescimento de L no infinito, prova-se ainda que sempre existe uma solu¸c˜ao ligando dois pontos quaisquer em Rn.

1.3

Geometriza¸

ao das equa¸

oes de

Hamil-ton

Vimos nas se¸c˜oes anteriores como as equa¸c˜oes de Hamilton podem ser derivadas das equa¸c˜oes de Newton e de Euler-Lagrange. Nesta se¸c˜ao, colocaremos as equa¸c˜oes de Hamilton em um contexto geom´etrico atrav´es de uma formula¸c˜ao intr´ınseca. Isso nos permitir´a definir, no Cap´ıtulo 6, sistemas hamiltonianos em variedades diferenci´aveis.

Considere o espa¸co de fase R2n, com coordenadas (q

1, . . . , qn, p1,

. . . , pn). A escolha de qualquer fun¸c˜ao H∈ C∞(R2n) determina um

campo hamiltoniano XH:=−J0∇H = 3 X i=1 ∂H ∂pi ∂ ∂qi − ∂H ∂qi ∂ ∂pi , (1.3.1)

onde J0 ´e a matriz 2n× 2n dada por

J0=  0 −I I 0  . (1.3.2)

A fun¸c˜ao H ´e chamada de hamiltoniana, e as equa¸c˜oes de Hamilton (1.1.2) assumem a forma

˙c(t) = XH(c(t)), (1.3.3)

onde c(t) = (q1(t), . . . , qn(t), p1(t), . . . , pn(t)). Note que H ´e sempre

preservado ao longo das solu¸c˜oes de (1.3.3): d

dtH(c(t)) =∇H(c(t)) · ˙c(t) = −∇H(c(t)) · J0∇H(c(t)) = 0. Essa propriedade (junto a outras que veremos mais tarde) d´a ao for-malismo hamiltoniano seu car´ater conservativo.

(11)

Note que na defini¸c˜ao de XHem (1.3.1) usamos dois ingredientes:

uma base de R2n (com respeito a qual calculamos o gradiente

∇H) e a matriz J0. Esses dois ingredientes combinados definem uma forma

bilinear anti-sim´etrica n˜ao-degenerada dada por Ω0(u, v) :=−utJ0v,

ou, equivalentemente, Ω0 = Pidqi∧ dpi. A equa¸c˜ao de Hamilton

pode ent˜ao ser vista como o “gradiente”de H com respeito a Ω0, ou

seja, XH ´e o unico campo que satisfaz a equa¸c˜ao

Ω0(XH, v) = dH(v)

para todo v ∈ R2n. Isto motiva a defini¸c˜ao de espa¸cos vetoriais

(12)

Cap´ıtulo 2

´

Algebra linear

simpl´

etica

2.1

Espa¸

cos vetoriais simpl´

eticos

Seja V um espa¸co vetorial real, e seja Ω : V × V → R uma forma bilinear anti-sim´etrica. Dizemos que a forma Ω ´e n˜ao-degenerada, ou simpl´etica, se

Ω(u, v) = 0 ∀v ∈ V =⇒ u = 0. (2.1.1) Nesse caso, o par (V, Ω) ´e um espa¸co vetorial simpl´etico. Dois espa¸cos vetoriais simpl´eticos (V1, Ω1) e (V2, Ω2) s˜ao simplectomorfos se existe

um isomorfismo linear ϕ : V1→ V2tal que

ϕ∗Ω2= Ω1.

Com a escolha de uma base{e1, e2, . . . , em} de V , podemos

repre-sentar qualquer forma bilinear anti-sim´etrica Ω unicamente por uma matriz anti-sim´etrica

A = [Aij], Aij= Ω(ei, ej),

de modo que Ω(u, v) = utAv. ´E f´acil ver que a forma Ω ´e simpl´etica

(13)

Ω define uma aplica¸c˜ao linear

Ω]: V → V∗, Ω](u)(v) := Ω(u, v),

de modo que Ω ´e simpl´etica se e somente se Ω]´e uma bije¸c˜ao.

Exemplos 2.1.1. a) Se V = R2n, ent˜ao

Ω0(u, v) :=−utJ0v

define uma forma simpl´etica representada pela matriz−J0

defi-nida em (1.3.2) na base canˆonica {e1, . . . , en, f1, . . . , fn}. Em

outras palavras, Ω0 ´e definida pelas condi¸c˜oes:

Ω0(ei, ej) = 0, Ω0(ei, fj) = δij, Ω0(fi, fj) = 0.

b) Seja W um espa¸co vetorial real de dimens˜ao n, e seja W∗ seu

dual. Ent˜ao o espa¸co vetorial V = W ⊕ Wpossui uma

estru-tura simpl´etica naestru-tural dada por

Ω((w, ξ), (w0, ξ0)) := ξ0(w)− ξ(w0),

e todo isomorfismo T : W → W determina um simplectomor-fismo T⊕ (T−1): V

→ V .

c) Seja V um espa¸co vetorial complexo de dimens˜ao n sobre C. Seja h : V × V → C um produto interno hermitiano e Ω = Im(h) a parte imagin´aria de h. Ent˜ao Ω define uma estrutura simpl´etica em V , visto como espa¸co vetorial real, e qualquer transforma¸c˜ao linear unit´aria ´e automaticamente um simplec-tomorfismo.

d) Se (V1, Ω1) e (V2, Ω2) s˜ao espa¸cos vetoriais simpl´eticos, ent˜ao

V1× V2´e espa¸co vetorial simpl´etico com a forma produto

(14)

2.2

Subespa¸

cos

Em um espa¸co vetorial com produto interno, todo subespa¸co herda um produto interno do espa¸co ambiente. Em um espa¸co vetorial simpl´etico, por outro lado, subespa¸cos podem herdar tipos de estru-turas diferentes.

Seja (V, Ω) um espa¸co vetorial simpl´etico. Dado um subespa¸co W ⊆ V , definimos seu ortogonal simpl´etico como o subespa¸co:

WΩ:=

{v ∈ V | Ω(v, w) = 0 ∀w ∈ W }. O subespa¸co W ⊆ V ´e chamado

• simpl´etico se W ∩ WΩ={0},

• isotr´opico se W ⊆ WΩ,

• coisotr´opico se WΩ

⊆ W , • lagrangiano se W = WΩ.

Note que W ´e isotr´opico se e somente se a restri¸c˜ao de Ω a W ´e zero, e ´e lagrangiano se e somente se W ´e isotr´opico e maximal (i.e., n˜ao est´a propriamente contido em nenhum outro subespa¸co isotr´opico); por outro lado, W ´e simpl´etico se e somente se a re-stri¸c˜ao de Ω a W ´e n˜ao-degenerada, de modo que (W, Ω|W) ´e um

espa¸co vetorial simpl´etico.

Embora em geral V 6= W + WΩ, em termos de dimens˜oes sempre

vale que

dim(V ) = dim(W ) + dim(WΩ). (2.2.1) Para provar (2.2.1), basta observar que a imagem de WΩ pelo iso-morfismo Ω]: V

→ V∗ ´e Ann(W ), o anulador de W . Portanto

dim(WΩ) = dim(Ann(W )) = dim(V )− dim(W ). Segue ainda facilmente que (WΩ)= W .

Exemplos 2.2.1.

a) Qualquer subespa¸co unidimensional ´e isotr´opico. Como um subespa¸co W ´e coisotr´opico se e somente se WΩ ´e isotr´opico,

(15)

b) No Exemplo 2.1.1, parte b), tanto W quanto W∗ao subespa¸cos

lagrangianos.

c) Para cada i, o subespa¸co gerado pelo par ei, fi no Exemplo

2.1.1, parte a), ´e simpl´etico.

Exerc´ıcio: Se (V1, Ω1) e (V2, Ω2) s˜ao espa¸cos vetoriais simpl´eticos, mostre

que um isomorfismo linear ϕ : V1 → V2 ´e um simplectomorfismo se e

somente se o gr´afico de ϕ ´e lagrangiano em V1× V2, onde V2 denota o

espa¸co simpl´etico (V2, −Ω2).

2.3

Bases simpl´

eticas e forma normal

Seja (V, Ω) um espa¸co vetorial simpl´etico. Chamamos de base simpl´e-tica de V uma base com 2n vetores{e1, . . . , en, f1, . . . , fn} para a qual

valem as rela¸c˜oes

Ω(ei, ej) = 0, Ω(ei, fj) = δij, Ω(fi, fj) = 0. (2.3.1)

Assim, numa base simpl´etica a forma Ω ´e representada pela matriz 

0 I

−I 0 

, (2.3.2)

onde I ´e a matriz identidade n× n.

O pr´oximo resultado ´e o an´alogo simpl´etico do fato de que todo espa¸co vetorial com produto interno admite uma base ortonormal. Teorema 2.3.1. Todo espa¸co vetorial simpl´etico (V, Ω) admite uma base simpl´etica.

Demonstrac¸˜ao:Escolha e16= 0. Como Ω ´e n˜ao-degenerada, existe

f1∈ V tal que

Ω(e1, f1) = 1.

Seja W1 o subespa¸co gerado por{e1, f1}. Note que W1´e simpl´etico,

e portanto V = W1⊕ W1Ω.

Como W1Ω ´e simpl´etico, podemos repetir a constru¸c˜ao at´e

obter-mos uma decomposi¸c˜ao

(16)

onde cada Wi´e gerado por ei, fital que Ω(ei, fi) = 1. Por constru¸c˜ao,

se i < j, ent˜ao Wj ⊂ WiΩ, portanto seguem as rela¸c˜oes (2.3.1). 

Corol´ario 2.3.2. Todo espa¸co simpl´etico ´e simplectomorfo a (R2n, Ω 0)

(descrito no Exemplo 2.1.1, parte a)) para algum n.

Em particular, todo espa¸co vetorial simpl´etico tem dimens˜ao par. Al´em disso, se (V, Ω) ´e espa¸co simpl´etico de dimens˜ao 2n, segue facil-mente de (2.2.1) que W ⊂ V ´e lagrangiano se e somente se W ´e isotr´opico e

dim(W ) = dim(V ) 2 = n.

Exemplo 2.3.3. Se {w1, . . . , wn} ´e base de um espa¸co vetorial W ,

e se {ξ1, . . . , ξn} ´e base dual, ent˜ao {w1, . . . , wn, ξ1, . . . , ξn} ´e base

simpl´etica de W ⊕ W∗ descrito no Exemplo 2.1.1, parte b).

Por outro lado, se{e1, . . . , en} ´e base complexa ortonormal para

um espa¸co complexo hermitiano, ent˜ao{e1, . . . , en, ie1, . . . , ien} ´e base

simpl´etica para o Exemplo 2.1.1, parte c).

2.4

Estruturas complexas compat´ıveis

Se V ´e um espa¸co vetorial sobre C munido de um produto interno hermitiano h, vimos no Exemplo 2.1.1, parte c), que a parte ima-gin´aria de h define uma forma simpl´etica em V (visto como espa¸co vetorial real). Mostraremos agora a rec´ıproca: se (V, Ω) ´e um espa¸co vetorial simpl´etico, ent˜ao V admite uma estrutura de espa¸co veto-rial complexo e Ω pode ser vista como a parte imagin´aria de uma estrutura hermitiana.

Se V ´e um espa¸co vetorial real, lembremos que uma estrutura com-plexa em V ´e um endomorfismo linear J : V → V tal que J2=

−Id. Note que fixar uma estrutura complexa J ´e equivalente a munir V de uma estrutura de espa¸co vetorial sobre C, j´a que podemos identificar o operador J com a multiplica¸c˜ao por i = √−1, i.e., J(v) = i · v, para todo v∈ V . Nos referimos ao par (V, J) como um espa¸co veto-rial complexo, e dizemos que (V, J) e (V0, J0) s˜ao isomorfos se existe

um isomorfismo linear ϕ : V → V0 tal que ϕ

◦ J = J0

(17)

Exerc´ıcio: Mostre que uma estrutura complexa J : V → V ´e equivalente a escolha de um subespa¸co V10⊂ V ⊗ C tal que V ⊗ C = V10⊕ V10. (Dica:

considere os autoespa¸cos de J.)

Exemplo 2.4.1. A matriz J0, definida em (1.3.2), ´e uma estrutura

complexa em V = R2n. ´E simples verificar que a identifica¸c˜ao de

R2n com Cn, (q, p) 7→ q + ip, ´e um isomorfismo de espa¸cos vetoriais

complexos.

Seja (V, Ω) um espa¸co vetorial simpl´etico. Uma estrutura com-plexa em V ´e compat´ıvel com Ω (ou simplesmente Ω-compat´ıvel ) se, para u, v∈ V ,

g(u, v) := Ω(u, Jv), (2.4.1) define um produto interno (nessas notas, a menos que se mencione o contr´ario, sempre assumimos que produtos internos sejam positivo-definidos). Explicitamente, as condi¸c˜oes de compatibilidade (i.e., simetria e positividade de g) s˜ao

Ω(Ju, Jv) = Ω(u, v), e Ω(u, Ju) > 0, u6= 0. (2.4.2)

Exerc´ıcio:Seja J uma estrutura complexa Ω-compat´ıvel em V . Se W ⊆ V ´e um subespa¸co, mostre que JWΩ= W

, onde W⊥

´e o ortogonal de W com respeito ao produto interno (2.4.1).

´

E f´acil ver que se h(u, v) = g(u, v)+iΩ(u, v) ´e um produto interno hermitiano em (V, J), ent˜ao g ´e dado por (2.4.1). Segue, portanto, que J ´e Ω-compat´ıvel se e somente se Ω ´e a parte imagin´aria de uma estrutura hermitana em (V, J).

Teorema 2.4.2. Seja (V, Ω) um espa¸co vetorial simpl´etico. Ent˜ao cada produto interno G em V define, de forma canˆonica, uma estru-tura complexa J : V → V que ´e Ω-compat´ıvel.

Demonstrac¸˜ao: Seja G um produto interno em V . Como G] :

V → V, G](u)(v) = G(u, v), ´e um isomorfismo, segue que existe um

´

unico automorfismo linear A : V → V tal que Ω(u, v) = G(Au, v), ∀u, v ∈ V,

(18)

i.e., A = (G])−1

◦ Ω]. Note que A ´e anti-sim´etrico com respeito a G,

j´a que

G(Atu, v) = G(u, Av) = Ω(v, u) =−G(Au, v). Como consequˆencia, temos que, na decomposi¸c˜ao polar de A,

A = J|A|, onde |A| = (AtA)1/2= (

−A2)1/2,

o operador ortogonal J e o operador positivo-definido|A| comutam. Ent˜ao A2=−J2A2, e portanto J2=−Id. Note ainda que

Ω(u, Jv) = G(Au, Jv) =−G(JAu, v) = G(|A|u, v)

define um produto interno, mostrando a compatibilidade de J e Ω. (Observe, contudo, que o produto interno associado ao par J e Ω, em

geral, difere de G.) 

Observa¸c˜ao: A existˆencia de uma estrutura complexa Ω-compat´ıvel num espa¸co vetorial simpl´etico pode ser facilmente obtida se usarmos uma base simpl´etica e1, . . . , en, f1, . . . , fn: basta definir Jei = fi e

Jfi =−ei, i = 1, . . . , n. A vantagem da demonstra¸c˜ao apresentada

no teorema anterior ´e que n˜ao fazemos qualquer men¸c˜ao a bases. Por ser canˆonica (a menos da escolha do produto interno), a demonstra¸c˜ao se aplica diretamente a fibrados vetoriais simpl´eticos, e isso ser´a ´util mais adiante.

Seja J (V, Ω) o conjunto de todas a estruturas complexas em V que s˜ao Ω-compat´ıveis, visto como subconjunto do espa¸co vetorial dos endomorfismos de V , e munido da topologia induzida. Denote por Riem(V ) o conjunto de todos os produtos internos em V , que ´e um subconjunto aberto e convexo do espa¸co vetorial de todas a formas sim´etricas em V . O Teorema 2.4.2 nos fornece uma aplica¸c˜ao cont´ınua ψ : Riem(V ) → J (V, Ω). Seja φ : J (V, Ω) → Riem(V ) a aplica¸c˜ao que associa a cada estrutura complexa Ω-compat´ıvel J o produto interno (2.4.1).

Exerc´ıcio:Verifique que ψ ◦ φ = Id.

Como Riem(V ) ´e um subconjunto convexo de um espa¸co vetorial, ´e contr´atil. Tome ρt : Riem(V )→ Riem(V ) uma contra¸c˜ao, isto ´e,

t∈ [0, 1], ρ0= Id e ρ1´e uma aplica¸c˜ao tendo como imagem um ´unico

(19)

Corol´ario 2.4.3. O espa¸co J (V, Ω) ´e contr´atil.

Demonstrac¸˜ao:Basta verificar que ψ◦ ρt◦ φ define uma contra¸c˜ao

deJ (V, Ω). 

A contratibilidade deJ (V, Ω) ´e um fato importante em topologia simpl´etica e ser´a usado no Cap´ıtulo 7.

(20)

Cap´ıtulo 3

Variedades simpl´

eticas

Vimos no Cap´ıtulo 1 como a forma simpl´etica Ω0 = Pidpi ∧ dqi

nasce a partir de uma geometriza¸c˜ao das equa¸c˜oes de Hamilton, ou seja, de maneira a expressar campos hamiltonianos como gradientes simpl´eticos. Em seguida, no Cap´ıtulo 2, vimos que espa¸cos vetoriais simpl´eticos de dimens˜ao 2n s˜ao todos isomorfos a (R2n, Ω0).

Podemos definir uma variedade simpl´etica usando (R2n, Ω0) como

modelo local e assumindo a existˆencia de um atlas simpl´etico, ou seja, um atlas cujas mudan¸cas de cartas preservam Ω0. Seguiremos

aqui, contudo, o caminho usual (e mais simples) de se definir uma estrutura simpl´etica como uma 2-forma fechada e n˜ao-degenerada, e mostraremos no Cap´ıtulo 4 a equivalˆencia desta defini¸c˜ao com a existˆencia de um atlas simpl´etico.

Neste cap´ıtulo, assumiremos que o leitor tenha familiaridade com a teoria das variedades diferenci´aveis, incluindo formas diferenciais, campos de vetores, derivadas de Lie, etc. O material pode ser encon-trado, e.g., em [2, 39].

3.1

Defini¸

ao

Seja M uma variedade suave. Dizemos que uma 2-forma ω∈ Ω2(M )

´e n˜ao-degenerada se ωx´e n˜ao-degenerada em cada ponto x ∈ M, de

(21)

Exerc´ıcio: Suponha que dim(M ) = 2n. Verifique que ω ∈ Ω2(M ) ´e

n˜ao-degenerada se e somente se ωn

n! ∈ Ω2n(M ) ´e uma forma de volume.

Uma estrutura simpl´etica em M ´e uma 2-forma ω ∈ Ω2(M ) que

´e n˜ao-degenerada e tal que dω = 0. Nesse caso o par (M, ω) ´e uma variedade simpl´etica .

Segue do exerc´ıcio anterior que toda variedade simpl´etica de di-mens˜ao 2n possui uma forma de volume

Λ := ω

n

n! (3.1.1)

chamada forma de Liouville . Portanto, toda variedade simpl´etica ´e orient´avel.

Duas variedades simpl´eticas (M1, ω1) e (M2, ω2) s˜ao

simplecto-morfas se existe um difeomorfismo ϕ : M1 → M2 preservando as

formas simpl´eticas, ou seja, ϕ∗ω

2= ω1.

Denotamos o grupo de simplectomorfismos de uma variedade simpl´etica (M, ω) nela mesma por Simp(M, ω)⊂ Dif(M).

Exemplo 3.1.1. SejaU um aberto de R2n={(q

1, . . . , qn, p1, . . . , pn)},

munido com a 2-forma ω0:=

n

X

i=1

dqi∧ dpi.

Em cada ponto deU, a matriz associada a ω0´e (2.3.2), portanto ω0

´e n˜ao-degenerada. Obviamente, ω0´e fechada, e portanto simpl´etica.

Note que, de fato, ω0=−dα, onde α =Pipidqi.

Veremos mais a frente que toda variedade simpl´etica ´e local-mente simplectomorfa a um aberto de R2ncom a estrutura simpl´etica

descrita no ´ultimo exemplo (teorema de Darboux). Este resultado ilustra um aspecto fundamental da geometria simpl´etica: formas simpl´eticas s˜ao localmente r´ıgidas, n˜ao somente na vizinhan¸ca de pon-tos, mas tamb´em de certas subvariedades. Trataremos essas quest˜oes no Cap´ıtulo 4.

(22)

Exemplo 3.1.2. Seja Σ uma superf´ıcie orientada, e seja ω∈ Ω2(Σ)

uma forma de ´area. Por defini¸c˜ao, ω ´e n˜ao-degenerada. Al´em disso, dω = 0 automaticamente, j´a que estamos em dimens˜ao 2. Portanto ω ´e simpl´etica.

Simplectomorfismos, nesse exemplo, s˜ao difeomorfismos preser-vando ´area. Veremos no Cap´ıtulo 4 que duas superf´ıcies orientadas compactas s˜ao simplectomorfas se e somente se elas tˆem o mesmo gˆenero e mesma ´area total.

Exemplo 3.1.3. Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) duas variedades

simpl´e-ticas. Seja M = M1× M2, e considere as proje¸c˜oes pri : M → Mi.

Ent˜ao ω = pr∗

1ω1+ pr∗2ω3 ´e uma forma simpl´etica em M .

Exemplo 3.1.4. Como observamos no Exemplo 2.4.1, podemos iden-tificar R2n com Cn, de modo que a aplica¸c˜ao linear J

0 torna-se

sim-plesmente a multiplica¸c˜ao por √−1. Temos que para todo v ∈ R2n,

Ω0(v, J0v) =kvk26= 0 se v 6= 0. Em particular, Ω0´e n˜ao-degenerada

em toda subespa¸co complexo de Cn. Consequentemente, qualquer

subvariedade complexa de Cn ´e simpl´etica.

3.2

Fibrados cotangentes

Veremos nesta se¸c˜ao que todo fibrado cotangente possui uma estru-tura simpl´etica canˆonica, e portanto qualquer variedade est´a natural-mente associada a uma variedade simpl´etica. Tal estrutura simpl´etica ´e a generaliza¸c˜ao da forma simpl´etica canˆonica em R2n e aparece

nat-uralmente no estudo de sistemas mecˆanicos cl´assicos, veja [1, 5, 28]. Como veremos no pr´oximo cap´ıtulo, fibrados cotangentes servem tamb´em de modelo local para vizinhan¸cas de certas subvariedades (veja Teorema 4.3.2).

Sejam Q uma variedade e M = T∗Q seu fibrado cotangente.

De-notamos por π : M = T∗Q→ Q a proje¸c˜ao natural, e consideramos a

aplica¸c˜ao tangente dπ : T M → T Q. Definimos a 1-forma tautol´ogica α∈ Ω1(M ) por

αp(Xp) :=hp, dpπ(Xp)i, p ∈ M, Xp∈ TpM. (3.2.1)

Como p ∈ T∗

π(p)Q e dpπ(Xp) ∈ Tπ(p)Q, o lado direito da equa¸c˜ao

(23)

A forma canˆonica de T∗Q ´e definida como

ω :=−dα. (3.2.2)

Para verificar que ω ´e de fato simpl´etica, vamos usar sua express˜ao em coordenadas locais: tome coordenadas locais (x1, . . . , xn) em Q, e

sejam (x1, . . . , xn, ξ1, . . . , ξn) coordenadas cotangentes em T∗Q. Note

que dpπ ∂ ∂xj p ! = ∂ ∂xj x , dpπ ∂ ∂ξj p ! = 0, onde p = (x, ξ)∈ TQ. Usando (3.2.1) vemos que

αp ∂ ∂xj p ! = ξj, αp ∂ ∂ξj p ! = 0,

de onde segue que

αp= n

X

j=1

ξjdxj. (3.2.3)

Portanto, em coordenadas locais, temos

ω =

n

X

j=1

dxj∧ dξj, (3.2.4)

e vemos que ω ´e de fato uma estrutura simpl´etica em T∗Q.

O pr´oximo exerc´ıcio oferece uma caracteriza¸c˜ao ´util da 1-forma α.

Exerc´ıcio:Mostre que a 1-forma tautol´ogica α ∈ Ω1(T

Q) ´e unicamente caracterizada pela seguinte propriedade: para todo µ ∈ Ω1(Q),

µ∗α = µ, (3.2.5) onde, no lado esquerdo de (3.2.5), estamos considerando a 1-forma µ como uma aplica¸c˜ao µ : Q → T∗

Q.

Observe que todo difeomorfismo ϕ : Q1 → Q2 induz,

natural-mente, um difeomorfimo dos fibrados cotangentes, b

(24)

satisfazendo π1◦ bϕ = ϕ◦ π2, onde πi : T∗Qi → Qi ´e a proje¸c˜ao

canˆonica. Aqui dϕ : T Q1 → T Q2 ´e a aplica¸c˜ao tangente de ϕ. A

aplica¸c˜ao (3.2.6) ´e chamada levantamento cotangente de ϕ. Proposi¸c˜ao 3.2.1. O levantamento cotangente bϕ : T∗Q

1 → T∗Q2

preserva formas tautol´ogicas,

( bϕ)∗α2= α1.

Demonstrac¸˜ao:Temos, por defini¸c˜ao, que (αi)pi = (dpiπ)

ξ i, onde pi= (xi, ξi)∈ T∗Qi, i = 1, 2. Portanto, se p2= bϕ(p1), temos (dp1ϕ)b ∗ p2) = (dp1ϕ)b ∗(d p2π) ∗ξ 2= (dp1π) ∗(d p1ϕ) ∗ξ 2= (α1)p1,

onde, na segunda igualdade, usamos que π◦ bϕ = ϕ◦ π, e na terceira igualdade usamos que ξ1= (dx1ϕ)

ξ 2.

 Segue imediatamente da proposi¸c˜ao anterior que

b

ϕ∗ω2= ω1,

e portanto bϕ : T∗Q

1→ T∗Q2´e um simplectomorfismo. Temos assim

uma inclus˜ao natural

Dif(Q) ,→ Simp(T∗Q, ω), ϕ7→ bϕ.

Todavia, esta inclus˜ao est´a longe de ser uma identifica¸c˜ao. O exerc´ıcio abaixo ilustra outros simplectomorfismos de T∗Q. Veremos

muitos outros exemplos no Cap´ıtulo 6.

Exerc´ıcio:Tome µ ∈ Ω1(M ), e defina ϕ

µ: T∗Q → T∗Q, (x, ξ) 7→ ξ + µx. Mostre que ϕ∗ µα − α = π ∗ µ.

Conclua que ϕµ´e um simplectomorfismo se e somente se µ ´e fechada.

Existem tamb´em outras formas simpl´eticas em fibrados cotan-gentes obtidas da seguinte maneira: seja B uma 2-forma fechada em Q e considere em T∗Q a 2-forma

(25)

Evidentemente, ωB ´e fechada e ´e f´acil ver que ´e n˜ao-degenerada, o

que deixamos ao leitor como um exerc´ıcio. Tais formas simpl´eticas, chamadas formas simpl´eticas twist, possuem uma motiva¸c˜ao f´ısica em termos de fluxos magn´eticos, como veremos no Cap´ıtulo 6.

Exerc´ıcio:Verifique que, se B, B0

∈ Ω2(Q) s˜ao cohom´ologas, com B −

B0

= dµ, ent˜ao ϕµ: (T∗Q, ωB) → (T∗Q, ωB0) ´e um simplectomorfismo.

3.3

Outros exemplos importantes

As duas subse¸c˜oes a seguir tratam de duas importantes classes de ex-emplos de variedades simpl´eticas: variedades K¨ahler e ´orbitas coad-juntas. Estas subse¸c˜oes usam alguns fatos elementares sobre vari´aveis complexas e grupos de Lie e s˜ao independentes dos demais cap´ıtulos.

3.3.1

Variedades K¨

ahler

Vimos no Exemplo 2.1.1, parte c), e na Se¸c˜ao 2.4, a rela¸c˜ao entre es-truturas complexas e simpl´eticas em espa¸cos vetoriais. Discutiremos nesta se¸c˜ao o problema an´alogo em variedades.

Seja M uma variedade suave. Uma estrutura quase-complexa em M ´e um automorfismo J : T M → T M tal que J2 =

−Id. Em ou-tras palavras, cada espa¸co tangente TxM ´e munido de uma estrutura

complexa Jx, de modo que Jx varia suavemente em x.

Se (M, ω) ´e uma variedade simpl´etica e J ´e uma estrutura quase-complexa em M , ent˜ao dizemos que J ´e ω-compat´ıvel se, para todo x ∈ M, Jx ´e ωx-compat´ıvel em TxM . Assim, ω e J definem uma

m´etrica riemanniana g em M dada por

gx: TxM× TxM → R, gx(X, Y ) = ωx(X, JxY ).

A m´etrica g ´e chamada de m´etrica associada. Denotamos porJ (M, ω) o espa¸co das estruturas quase-complexas em M que s˜ao ω-compat´ıveis.

Assim como no caso linear, temos:

Teorema 3.3.1. Seja (M, ω) uma variedade simpl´etica. Ent˜ao exis-tem estruturas quase-complexas ω-compat´ıveis.

(26)

Para provar o teorema, escolha uma m´etrica riemanniana qualquer em M e note que a demonstra¸c˜ao do Teorema 2.4.2 pode ser adaptada sem problemas para o fibrado tangente.

Exerc´ıcio:Mostre que, assim como no caso linear, o espa¸co J (M, ω) ´e contr´atil. (Dica: Note que J (M, ω) pode ser visto como o espa¸co de se¸c˜oes de uma fibra¸c˜ao sobre M , com fibras J (TxM, ωx), e j´a mostramos no

Cor. 2.4.3 que essas fibras s˜ao contr´ateis.)

Observa¸c˜ao: Note que n˜ao foi usado at´e aqui o fato de ω ser fechada. Portanto o que discutimos vale, sem modifica¸c˜oes, para 2-formas n˜ao-degeneradas, tamb´em chamadas de quase-simpl´eticas.

Exerc´ıcio: Mostre a seguinte rec´ıproca do Teorema 3.3.1: se (M, J) ´e uma variedade quase-complexa, ent˜ao existem estruturas quase-simpl´eticas compat´ıveis com J. (Dica: Mostre que qualquer m´etrica riemanniana em M pode ser modificada de modo a satisfazer g(X, Y ) = g(JX, JY ), e defina ω por ω(X, Y ) = g(JX, Y ).)

Uma variedade quase-K¨ahler ´e uma variedade simpl´etica (M, ω) equipada com uma estrutura quase-complexa compat´ıvel J.

Exerc´ıcio:Uma subvariedade N ,→ M de uma variedade quase-complexa ´e uma subvariedade quase-complexa se J(T N ) ⊆ T N . Mostre que, se M ´e quase-K¨ahler, ent˜ao uma subvariedade quase-complexa N herda uma estrutura simpl´etica de M , e que, com respeito `as estruturas induzidas, N ´e uma variedade quase-K¨ahler.

Uma estrutura quase-complexa J em M ´e integr´avel se existe um atlas {Uα, ϕα} no qual as cartas locais ϕα : Uα −→ V∼ α ⊂ R2n

satisfazem

dϕα◦ J = J0◦ dϕα, (3.3.1)

onde J0 ´e a estrutura complexa canˆonica de R2n (Exemplo 2.4.1).

Identificando (R2n, J

0) com Cn, a condi¸c˜ao (3.3.1) se torna

dϕα◦ J = idϕα, (3.3.2)

e a aplica¸c˜ao ϕα´e dita J-holomorfa. ´E f´acil ver que, neste caso, as

mudan¸cas de coordenadas

(27)

s˜ao holomorfas (i.e., idψαβ = dψαβi), onde Vαβ = ϕα(Uα∩ Uβ) e

Vβα= ϕβ(Uα∩Uβ). Uma variedade munida de um atlas cujas fun¸c˜oes

de transi¸c˜ao s˜ao holomorfas ´e uma variedade complexa, e este ´e o caso de toda variedade quase-complexa integr´avel. Reciprocamente, toda variedade complexa admite, canonicamente, uma estrutura quase-complexa integr´avel (dada por multiplica¸c˜ao por i = √−1 em cada carta do atlas complexo).

Uma variedade K¨ahler ´e uma variedade quase-K¨ahler (M, ω, J) tal que a estrutura quase-complexa J ´e integr´avel. Em outras palavras, M ´e uma variedade complexa equipada com uma forma simpl´etica compat´ıvel.

Exemplo 3.3.2. a) R2n={(q

1, . . . , qn, p1, . . . , pn)}, munido com a estrutura

simpl´e-tica ω0=Pjdqj∧ dpj (Exemplo 3.1.1) e a estrutura complexa

constante J0(Exemplo 2.4.1) ´e uma variedade K¨ahler; a m´etrica

associada ´e a m´etrica euclideana usual. Se identificarmos R2n

com Cn, com coordenadas z

j= qj+ipj, a estrutura complexa J0

torna-se simplesmente a multiplica¸c˜ao por i =√−1, enquanto que a forma simpl´etica canˆonica se escreve como

ω0= i 2 X j dzj∧ dzj,

onde dzj = dqj+ idpj e dzj = dqj− idpj.

b) Em superf´ıcies, pode-se mostrar que toda estrutura quase-com-plexa ´e automaticamente integr´avel. Como toda superf´ıcie ori-ent´avel ´e simpl´etica, e como toda estrutura simpl´etica admite estruturas quase-complexas compat´ıveis, segue que toda su-perf´ıcie orient´avel ´e K¨ahler.

c) Toda subvariedade complexa de uma variedade K¨ahler ´e K¨ahler. d) Os espa¸cos projetivos complexos CPn ao variedades K¨ahler.

Segue da parte c), portanto, que variedades projetivas n˜ ao-singulares s˜ao variedades K¨ahler.

(28)

Trataremos o exemplo dos espa¸cos projetivos com mais detalhe ainda nesta se¸c˜ao. Antes, contudo, precisamos de uma descri¸c˜ao local mais expl´ıcita de formas simpl´eticas em variedades K¨ahler usando coordenadas complexas.

Seja (M, J) uma variedade complexa. Considere uma vizinhan¸ca U com coordenadas complexas zj= xj+iyj, onde x1, . . . , xn, y1, . . . , yn

s˜ao coordenadas reais. Defina as 1-formas complexas dzj, dzk ∈

Ω1(U, C),

dzj = dxj+ idyj, dzk= dxk− idyk.

Exerc´ıcio: Considere uma 1-forma arbitr´aria η ∈ Ω1(U , C), η =

P

jajdxj +Pkbkdyk, onde aj, bk ∈ C∞(U , C). Mostre que existem

fun¸c˜oes a0 j, b

0 k∈ C

(U , C), unicamente determinadas, satisfazendo η =X j a0 jdzj+ X k b0 kdzk.

Como as formas dzj e d¯zk s˜ao preservadas por mudan¸cas de

co-ordenadas holomorfas, segue do exerc´ıcio anterior que o espa¸co das 1-formas complexas em M pode ser escrito como

Ω1(M, C) = Ω1,0⊕ Ω0,1,

onde Ω1,0 ´e o espa¸co das 1-formas complexas que em coordenadas complexas locais se escrevem comoPjajdzj, enquanto que as formas

em Ω0,1 se escrevem localmente comoP kbkd¯zk.

Analogamente, o espa¸co das 2-formas complexas em M admite a decomposi¸c˜ao

Ω2(M, C) = Ω2,0

⊕ Ω1,1

⊕ Ω0,2,

onde, em coordenadas complexas locais, elementos de Ω2,0 ao da

forma Pj<kajkdzj ∧ dzk, os elementos de Ω1,1 se escrevem como

P

jkbjkdzj∧ dzk, e os de Ω0,2 comoPj<kcjkd¯zj∧ d¯zk. N˜ao ´e dif´ıcil

ver que, em geral, temos uma decomposi¸c˜ao an´aloga do tipo Ωm(M, C) =r+s=mΩr,s.

Seja πr,s a proje¸c˜ao de Ωm(M, C) no sub-espa¸co Ωr,s. A partir da

(29)

outros operadores:

∂ = πr+1,sd : Ωr,s → Ωr+1,s e ∂ = πr,s+1d : Ωr,s

→ Ωr,s+1.

(3.3.3)

Exerc´ıcio:Para f ∈ C

(M, C), observe que df = ∂f + ∂f . Use este fato para concluir que d = ∂ + ∂ em geral. Como d2= 0, conclua que

∂2= 0, ∂∂ = −∂∂, ∂2= 0.

Proposi¸c˜ao 3.3.3. Seja (M, J) uma variedade complexa e ω∈ Ω2(M, C).

Ent˜ao ω define uma estrutura K¨ahler se e somente se: i) ω∈ Ω1,1,

ii) Localmente, temos ω = i 2

P

hjkdzj ∧ d¯zk, onde (hjk) ´e uma

matriz positiva-definida em cada ponto, iii) ∂ω = 0, ∂ω = 0.

Demonstrac¸˜ao: Em coordenadas complexas locais, escrevemos ω =Xajkdzj∧ dzk+

X

bjkdzj∧ dzk+

X

cjkd¯zj∧ d¯zk,

onde ajk, bjk, cjk ∈ C∞(U, C). A primeira condi¸c˜ao de

compatibil-idade entre ω e J em (2.4.2) ´e que J∗ω = ω. Usando as rela¸c˜oes

J∗dz

j= idzj e J∗d¯zj=−id¯zj, ´e f´acil ver que J∗ω = ω se e somente

se ajk = cjk = 0, i.e., ω ∈ Ω1,1. Tomando bjk = 2ihjk, temos a

express˜ao local ω = i 2 X jk hjkdzj∧ d¯zk,

e vale que ω toma valores reais (i.e., ω = ω) se e somente hjk= hkj,

ou seja, a matriz (hjk) ´e hermitiana em cada ponto. Al´em disso,

ω ´e n˜ao-degenerada se e somente se a matriz (hjk) ´e n˜ao-singular,

enquanto que a segunda condi¸c˜ao de compatibilidade entre ω e J (ω(X, JX) > 0 para X6= 0) equivale a (hjk) ser positiva-definida em

(30)

Finalmente, como ∂ω ∈ Ω2,1 e ∂ω

∈ Ω1,2, segue que dω =

∂ω + ∂ω = 0 se e somente se ∂ω = 0 e ∂ω = 0.  Considere numa carta complexa local os operadores

∂ ∂zj := 1 2  ∂ ∂xj − i ∂ ∂yj  e ∂ ∂ ¯zj := 1 2  ∂ ∂xj + i ∂ ∂yj  .

Exerc´ıcio:Mostre que se f ∈ C

(M, C), ent˜ao, em coordenadas com-plexas, temos ∂f =P ∂f

∂zjdzj e ∂f =

P ∂f ∂¯zjd¯zj

Corol´ario 3.3.4. Seja f∈ C∞(M, R) tal que, em coordenadas

com-plexas locais, a matriz ∂zj2∂zf

k



´e positiva-definida em todo ponto. Ent˜ao ω := i

2∂∂f ´e uma forma simpl´etica K¨ahler.

Demonstrac¸˜ao:Usando os dois ´ultimos exerc´ıcios, ´e imediato ver-ificar as condi¸c˜oes i), ii) e iii) da Prop. 3.3.3.  Podemos agora exibir a estrutura K¨ahler dos espa¸cos projetivos complexos explicitamente.

Exemplo 3.3.5 (Espa¸co projetivo complexo). O espa¸co proje-tivo complexo CPn ´e definido como o quociente de Cn+1\{0} pela

rela¸c˜ao de equivalˆencia (z0, . . . , zn) ∼ (λz0, . . . , λzn), onde λ ∈ C∗.

Denotamos a classe de equivalˆencia de (z0, . . . , zn) por [z0, . . . , zn].

Para cada α∈ {0, 1, . . . , n}, considere o subconjunto de CPndado

por

Uα:={[z0, . . . , zn]| zα6= 0},

e seja ϕα:Uα→ Cn a aplica¸c˜ao dada por

ϕα([z0, . . . , zn]) =  z0 zα , . . . ,zα−1 zα ,zα+1 zα , . . . ,zn zα  .

Exerc´ıcio:Considere o atlas de CPndado por {(U

α, ϕα), α = 0, 1, . . . , n}.

Mostre que as fun¸c˜oes de transi¸c˜ao ψαβ= ϕβ◦ ϕ −1 α s˜ao dadas por ψαβ(w1, . . . , wn) = 1 wβ (w1, . . . , wα, 1, wα+1, . . . , wβ−1, wβ+1, . . . , wn), (3.3.4) e portanto s˜ao holomorfas.

(31)

Assim, temos em CPnuma estrutura complexa. Agora

apresenta-mos a constru¸c˜ao de uma estrutura simpl´etica compat´ıvel. Considere em Cn a fun¸c˜ao complexa

f (z) = log(|z|2+ 1),

para z = (z1, . . . , zn)∈ Cn. Um c´alculo direto mostra que a matriz



∂2

f ∂zj∂zk



´e positiva-definida em todo ponto (daremos um argumento alternativo abaixo), e segue do Corol´ario 3.3.4 que a 2-forma

ωF S= i 2∂∂f = i 2 " P jdzj∧ dzj 1 +Pjzjzj − (Pjzjdzj)∧ (Pkzkdzk) (1 +Pjzjzj)2 # (3.3.5) define uma estrutura K¨ahler em Cn. Para definir uma estrutura

K¨ahler em CPn, basta observarmos que ω

F S´e preservada pelas fun¸c˜oes

de transi¸c˜ao (3.3.4) do atlas constru´ıdo acima. Por exemplo, ψ01(z1, . . . , zn) = 1

z1

(1, z2, . . . , zn),

e temos que

ψ∗01f (z) = f (z)− log(|z1|2) = f (z)− log(z1)− log(z1).

Portanto ψ∗01ωF S = i 2∂∂ψ ∗ 01f = i 2∂∂f + i 2∂∂log(z1)− i 2∂∂log(z1) = ωF S.

A forma simpl´etica em CPndada em cartas por ω

F S´e chamada forma

de Fubini-Study .

Observa¸c˜ao: Apresentamos aqui um argumento alternativo para a condi¸c˜ao de positividade da forma de Fubini-Study, baseado na seguinte propriedade de simetria. Seja U (n + 1) o grupo das trans-forma¸c˜oes lineares de Cn+1 que preservam o produto interno

hermi-tiano canˆonico. A a¸c˜ao natural de U (n + 1) em Cn+1 leva qualquer linha complexa em qualquer outra, e portanto induz uma a¸c˜ao de U (n + 1) em CPn que ´e transitiva.

(32)

Em particular, para mostrar que a forma de Fubini-Study satisfaz a condi¸c˜ao de positividade do Corol´ario 3.3.4, ´e suficiente mostrar que isto vale em um ´unico ponto. Usando a express˜ao expl´ıcita para ωF S

em (3.3.5), ´e f´acil ver que no ponto z = 0 (que corresponde ao ponto [1, 0, . . . , 0] emU0), esta forma coincide com a forma canˆonica de Cn.

Concluimos que a condi¸c˜ao de positividade ´e satisfeita em todo ponto de CPn.

´

E natural perguntarmos se toda variedade complexa que admite uma estrutura simpl´etica, admite tamb´em uma estrutura simpl´etica que seja compat´ıvel. W. Thurston [37] mostrou que isso n˜ao ´e ver-dade, ou seja, existem variedades que s˜ao ao mesmo tempo complexas e simpl´eticas mas n˜ao admitem uma estrutura K¨ahler. Daremos aqui os ingredientes b´asicos do exemplo.

Exemplo 3.3.6 (Thurston). Considere R4, com coordenadas (x 1, x2,

y1, y2), munido da forma simpl´etica ω = dx1∧ dx2+ dy1∧ dy2. Para

(a, b)∈ Z2

× Z2, considere o difeomorfismo de R4 dado por

ψa,b(x1, x2, y1, y2) = (x1+ a1, x2+ a2, y1+ b1+ a2y2, y2+ b2)

onde a = (a1, a2) e b = (b1, b2). Temos que Γ = {ψa,b | (a, b) ∈

Z2× Z2} ´e um subgrupo do grupo de difeomorfismos de R4. Cada elemento de Γ ´e um simplectomorfismo de R4, e portanto o quociente M = R4/Γ ´e uma variedade simpl´etica compacta (localmente

sim-plectomorfa a (R4, ω)). Topologicamente, M ´e um fibrado de toros

T2 sobre o T2, e possui tamb´em uma estrutura complexa (como con-sequencia da classifica¸c˜ao de Kodaira [25]).

Como Γ ´e o grupo de transforma¸c˜oes de recobrimento de R4

→ M, segue que M tem grupo fundamental π1(M ) = Γ. Como o primeiro

grupo de homologia ´e a abelianiza¸c˜ao do grupo fundamental, segue que H1(M, Z) = Γ/[Γ, Γ], onde [Γ, Γ] ´e o ideal gerado por

comuta-dores em Γ. Pode-se checar que [Γ, Γ] = 0⊕ 0 ⊕ Z ⊕ 0, e portanto H1(M, Z) = Z⊕ Z ⊕ Z. Com isso, segue que o primeiro n´umero de

betti de M ´e ´ımpar, o que contraria o fato de que os “os n´umeros de betti ´ımpares s˜ao pares” em uma variedade K¨ahler compacta (isto segue da decomposi¸c˜ao de Hodge, veja [44, Cap. V]).

Para uma discuss˜ao sobre outros exemplos (em variedades sim-plesmente conexas, em dimens˜ao maior, etc.), veja [29, Se¸c˜ao 3.1] e as referˆencias l´a contidas.

(33)

3.3.2

Orbitas coadjuntas

´

Exemplos importantes de variedades simpl´eticas aparecem na teoria dos grupos de Lie. Faremos aqui uma breve incurs˜ao no tema. O leitor pode consultar, por exemplo, [19, 28] para mais detalhes.

Um grupo de Lie ´e um grupo G munido de uma estrutura de variedade diferenci´avel para qual a multiplica¸c˜ao m : G× G → G ´e uma aplica¸c˜ao suave; neste caso, a invers˜ao g7→ g−1tamb´em ´e suave,

como consequˆencia do teorema da fun¸c˜ao impl´ıcita.

Para cada g∈ G, as aplica¸c˜oes Lg: G→ G, a 7→ ga, e Rg: G→

G, a7→ ag s˜ao difeomorfismos, com (Lg)−1= Lg−1 e (Rg)−1 = Rg−1.

Dizemos que um campo de vetores X ∈ X(G) ´e invariante `a esquerda se (Lg)∗X = X, e invariante `a direita se (Rg)∗X = X, ∀g ∈ G. O

espa¸co dos campos de vetores invariantes `a esquerda (resp. direita) ´e denotado por XL(G) (resp. XR(G)). Note que cada u ∈ TeG

determina campos de vetores ul∈ XL(G) e ur

∈ XR(G),

ulg= deLg(u), e urg= deRg(u),

e isso nos define um isomorfismo de espa¸cos vetoriais:

XL(G) ∼= TeG ∼= XR(G). (3.3.6)

Uma ´algebra de Lie (real) ´e um espa¸co vetorial (real) g munido de um colchete [·, ·] : g × g → g que ´e bilinear, anti-sim´etrico e satisfaz a identidade de Jacobi:

[[u, v], w] + [[w, u], v] + [[v, w], u] = 0.

Como o colchete de Lie de dois campos de vetores invariantes `a es-querda ´e invariante `a esquerda, podemos definir um colchete

[·, ·] : TeG× TeG→ TeG, [u, v] = [ul, vl](e),

com respeito ao qual TeG ´e uma ´algebra de Lie, que denotamos por

ge denominamos ´algebra de Lie de G.

Observa¸c˜ao: A defini¸c˜ao do colchete em TeG em termos de campos

(34)

Qualquer espa¸co vetorial V ´e um grupo de Lie abeliano com res-peito a soma de vetores. O grupo das matrizes reais n× n invert´ıveis, denotado GL(n, R), ´e um grupo de Lie com respeito ao produto. Como GL(n, R) ´e um aberto no espa¸co das matrizes Mn(R), seu

espa¸co tangente na identidade ´e o pr´oprio Mn(R). O colchete de Lie

´e o comutador

[A, B] := AB− BA.

Outros exemplos importantes s˜ao dados por subgrupos de GL(n, R). Exemplo 3.3.7.

a) O grupo linear ortogonal O(n) = {A ∈ GL(n, R) | AtA =

Id}, ou seja, as transforma¸c˜oes lineares de Rn que preservam o

produto interno canˆonico. A ´algebra de Lie associada ´e u(n) = {A ∈ Mn(R)| A = −At}.

O grupo O(n) tem duas componentes conexas, caracterizadas pelas condi¸c˜oes det(A) = 1 ou det(A) = −1. O subgrupo SO(n) ={A ∈ O(n) | det(A) = 1} ´e chamado grupo ortogonal especial, e tem a mesma ´algebra de Lie de O(n).

b) Podemos considerar tamb´em matrizes complexas. Assim temos GL(n, C), o grupo das matrizes complexas invert´ıveis. A ´algebra de Lie associada ´e Mn(C), com colchete dado pelo comutador.

Definimos o grupo U (n) = {A ∈ GL(n, C) | AA = Id

} das matrizes complexas que preservam o produto interno hermi-tiano canˆonico de Cn. Sua ´algebra de Lie ´e u(n) =

{A ∈ Mn(C) | A∗ = −A}. Note, por exemplo, que U(1) = S1 ´e

o grupo dos n´umeros complexos com valor absoluto igual a 1. De maneira mais geral, se V ´e um espa¸co vetorial (real, de di-mens˜ao finita), consideramos o grupo de Lie GL(V ) das transforma-¸c˜oes lineares invert´ıveis de V em V . A ´algebra de Lie gl(V ) associada ´e dada pelo espa¸co de todos os endomorfismos lineares de V , e o colchete ´e o comutador.

Uma representa¸c˜ao de um grupo de Lie G num espa¸co vetorial V ´e um homomorfismo de grupos de Lie ψ : G→ GL(V ). A derivada dessa aplica¸c˜ao na identidade, deψ : g → gl(V ), ´e ent˜ao um

homo-morfismo de ´algebras de Lie, e define uma representa¸c˜ao de g em V .

(35)

Dada uma representa¸c˜ao ψ : G → GL(V ) e um ponto x ∈ V , a ´

orbita de x ´e a subvariedade imersa Ox={y ∈ V | ∃g ∈ G, ψg(x) =

y} ⊆ V , e vale que

TxOx={deψ(u)(x)| u ∈ g}, (3.3.7)

usando a identifica¸c˜ao TxV ∼= V .

Duas representa¸c˜oes canˆonicas associadas a qualquer grupo de Lie s˜ao as seguintes:

Exemplo 3.3.8 (Representa¸c˜oes adjunta e coadjunta). a) Para g∈ G, considere a aplica¸c˜ao Ig: G→ G, Ig(a) = gag−1.

Como Ig(e) = e, temos uma aplica¸c˜ao linear

Adg:= deIg: g→ g.

O homomorfismo Ad : G→ GL(g), g 7→ Adg, ´e a representa¸c˜ao

adjunta de G em g. Neste caso, a representa¸c˜ao de g em g induzida pela derivada ´e

ad : g→ gl(g), u 7→ adu,

onde adu(v) = [u, v].

b) Podemos dualizar a representa¸c˜ao adjunta e obter a representa¸c˜ao coadjunta

Ad∗: G→ GL(g∗), g7→ Ad∗g:= (Adg−1)∗,

ou seja,hAdg(ξ), ui = hξ, Adg−1ui, para ξ ∈ g∗, u∈ g. Note a

necessidade de tomarmos a adjunta com respeito a g−1para que

tenhamos um homomorfismo de grupos. Ao n´ıvel das ´algebras de Lie, temos a representa¸c˜ao

ad∗: g→ gl(g∗), u7→ ad∗u,

definida porhad∗u(ξ), vi = −hξ, [u, v]i.

Exerc´ıcio:Suponha que g tenha um produto interno h·, ·i que seja Ad-invariante, ou seja, hAdgu, Adgui = hu, vi, para todo g ∈ G. Mostre que a

identifica¸c˜ao g ∼= g∗induzida por este produto interno identifica tamb´em as representa¸c˜oes adjunta e coadjunta.

(36)

Como veremos agora, toda ´orbita coadjuntaO ,→ gpossui uma

estrutura simpl´etica canˆonica. Este fato ´e comumente atribu´ıdo a Kostant-Kirillov-Souriau.

Considere ξ ∈ g, e seja

O a ´orbita coadjunta que passa por ξ. Segue de (3.3.7) que os vetores da forma ad∗u(ξ) geram o espa¸co TξO,

TξO = {ad∗u(ξ)| u ∈ g}.

Note que se ad∗u(ξ) = ad∗u0(ξ), ent˜ao

hξ, [u − u0, v]

i = (ad∗u0− ad

u)(ξ) = 0,

para todo v ∈ g. Portanto, para ξ ∈ g∗ fixo, o valor de hξ, [u, v]i

depende apenas de ad∗ue ad∗v no ponto ξ. Podemos, com isso, definir

uma forma bilinear anti-sim´etrica em TξO por

ωξ(ad∗u(ξ), ad∗v(ξ)) :=hξ, [u, v]i, (3.3.8)

e segue imediatamente da defini¸c˜ao que ωξ ´e n˜ao degenerada.

Obte-mos assim uma 2-forma n˜ao-degenerada em cada ponto de O. Teorema 3.3.9. Seja O ⊂ guma ´orbita coadjunta. Ent˜ao (3.3.8)

define uma 2-forma simpl´etica em O.

Demonstrac¸˜ao: ´E um fato b´asico que a representa¸c˜ao adjunta preserva o colchete de Lie, [Adg(u), Adg(v)] = Adg([u, v]). Portanto

h(Ad)∗gξ, [Adg(u), Adg(v)]i = hAd∗gξ, Adg([u, v])i = hξ, [u, v]i,

o que mostra que a 2-forma ω definida pontualmente por (3.3.8) ´e invariante pelas transforma¸c˜oes adjuntas Ad∗g. Como estas

trans-forma¸c˜oes agem transitivamente na ´orbitaO, segue que ω ´e de fato suave. Resta verificar que ω ´e fechada.

Como g ∼= (g∗)∗, podemos considerar g⊂ C∞(g). Dado u

∈ g, temos que du∈ Ω1(g) ´e definido por (du)

ξ(η) = η(u). Assim

(iad∗

u(ξ)ω)(ad

v(ξ)) =hξ, [u, v]i = (du)ξ(ad∗v(ξ)),

e portanto iad∗

uω = du ´e exata (aqui pensamos em ad

u como um

campo de vetores em g∗, definido em ξ

∈ g∗por ad

u(ξ)∈ g∗∼= Tξg∗).

Usando a f´ormula de Cartan e a invariˆancia de ω, temos iad∗

(37)

ou seja, dω = 0. 

Exemplo 3.3.10. a) Considere o grupo

SO(3) ={A ∈ GL(3, R) | AtA = Id, det(A) = 1}. Sua ´algebra de Lie ´e so(3) ={A ∈ M3(R) | A = −At}.

Pode-mos identificar so(3) com R3 de acordo com

 uu12 u3   7→   u03 −u03 −uu21 −u2 u1 0   .

Com esta identifica¸c˜ao, o colchete de Lie em R3 ´e o produto

vetorial, i.e., [u, v] = u× v, e a representa¸c˜ao adjunta toma a forma

AdA(u) = Au, adu(v) = u× v.

Como o produto interno usual de R3 ´e invariante pelas

trans-forma¸c˜oes de SO(3), a identifica¸c˜ao R3= (R3)por ele induzida

identifica tamb´em as representa¸c˜oes adjunta e coadjunta. Por-tanto as ´orbitas coadjuntas em R3 ao as esferas centradas na

origem, incluindo a ´orbita singular{0}. Assim, para cada r > 0, temos a ´orbita coadjunta

Or={ξ ∈ R3| kξk = r}.

A forma simpl´etica emOr definida pelo Teorema 3.3.9 ´e

ω = 1

rσr, (3.3.9)

onde σr´e a forma de ´area da esferaOr.

Exerc´ıcio:Use a identidade u × (v × w) = vhu, wi − whu, vi para mostrar que σr(u × ξ, v × ξ) = rhξ, u × vi. Com isso, prove (3.3.9).

(38)

b) Considere o grupo de Lie U (n) (Exemplo 3.3.7, parte b)). Sua ´

algebra de Lie u(n), dada por matrizes complexas anti-hermiti-anas, possui um produto interno invariante pela representa¸c˜ao adjunta,

(A, B)7→ tr(A∗B).

Podemos usar este produto interno para identificar u(n) com u(n)∗. Como u(n) = iH, onde H = {ξ ∈ M

n(C) | ξ = ξ∗} ´e

o espa¸co das matrizes hermitianas, temos a identifica¸c˜ao H ∼= u(n)∗ dada por

hξ, ui = −tr(iξu), u∈ u(n), ξ ∈ H.

Com esta identifica¸c˜ao, a representa¸c˜ao coadjunta de U (n) em H ´e

Ad∗A(ξ) = AξA−1.

Portanto duas matrizes emH est˜ao na mesma ´orbita coadjunta se e somente se elas tˆem o mesmo espectro. Assim, cada lista de n n´umeros reais λ = (λ1, . . . , λn), com λ1≤ λ2≤ . . . ≤ λn,

define uma ´orbita coadjunta

Oλ={ξ ∈ H | espectro(ξ) = λ}.

A topologia das ´orbitas varia de acordo com λ. Por exemplo, se λ1< λ2= . . . = λn, ent˜ao cada ξ∈ Oλ ´e totalmente

caracteri-zado por uma linha complexa em Cn; pense nesta linha como o

autoespa¸co associado ao autovalor λ1, de modo que o seu

com-plemento ortogonal em Cn ´e o autoespa¸co associado ao outro

autovalor. Portanto a linha complexa caracteriza a matriz ξ completamente. Assim, para λ1< λ2= . . . = λn, temos

Oλ= CPn−1,

e obtemos, pelo Teorema 3.3.9, uma fam´ılia a dois parˆametros de formas simpl´eticas em CPn, todas m´ultiplas da forma de

Fubini-Study.

Mais geralmente, no caso λ1 = λ2 = . . . = λk < λk+1= . . . =

λn, cada ponto da ´orbitaOλ´e totalmente determinado por um

(39)

autovalor λ1, com multiplicidade k, de modo que o autoespa¸co

associado a λk+1, com multiplicidade (n− k), ´e o seu

comple-mento ortogonal. Assim, neste caso, temos Oλ= Gr(k, n),

a grassmanniana de k-planos em Cn.

Para λ1 < λ2 < . . . λn, cada ξ ∈ Oλ ´e caracterizado pelos n

autoespa¸cos Lj, ou, equivalentemente, pelos subespa¸cos Ei =

⊕i≤jLj,

E1⊂ E2⊂ . . . ⊂ En = Cn.

Em outras palavras,Oλ´e uma variedade “flag” completa. Para

os outros tipos de espectro, as ´orbitas s˜ao variedades “flag” incompletas.

Os exemplos anteriores ilustram ainda o fato geral de que ´orbitas coadjuntas de grupos de Lie compactos s˜ao n˜ao apenas simpl´eticas, mas de fato K¨ahler.

3.4

Obstru¸

oes

Vimos que toda variedade simpl´etica tem dimens˜ao par e ´e orient´avel. Uma quest˜ao central em geometria simpl´etica ´e se, dada uma var-iedade M satisfazendo essas condi¸c˜oes, existe ou n˜ao alguma estru-tura simpl´etica em M . Descreveremos nessa se¸c˜ao uma simples ob-stru¸c˜ao na cohomologia de M .

Proposi¸c˜ao 3.4.1. Seja M uma variedade compacta de dimens˜ao 2n. Se M admite alguma estrutura simpl´etica, ent˜ao existe um ele-mento a∈ H2

dR(M, R) tal que a

n6= 0. Em particular, H2k

dR(M, R)6= 0

para todo k = 1, . . . , n.

Demonstrac¸˜ao: Se ω∈ Ω2(M ) ´e forma simpl´etica, seja a = [ω]

HdR2 (M, R). Como ω

n

∈ Ω2n(M ) ´e uma forma de volume, temos que

Z

M

ωn

(40)

Por outro lado, se an= 0, ent˜ao ωn´e exata, ωn = dθ. Pelo teorema de Stokes, temos Z M ωn= Z M dθ = Z ∂M θ = 0, o que n˜ao ´e poss´ıvel. Portanto an

6= 0. 

Segue diretamente da proposi¸c˜ao anterior que variedades como S2n, n > 1, ou S3

× S1, n˜ao admitem estruturas simpl´eticas, j´a que

em todas temos H2

dR= 0.

Exerc´ıcio:Verifique que o mesmo argumento dado na prova da Prop. 3.4.1 mostra que nao h´a subvariedades simpl´eticas compactas de (R2n, ω

0).

Existe ainda um outro tipo de obstru¸c˜ao, de natureza topol´ogica, que impede certas variedades de dimens˜ao par e orient´aveis de ad-mitirem sequer uma estrutura quase-simpl´etica. Observe que, como vimos na Se¸c˜ao 3.3.1, uma variedade admite uma estrutura quase-simpl´etica se e somente se admite uma estrutura quase-complexa (e essas estruturas podem at´e mesmo ser escolhidas de forma a serem compat´ıveis). As obstru¸c˜oes topol´ogicas para a existˆencia de estru-turas quase-simpl´eticas/complexas podem ser expressas em termos de classes caracter´ısticas, e s˜ao usadas para mostrar, por exemplo, que dentre as esferas de dimens˜ao par, apenas S2e S6admitem estrutura

quase-complexa/simpl´etica.

Se M ´e uma variedade aberta (i.e., sem componentes compactas), segue do trabalho de Gromov, veja e.g [29, Cap. 7], que se M ad-mite uma estrutura quase-simpl´etica, ent˜ao admite uma estrutura simpl´etica homot´opica a ela (homotopia via estruturas quase-simpl´e-ticas). Para variedades compactas, n˜ao ´e verdade que a existˆencia de uma estrutura quase-simpl´etica garanta que a variedade admite uma estrutura simpl´etica (ainda que a condi¸c˜ao necess´aria dada pela Prop. 3.4.1 seja satisfeita). Por exemplo, foi provado por Taubes [36], usando a teoria dos invariantes de Seiberg-Witten, que a soma conexa CP2#CP2#CP2 ´e quase-complexa mas n˜ao ´e simpl´etica (esta

var-iedade tamb´em n˜ao ´e complexa, como consequencia da classifica¸c˜ao de Kodaira [25]).

(41)

Como j´a observamos, os problemas de existˆencia de estruturas quase-simpl´eticas e quase-complexas s˜ao equivalentes. Mas isso n˜ao ´e mais verdade se impusermos as condi¸c˜oes de integrabilidade. Por exemplo, existem variedades simpl´eticas que n˜ao admitem estruturas complexas [14]. E podemos usar a Prop. 3.4.1 para dar um exemplo de uma variedade complexa que n˜ao ´e simpl´etica:

Exemplo 3.4.2 (Superf´ıcie de Hopf ). Considere Z agindo em C2\{0} por

n· (z1, z2) = (2nz1, 2nz2),

de modo que a rela¸c˜ao de equivalˆencia dada pelas ´orbitas ´e (z1, z2)∼

(2z1, 2z2). Como a a¸c˜ao ´e via transforma¸c˜oes holomorfas, preserva a

estrutura complexa. Temos assim uma estrutura complexa induzida no quociente M = (C2

\{0})/ ∼, para a qual a aplica¸c˜ao quociente ´e um biholomorfismo local.

Para ver que M n˜ao admite nenhuma estrutura simpl´etica, ob-serve que C2

\{0} ´e difeomorfo a S3

× R atrav´es da aplica¸c˜ao f : S3× R → C2\{0}, f(z1, z2, t) = (2tz1, 2tz2).

Com essa identifica¸c˜ao, a a¸c˜ao de Z em S3

× R ´e n · (z1, z2, t) =

(z1, z2, t + n). Portanto M ∼= S3× S1, que n˜ao ´e simpl´etico pela

Prop. 3.4.1.

Note que o Exemplo 3.3.6 ilustra ainda o fato de que existem variedades que admitem estruturas complexas e simpl´eticas, mas es-tas n˜ao podem ser escolhidas de forma compat´ıvel (o que ´e sempre poss´ıvel para estruturas quase-simpl´eticas/complexas). O leitor pode achar mais detalhes sobre a discuss˜ao de obstru¸c˜oes, com referˆencias aos artigos originais, em [7, 8, 29].

3.5

Subvariedades

Em uma variedade simpl´etica (M, ω), existem tipos de subvariedades an´alogos aos subespa¸cos descritos na Se¸c˜ao 2.2.

Uma subvariedade N ,→ M (ou, mais geralmente, uma imers˜ao) ´e chamada coisotr´opica (resp. isotr´opica, lagrangiana, simpl´etica) se,

(42)

para todo x∈ M, TxN ´e um subespa¸co coisotr´opico (resp. isotr´opico,

lagrangiano, simpl´etico) de (TxM, ωx).

Por exemplo, toda curva ´e uma subvariedade isotr´opica, e toda hipersuperf´ıcie ´e coisotr´opica. Nosso foco principal ser´a, no entanto, nas subvariedades que s˜ao ao mesmo tempo isotr´opicas e coisotr´opicas, i.e., lagrangianas. Ilustraremos nesta se¸c˜ao como v´arios objetos natu-rais em geometria simpl´etica podem ser expressos como subvariedades lagrangianas.

Sejam (M1, ω1) e (M2, ω2) duas variedades simpl´eticas, e denote

por M2 a variedade simpl´etica (M2,−ω2).

Proposi¸c˜ao 3.5.1. Um difeomorfismo ϕ : M1→ M2´e um

simplec-tomorfismo se e somente se o gr´afico de ϕ, graf(ϕ) ={(x, ϕ(x)), x ∈ M1}, ´e subvariedade lagrangiana de M1× M2.

Demonstrac¸˜ao:Considere o mergulho γ : M1→ M1× M2, γ(x) =

(x, ϕ(x)). Ent˜ao

γ∗(pr∗1ω1− pr∗2ω2) = (pr1◦ γ)∗ω1− (pr2◦ γ)∗ω2= ω1− ϕ∗ω2,

e o resultado segue imediatamente. 

Observamos agora como alguns objetos geom´etricos associados a uma variedade Q s˜ao representados por subvariedades lagrangianas de T∗Q. Lembre que, em coordenadas cotangentes (x

1, . . . , xn, ξ1, . . . , ξn),

a forma canˆonica ´e

ω =X

j

dxj∧ dξj.

´

E simples ver que tanto as fibras da proje¸c˜ao π : T∗Q

→ Q quanto a se¸c˜ao zero Q ,→ TQ s˜ao subvariedades isotr´opicas de dimens˜ao

m´axima (= 1 2dim(T

Q)), portanto s˜ao lagrangianas. Esses dois

ex-emplos s˜ao casos particulares da pr´oxima proposi¸c˜ao.

Proposi¸c˜ao 3.5.2. Suponha que Q tem dimens˜ao n, e seja S ,→ Q uma subvariedade de dimens˜ao k. Ent˜ao o fibrado conormal de S,

N∗S :=

{(x, ξ) ∈ T∗Q

| x ∈ S, ξ ∈ T∗

xQ, tal que ξ|TxS = 0}

(43)

Demonstrac¸˜ao: Podemos escolher coordenadas locais (x1, . . . , xn)

em Q tais que S ´e definida localmente pelas condi¸c˜oes xk+1= . . . = xn= 0.

Nas coordenadas (x1, . . . , xn, ξ1, . . . , ξn) de T∗Q, o fibrado conormal

N∗S ´e definido por

xk+1= . . . = xn= 0, ξ1= . . . = ξk = 0.

Portanto, em pontos de N∗S, podemos escrever α =Pj>kξjdxj, e

vemos que α se anula nos vetores ∂xi, i = 1, . . . , k. Isso mostra que ι∗α = 0, onde ι : NS ,→ TQ ´e a inclus˜ao.

 A pr´oxima classe de exemplos ´e importante no estudo de in-terse¸c˜oes de variedades lagrangianas, veja Se¸c˜ao 4.4.

Toda 1-forma µ∈ Ω1(Q) define uma subvariedade

Nµ:={(x, µx) , x∈ Q} ⊂ T∗Q,

caracterizada pela propriedade de que π : T∗Q → Q projeta Nµ

difeomorficamente sobre Q.

Proposi¸c˜ao 3.5.3. A subvariedade Nµ, µ ∈ Ω1(Q), ´e lagrangiana

se e somente se dµ = 0.

Demonstrac¸˜ao: Note que Nµ ´e a imagem da aplica¸c˜ao µ : Q →

T∗Q. Lembrando que

µ∗α = µ,

onde α ´e a 1-forma tautol´ogica (veja exerc´ıcio na se¸c˜ao 3.2), segue que

µ∗ω =−µ∗dα =

−dµ∗α =

−dµ,

e portanto µ∗ω = 0 se e somente se dµ = 0. 

Portanto subvariedades de Q e 1-formas fechadas em Q est˜ao naturalmente associadas a subvariedades lagrangianas de T∗Q.

No artigo [43], a importˆancia de subvariedades lagrangianas ´e ex-pressa no “credo simpl´etico” de A. Weinstein: “tudo ´e uma subvar-iedade lagrangiana”. Em outras palavras, objetos e constru¸c˜oes em geometria simpl´etica podem, em geral, ser entendidos em termos de subvariedades lagrangianas.

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