• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 1 – Fundamentação Teórica

1.4 As Categorias Morfossintáticas

1.4.3 Ordem

A ordem é um conceito morfossintático que se refere à seqüência em que, normalmente, os sinta gmas se encadeiam. “O valo r de um grupo está amiúde ligado à ordem de seus elementos. Analisando um sin tagma, o falante não se limita a distin guir-lhe as partes; obse rva também entre elas certa o rdem de sucessão ” (BENVE NISTE, 1995, p.161). A idéia de normalidade toma por base o número de ocorrên cias, que estabe lecem o padrão para o sistema. Este padrão será internalizado e tomad o como regra. E ntretanto, nas pala vra s de Ben ve niste (idem, p. 162), “se a ordem das palavras é incontesta velmente uma entidade abstrata, não é menos ve rdadeiro que deve sua e xistência tão-somente às unidades concretas que a contém e que co rrem numa só dimensão”.

Cada lín gua va i conceber uma lei básica para a ordem das pala vras, p re vendo inclu sive va riações em casos específico s. Com relação à no ssa língua, o esquema-padrão é SVO – sujeito , ve rbo, objeto. A grande maioria das emissõe s em português se guirá, portanto, este padrão.

Na nomenclatu ra d a gramática gera tiva, suje itos e obje to s são sinta gmas nom inais o s quais, po r sua ve z, são con stituídos po r um nome, antecedidos por um determina nte e se guidos de um modificador. Determinante s são artigo s, pronomes adjetivo s e numera is. Em caso de determinantes comple xos, pode ha ve r um pré e um pó s-dete rminante. Ressa lte-se que artigo e demonstrativo são mutuamente excludentes. O

elemento modificador é um adjetivo ou uma locução adjetiva; ad vérb ios são modalizado re s, também chamados intensificado res (SILVA E KOCH, 1983). Assim, ve jamos os padrões de coloca çã o mais básicos do portu guês:

− Oração: suje ito – ve rbo – obje to

− Sinta gma nominal: determinante – su bstantivo – mod ificador

− Sinta gma adjetival: modalizado r – adjetivo

− Sinta gma ve rbal: ve rbo – sinta gma nominal – sintagma

preposicionado

Napoleão Mendes de Almeida dedica um capítu lo inte iro ao que ele chama de colocação , que é outro nome dado à ordem. Definia-a com “a maneira de dispor, na oração, os termos que a constituem ou, nu m grupo de pala vras, os vocábu los que o formam” (1973, p.435). Será que, neste tre cho final, ao invés d e vocábu los ele queria dize r morfemas? O certo é que a definição pensa o conceito quase como um recurso e stilístico, le vando o le ito r a cre r que a conseqüên cia é causa, ou se ja, é porque e xiste uma ordem estabelecida pelo sistema que se consegue efeitos quando esta for quebrada.

Como se vê, as gramáticas no rmativa s não se o cupam d a mesma maneira co m esse conce ito. A lém do cap ítulo dos pronomes, em que se aborda a p osição do s pronom es oblíquos á tonos em relação ao ve rbo, algumas, ve z po r outra, tra ze m observações so bre o adjetivo e

sobre o numera l, como o gramático citado. Já Ro cha Lima, por exemplo, afirma qu e, quanto à ordem do adjetivo nos gru pos nominais, a língua po rtu guesa apresenta ce rta libe rdade. “A esco lha individua l, condicionada a fatores de ênfase e de entoação, é va riáve l, dentro de certos limites” (19 73, p.272). Portan to, se, em português, há certa libe rdade, semp re que hou ve r uma modificação da orde m, have rá um efeito, uma conseqüência semântica.

Embora certos pad rões possam se r modificados, a ord em dos morfemas no vocábulo é irre ve rsíve l, por isso intere ssa-no s apenas o níve l de estruturação sintá tica, o qual, se for alterado, pro voca pequenos resu lta dos de e xpre ssividade ou profundas alte rações semânticas. Po rtan to este é um recurso muito utilizado pelos escritore s para cria r efeitos e stilísticos e semânticos du rante a leitu ra.

Guimarães Rosa, como era de ser esperar, também opera mudanças na orde m das pala vra s. P eguemos, a títu lo de ilustração, o conto “O espelho”, que aborda a exp eriência inusitada de um homem que não se reconh ece no espe lho, po is ten ta divisar um outro, contido nele mesmo. Espécie de metáfora metafísica, o conto convida o leito r a pensar sob re si mesmo.

Na passa gem que se segue, o narrad or atesta o medo de se olhar no espelh o, que e le compartilha com humanos e animais:

T emi-os, desd e m eni no, p or i nsti nti va susp eit a. T ambém os anima is neg am-se a encará-l os, sa l vo a s cr íve is e xc epçõ es . Sou do i nteri or, o se nhor também; na nos sa t erra, di z-s e q ue nu n ca se de ve o lh ar em esp elh o às h oras mor tas da no ite, esta ndo-se

so zi nho. Porq ue ne les, às ve zes, em lug ar de n ossa i mag em, assombra-n os a lg u ma outra e me do nha visã o. So u, porém, pos itivo, um racion al, p iso o chã o a p és e patas. Sat isf azer-me com f antásticas n ã o-e xp li caçõ es? –j a mais. Que ame dro ntadora visã o ser ia, entã o aq uel a? Quem o Monst ro? (PE, p. 63).

A quantidade gran de de in versões en tre substantivo e seu modificador, ou se ja, o adjetivo, imprime um tom bastante formal à lin gua gem do narrador, que se quer erudito e científico , já que busca ganhar a credib ilidade de seu inte rlocuto r para narra r a fantástica expe riên cia que te ve: despir-se de to das as marcas do rosto, até não reconhece r nenhu m traço no espe lh o, para depois, le ntamente, ir-se reconstituindo. Instintiva suspeitas, críveis excepções, medonha visão, fantásticas não-explicações, amedrontadora visão; esta lista de in versões pa recem propositadas, pois garantem o tom que o auto r busca para seu personagem.

As discu ssões teó ricas que propuse mos aqui são a lgu ns dos recu rso s utilizados pelos escrito res para to rnar sua lin gua gem mais lite rária, ou seja, despida de uma ro upagem cotidiana, que fatalmente não desperta ria o leito r. Entretanto, durante as análise s do se gundo capítu lo, um ou outro conceito teórico poderá aparecer, para fundamentar o trab alho.

Antes de p rocede rmos às análises, faremos um pain el sobre a vida e a ob ra de Guima rães Rosa, no intu ito de situar o auto r e, também, seu livro Primeiras Estórias.

Documentos relacionados