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Linguagem e invenção em Primeiras Estórias

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Academic year: 2021

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LINGUAGEM E INVENÇÃO EM PRIMEIRAS ESTÓRIAS

Assis

2007

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LINGUAGEM E INVENÇÃO EM PRIMEIRAS ESTÓRIAS

Tese apresentada à Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Assis, para obtenção do título de Doutor em Letras (Área de concentração: Filologia e Lingüística Portuguesa).

Orientadora: Profa. Dra. Jeane Mari Sant´Ana Spera

Assis 2007

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________________________________________________________________ Profª. Drª. Jeane Mari Sant´Ana Spera

________________________________________________________________ Prof. Dr. Rony Farto Pereira

________________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Eduardo Mendes de Moraes

________________________________________________________________ Profª. Drª. Martha Augusta Corrêa e Castro Gonçalves

________________________________________________________________ Profa. Dra. Marlene Durigan

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Catalogação na publicação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da Universidade Estadual de Londrina.

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) P114L Pacca, Maria Beatriz.

Linguagem e invenção em Primeiras Estórias / Maria Beatriz Pacca. – Assis, 2007.

143f.

Orientador : Jeane Mari Sant’Ana Spera.

Tese (Doutorado em Letras) − Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Campus de Assis), 2007.

Bibliografia : f. 140-143.

1. Rosa, João Guimarães, 1908-1967 – Teses. 2. Língua portuguesa – Morfologia – Teses. 3. Língua portuguesa – Sintaxe – Teses. 4. Neolo-gismos – Teses. 5. Linguagem –

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Ao Celso, companheiro de ho ras boas e más; Aos meus filhos, Mateus e Ma rina, qu e me ensinam o futuro; A meus pais, Miro e Linda, que me deram o prumo e nem sabiam..

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AGR ADE CIMENTOS

À minha orientado ra, p rofessora Jea ne Mari Sant´Ana Spera, por me acolher, po r me in dicar o s bons caminhos, por me reconduzir à trilha certa quando eu, teimosa, que ria pe ga r o desvio ; pela compreensão, pela amizade e p elo bom humor, que me fez ap rend er a rea gir nos momentos difíceis;

Aos professores Ron y, Ma rlene e Carlo s Eduardo, pelas valiosas contribuiçõe s no exame de qualificação e de aprova ção, soluções para meus pequenos p roblemas;

Aos professore s d o pro grama de Pó s-Graduação da UNESP de Assis, pelos conhecimentos transm itidos que tanto enriquece ram este trabalho;

Aos funcionário s da Pós-gradua ção da UNESP de Assis, pela disponib ilidade e atenção;

Aos cole gas do Departamento de Letras Ve rnácula s e Clássica s da Unive rsidade Estad ual de Londrina, pe la compreensão e pelo apoio; Às professoras Ma rtha e Jo yce, amigas e cole gas com as qua is tanto aprendo, pela pa ciência, pela con descendência e p elos conse lhos acurados;

À Cirlena, pela formatação cuidadosa ;

À professora Vand erci, sempre p rese nte no meu caminho acadêmico; Ao professor Du rva li, meu primeiro o rientador, que me fez acredita r que era possível;

Ao Celso, ao Mate us e à Marina, por perdoarem minhas tempestades e por me ajudarem a caminhar.

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Cada home m tem seu lugar no mundo e no te mpo que lhe é concedido. Sua tarefa nunca é ma ior que sua capac idade para poder c umpri-la.

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Estórias. Assis, 2007. 160p. Tese (Doutorado em Filologia e Lingü ística). Faculdade de Ciências e Letras, Campus de Assis, Unive rsidade Estad ual Paulista

RESUMO

Esta pesqu isa apre senta análise s de contos do livro Primeiras Estórias, de João Guimarãe s Rosa, do ponto d e vista morfossintá tico. Buscando desvendar sua lingua gem, as aná lise s base iam-se em elementos evidentemente escolhidos pe lo auto r para nortea r a leitura de cada conto. São recurso s morfossintáticos, re velados a cada passagem, que denotam a preocup ação metalin gü ística do autor e marca m o caráte r de in venção de seu texto. Para p ro ceder às aná lises, partimos de conceitos oriundos da gramática ge rativa, que ap resenta o quadro teórico condizente com a idéia de gramática inte rnaliza da, importante no cotejo lin gua gem do autor/lin gu agem do le itor. Também foram descritas as cate go rias morfossintáticas que mais foram necessárias às análise s, as quais fornecem um quadro do manejo lin gü ístico ope rado pelo autor em sua s obras, espe cia lmente neste livro de 1 962.

Pala vras -cha ve: Lingua gem, Morfossinta xe, Ne ologismo, João Guimarães Rosa

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2007. 160p. Thesis (in Po stgraduate degree Ph ilo lo gy and portu guese Lingu istics). São P aulo State Un ive rsity. Assis.

ABS TR ACT

This re search pre sents analysis of th e Primeira s Estória s sho rt stories, written b y João Guimarães Rosa, throu gh the morphologica l and syntactica l point of vie w. Tryin g to re veal his lan gua ge, the analysis are based on the elements evidently chosen by the author to guide the readin g of each story. There are morphologica l and synta ctical resources e ve ry p assa ge, which indicates the author’s metalingu istic worrie s and mark the in vention ’s cha racteristic of his text. In order to proceed to the ana lysis, we took the concepts comin g fro m the Gerative Grammar, wh ich pro vide s the the oretical support of the internal grammar, important to compare the a uthor’s and the reader’s lan gua ge . Also we de scribe the morphologica l and syn tactical categories, which present a picture of the author’s lin guistic hand lin g, specially to th is 1962’s book.

Ke y w ords: Language, morpho logy and Synta x, Ne ologism, João Guimarães Rosa.

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INTRODUÇÃO ... 11

Capítulo 1 – Fundamentação Teórica 1.1 Linguagem e Pensamento: a Visão de Chomsky ... 18

1.2 Linguagem e Invenção ... 29

1.3 A Recepção da Obra de João Guimarães Rosa ... 35

1.4 As Categorias Morfossintáticas ... 44

1.4.1 Neologismos ... 44

1.4.2 Tipo frasais ... 60

1.4.3 Ordem ... 65

Capítulo 2 – Vida, Obra e Análises 2.1 Vida e Obra de Guimarães Rosa ... 70

2.2 Um Pensamentozinho ainda na Fase Hieroglífica ... 75

2.3 Arcaico x Erudito em “Famigerado” ... 83

2.4 O Leitor Enredado pelo Léxico em “A Menina de lá” ... 94

2.5 Simbiose entre Criação Literária e Criação Lingüística ... 102

2.6 Reminiscências ... 111

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REFERÊNCIAS ... 140 ANEXOS

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A lin guagem de Guimarães Rosa, qu ase sempre elogia da nas páginas da lite ratura e specia lizad a, característica d e seu traba lho, parece conte r tra ços que , ao mesmo tempo, atraem alguns, mas afastam outros leitores. Esta afirmação resulta de min ha experiência em sala de au la: por três ano s con secutivos - 2001,2 002 e 2003 -, propus ao s aluno s de Letras da Unive rsidade Estadua l d e Londrina, em minhas aulas de Lín gua Portu gue sa I e II, uma análise lin gü ística d e algum conto de Gu imarães Rosa. Du rante as au las, fazíamos a le itu ra do texto, tecendo comentários a respe ito da lin gua gem. Em seguida, os alunos apresenta vam um trabalho por escrito, ab ordando algum aspecto da lin gua gem que julgassem rele vante . O percurso pedagó gico foi bastante satisfatório, resu ltando em alguns apaixonados pelo autor. No entanto uma minoria me confessava nos co rredores que de Guimarães Rosa só que ria d istância. Pode-se imagina r minha frustração ao pro vocar e xatamente o oposto do que tinha em mente. Alguns deles con sideram a lín gua estranha, inclusive já soando antiga em seus ouvido s, e a sintaxe e xtra va gante, atrapa lhando-lhes a compreensão. De fato, alguns pouco s dele ita vam-se com o traba lho, criando dois grupos na sala: os que conse gu iam e os que não consegu iam, e até detesta vam, le r Guimarães Rosa. E sta e xperiência motivou-me busca r por que, embora houve sse quem descobrisse o autor durante o curso, alguns a ve ssos à sua lin gua gem antes da disciplina continua vam assim depois de findo o ano letivo.

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O pró ximo passo foi tentar descob rir o que pro vo ca va tamanha ave rsão. Os alunos eram va gos em rela ção às ra zões que os afastavam do te xto. Diziam que a lingua gem e ra difícil, muito rebuscada, quase incompreensível. Busque i então, en tre a aparente unanimidade, vo ze s que conco rdassem com meus alu nos, tentando decifrar as ra zões que os afastavam de Guimarães Rosa. Como pode ser visto no cap ítu lo 1, alguns escritores manifestam a mesma opinião e apresentam suas ra zões.

Ao mesmo tempo, julgamos que ap rofundar a e xpe riência nas análises lin gü ística s de te xto d o autor pude sse ser útil para o s estudiosos de sua lin gua gem. Assim nasceu esta propo sta, que busca discutir sob re lin guagem e, a lém disso, ap resenta r u m método de análise que nasce u da experiência em sala de aula, trabalhando a morfossinta xe com o ferramenta para o aprofundamento da leitu ra.

A escolha de Guimarães Rosa justifica-se pe la minh a trajetó ria de pesquisa. Já nos bancos da gradua ção aparece uma tentativa de analisar o conto “Nen hum, nenhuma”, que pertence a Primeiras Estórias. Também a dissertação de mestrado versou sobre o autor: uma aná lise da tradução pa ra o francês de “Orienta ção”, de Tutaméia, a qual já continha um trabalho inicial com o léxico.

A partir da sa la de aula na Unive rsidade Estadua l de Londrina e da pesquisa lin gü ística , e ncontrei em Primeiras Estórias a possib ilidade de desen volve r um estudo nos moldes daquele realizado pela professora Jeane Mari Spera em sua obra As ousadias verbais em Tutaméia (1995), em que a autora aborda desde os processos lexicais

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até o sinta gma inovado r de Gu imarãe s Rosa. Para rea lizar a ta refa, era preciso esco lhe r u m corpus que permitisse abordar toda a dimensão re vitalizante da lingua gem do autor e, de outra p arte, pudesse demonstrar a e xte nsão e metodologia de uma análise lingü ística. Pa ra isso, nada melhor que estórias, em que a diversidad e de temas e va rian tes lite rárias, com a conse qü ente plura lidade de lin gua gens, permitem vislumbrar o traba lho lin gü ístico do auto r e a dificuldade do percurso ana lítico. Além disso, em relação à tra jetória de Guimarãe s Rosa, Primeiras Estórias, publicado em 1962, posterior a Sagarana (1946), Corpo de Baile (1956) e Grande Sertão: Veredas (1956), apresenta um ino va ção. Pau lo Rónai, na introdução do livro, (PE, p.xxiii), e xplica os termos Primeiras e Estórias:

o ep íteto n ão a lu d e a traba lh os de mocid ade o u anteri ores aos j á p ubl ic ados em vo lu mes, e sim à no vidad e do g êne ro adotad o, a e stória. Es se neo log ismo de s ab or pop ul ar, adot ad o por n úmero crescente de f icci on i stas e cr ít icos, emb ora a ind a n ão reg istrado p el os d ic ion arist as, dest ina- s e a ab sor ver um dos s ig nif ica dos de “h istóri a”, o d e “c onto” (= short story). A o pos içã o conc eitu al resu lta nit idame nte deste trech o de “ Ne nhum, nen huma”: “E ra uma ve lha, uma ve lh in ha – de h istór ia, de estór ia – ve l h ís sima, a ina cred it á ve l”.

Então, corrobo rando as outra s ra zõ es, está o fato de, junto da diversida de, ha ver um traço comum entre as estórias: todas envo lvem-se “nu ma aura mágica , num halo d e mara vilhosa ingenu idade, que a s to rna diferentes de qua isque r outra s” (idem). E aí fecha-se o ciclo: muitas estó ria s, vários temas, diversas lin gua gens, imersos numa atmosfera ímpar, um desafio que p ropomos analisar.

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A princíp io, a inte nção era analisar os vinte e um contos que compõem o livro. Du rante o percurso , entre tanto, algumas descobertas foram feitas. Por exemplo, o primeiro dele s, “As margens da ale gria”, e o último, “Os cimos”, p ertencem a uma só estória, a do Menino que vive n ova s e xperiências ao viaja r com o tio. Seu enredo pode ser comparad o ao próprio leito r, que vive rá no vas e xpe riên cia s ao viaja r pela s pá ginas do livro. Faze r duas aná lises mostrou -se desnecessá rio, um a ve z que o que foi abordado, ou se ja, o pensamento do menino refletido em sua lingua gem, mostrou -se igual nos dois contos. Assim também “O espelho” destoa bastante das outras e stórias, pela narrativa psicologizante, com u ma lingua gem menos saborosa do ponto de vista morfossintático. Do mesmo modo, há inúmeros estudos e rele itura s de “A terceira margem do rio ”, o que ta lve z justifique nossa opção em não analisá -lo . No entanto, o fator determinante para diminuir o número de análise s foi a percepção de que e las esta vam se repetindo. Isto p rova velmente aconteceu pela escolha metodológica deste traba lho. Se o próprio te xto de veria su gerir a aná lise e o e scopo teórico é a morfossinta xe, fatalmente os pontos inte ressante s começariam a se repetir. Embora tal fato não tenha sido pre visto durante o projeto, queremos acredita r que ele não diminui a proposta inicial: mostrar co mo a lin gua gem d e Guimarães Ro sa , embora d ifícil, apresenta um caráter de in venção ra ro de se en contra r, atra vés de uma análise lin gü ística que pudesse ser a preendida po r que m a lesse.

Foi assim que ch egamos a um total de sete análises, abordando pouco mais de um te rço dos contos que o livro apre senta.

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Optamos por colocar e xemplo s retira dos das estórias que ficaram de fora das análises p ara ilustra r a fundamentação teórica. É uma maneira de suge rir uma ab ordagem, a qua l p oderá se r aprofundada em tempo futuro. Esperamos que, ao fim e ao cabo, este trabalho va lha também pelo que nele não ousou caber.

Alguns escla recimentos são necessário s: as citaçõ es relativas a Primeiras estórias não seguem o mesmo padrão daquelas que se referem a outros auto res. A s relativa s ao co rpu s usam toda a mancha, ou seja, ocupam o espaço horizonta l da página, já que nem sempre são con stituídas por muitas linhas. No entan to, foi preciso sinaliza r ao le itor que e ra uma citação, para isso con vencionamos um recuo de um centímetro do s lados.Também optamos por manter o negrito do texto original, usado por Guimarães Rosa para indicar te xto oral.

O primeiro cap ítu lo contempla a fundamentação teórica. Na primeira parte , refizemos o pe rcurso su ge rido por Noam Chomsky para abordar lin gu agem e pensamento e apresentamos os princíp ios fundamentais de sua teoria. A se gun da parte descre ve a lin gua gem de Guimarães Rosa e aponta camin hos para ana lisá -la. A te rce ira relaciona a re cepção da obra de Gu imarães Ro sa à noção chomskyana de gramática inte rnalizada. A quarta parte recupe ra os con ceito s morfossintáticos re le vantes pa ra as a nálise s, as quais serão abordadas no segundo cap ítulo. Este é aberto por uma bre ve biografia de Guimarães Rosa, segu ida por uma conte xtualização d o livro que o ra estudamos, Primeiras Estórias, em relação à obra do autor. Por fim,

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depois das análise s, seguem-se as considera ções finais. Como anexo, cópias dos contos analisado s feitas a partir da décima primeira edição da Editora José Olympio , datada de 1 978.

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1.1 LI N G U AG E M E PE N S AM E N T O: A VI S Ã O D E CH O M S K Y

Todo estudioso d a lín gua faz inda gações sob re algu ns problemas clá ssico s. Estas incluem origem, nature za, possib ilidades de uso, formas de abordagem. Mesmo o mais iniciante dos alunos de Letras já tra z in cipiente uma “teoria da lín gua”, co m hipóteses e exp licações co gnitiva s. Dentre as po ssíve is e xplicaçõe s com que e ste aluno se depara está a teoria ge rativista, a qual se opõe às exp licações funcionalista s da língua, fundamentada por seu ma is con hecido teó rico , o norte-ame ricano Noam Chomsky, que trabalha no Massa chussetts Institute of Technology. Data de 19 57 a publicação d e sua primeira obra, Estruturas Sintáticas, que deflagrou o que se convencionou chamar de re vo lução chomskyana, já que o autor rompe com a tradição americana da lin gü ística estrutura lista , de cunho antropológico, por se desvia r de ce rtos traços das lín guas naturais, para se concentra r na análise de p rin cípios ge rais que e xplicariam qualque r língua, ou se ja, em uma forma geral de lin guagem que estaria subja ce nte a todas as lín guas natu rais particula res.

Para entender o pensamento de Noam Chomsky, é preciso, portanto, remontar aos ano s 60 do século p assado: são de 1967 as “conferências Beckman ”, que vão o riginar o livro Linguagem e pensamento. Nesta obra, o autor vai esclarecer seus princípios e definir os caminho s no estudo da lin gua gem, não sem antes recupe rar as teorias que ante cedem o século XX , concentrando-se em Desca rtes, cuja má xima “pen so, lo go e xisto” a companha a concepção de que a

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lin gua gem é cara cterística dos se res humanos, pressupondo um domínio completa mente alheio aos outros animais. A hipótese é a de que os se res hu manos nascem com um conhecimento inato dos princípios un ive rsa is.

Entretanto, o mais re le vante para Chomsky é a capacidade ge rad ora da lin guage m como instrumento livre do pensamento. O a specto criador da lin gua gem base ia-se em três caracte rística s: em primeiro lu ga r, se u uso é ino vado r, ou seja, a quilo que dizemos é co mpletamente novo, “não é a repetiçã o de nada que tenhamos ouvido antes nem mesmo semelhante quanto à forma” (CHOMSK Y, 1971 , p.24). Esta e xplica ção sob re a nature za da lin gua gem opõe-se à que supõe qu e o falante domine um conjunto arma zenado de formas aprendida s pela constante re petição e pelo treinamento espe cífico. Assim, o u so de lin gua gem é potencialmente infinito, ou se ja, com um número relativamente pe qu eno de re gra s podemos produzir, a rigo r, um número infinito de enunciados. Isto é particula rmente p erceptíve l em p essoas que tra balham estas possib ilidades, co mo os escrito res, p or e xemplo.

Em segundo lu gar, a lingua gem é livre de contro les d e estímulos perceptíve is, ou seja, ao contrário das reaçõ es física s, esta faculdade humana inata se ria e xp ressão da vontade, por isso capa z de servir como e xp re ssão do pensame nto e da auto -e xp ressão. Vamos analisa r mais de p erto as características desta afirmaçã o.

Ela está relaciona da à outra esfera cogn itiva que te m como objeto de estudo a lin gua ge m, qual se ja, a psico lo gia. Esta

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disciplina influenciou bastante os e studos sob re com portamento e lin gua gem, sob retu do com a teoria d e Skinner, na prim eira metade do século XX. E ste arcabouço com portamentalista considera va a lin gua gem como um conjunto de “hábitos”, po rtanto a estru tura estímulo-resposta seria capa z de fornecer uma exp lica ção definitiva e satisfatória para a mais miste riosa d as faculdades humanas. Opondo-se a esta teo ria, Chomsky con sid era que, subja cente ao uso da lin gua gem, e xistem mecanismos ab stratos que não são a nalisá veis nos termos comporta mentalistas. Além disso, a afirmação de que a lin gua gem pode servir como e xp re ssão do pensamento exclu i, no mínimo, duas outras maneiras po ssíve is de se e studar o tema: aquela que conside ra a lingua gem como po stulado da comunicação humana e aquela que a vê como ve ículo d e intera ção socia l. Esta s duas concepções vão ge rar outro s caminhos no estudo da lingua gem, diferentes da propo sta ora ana lisada.

Voltando às propriedades da lin guagem, Chomsky aponta a terce ira: o ser humano, quando fala, o fa z de man eira coerente e adequada. A terce ira cara cterística, portanto, se riam a coerên cia e a adequação de lin gua gem. Como exp licar con ven ientemente estas propriedades? O a utor propõe

descre ver os f enôm enos d a li ng uag em e da at i vida de mental o ma is e xat amente p oss íve l, pr ocurar cr iar um apare lho teór ico a bstrato q ue e xp liq ue tanto q uanto poss íve l estes f enô menos e re ve le os princ íp i os de sua org ani zaç ão e f unci o namento (idem, 1971, p.27).

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Para isso, instaura a no ção da frase como unida de gramatica l, o que significa ele ge r o domínio sintático como “porta de entrada” para pen sar a atividade mental que está em jogo quando a lin gua gem está em uso. A frase teria duas dimensões: a primeira, aparente, seria a manifestação de outra estrutu ra, contida na mente do falante. A esta estrutu ra aparente dá-se o nome de estru tura superficia l, resulta do de uma atividade mental que conteria a chamada estrutu ra profunda. As proposições que se correla ciona m na estrutura profunda não aparecem na supe rficial, e las en tra m nas idéia s presentes no pensamento e rara mente são articu ladas quando proferimos uma se ntença.

Por e xemplo, “De manhã, todos os gato s n ítidos na s pelagen s...” (ROS A, 1978 p.119), é a proposição qu e abre o conto “Da randina ”. Cada sinta gma desta p roposição é a pro jeção de uma estrutu ra p rofunda: de manhã ocupa o espaço designado para toda afirmação circunstancial, ou se ja, o falante reconhece no sinta gma caracte rística s ad ve rbia is: opõe -se a outras e xp ressõ es do mesmo paradigma – de noite, de madrugada, de tarde -, e, em português, pode estar situado em qualque r ponto da cadeia sinta gmática proposta. O sinta gma segu inte – todos os gatos nítidos nas pelagens -, é percebido como frase nominal: o falante preenche para gatos um atributo – nítidos, estrutura plenamente gramatical. Além disso, aceita a proposição como adequada, pois e sta respeita a regra d e concordância que e le interna lizou como necessária no po rtu guês: um núcleo em plura l masculino re quer determ inantes – todos e os – no plural

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masculino. E o ou tro modalizado r refere-se a gatos, está no plural e completa a frase para que o falante a associe a um esqu ema já dado: o ditado “À noite, to dos os gatos são pardos”, o qual significa que, sob determinadas circunstâncias, as d iferenças desapa re cem, não ficam clara s. Da mesma forma, a emissã o desta estrutura superficia l não manifesta todas as re gra s que foram utilizadas pa ra que ela pudesse se realiza r. Para apre endê-las, é preciso recupe rar a e strutura profunda.

A relação entre e ssas duas estrutu ras, a profunda e a superficia l, se dá atra vés de certas operações mentais, também chamadas de transformações gramaticais. Ora , se a pessoa que fala se va le de meio s finitos para uma p rod ução potencia lmente infinita, sua gramática de ve co nter um sistema finito de re gras que gera um número infinito de estruturas profundas e superficiais, adequadamente relacionadas. Da í o rigina-se, portanto , a teoria gramatical ge rativa.

Este con ceito tra z subja cente a idé ia de que a estrutura da lin guagem é determinada pela universalidad e de certas propriedades ca ra cterísticas, o que evidencia que p elo menos uma parte da nature za humana é comum a todos os elemen tos da espécie, independentemente de raça ou classe e a despeito das clara s diferenças de in telecto, persona lidad e e atributo s físico s.

Chomsky comenta que tanto os estudos estrutura listas quanto os comportamentalistas tinha m a crença de que o pensamento deve ria ter uma estrutu ra simples, já que a lín gu a, para e ssas ve rtentes, se ria u ma estrutura de h ábitos ou uma red e de cone xões, uma habilidade exprim íve l. Assim, o conhecimento da língua, sob esse

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ponto de vista, de ve desen volve r-se lentamente, atra vés da repetição e do treinamento, e sua aparente complexidade se ria resultado da proliferação de e le mentos muito simples. Para o auto r (ibidem, p.43), a gramática que o falante ad quire tem conse qüência s e mpírica s que se estendem muito além dos dados muito restrito s que e le intro jetou. Por isso, e xistem dois níve is de análise para dar conta d o fenômeno. O primeiro se refere à gramática da lín gua, com descriçõ es que indiquem as re gras e sua in teração. Em re lação ao se gundo, m ais p rofundo, o fenômeno será exp licado atra vés da descrição dos princíp ios, universais, que p ermitem ao falante, com base em dados restritos, selecionar uma gramática de forma adequada e de terminam uma seleção feita po r ele.

Para elucidar a questão, tomemos, por exemplo , o conceito sin tático sujeito em po rtu guê s bra sileiro, te rmo cunhado pelos ge rativistas pa ra diferenciá -lo do p ortu guês eu ropeu. Antes de tudo, podemos formular uma regra básica, algo como “Há su je ito em todas as lín guas”. Pa rtindo deste postu lado un iversal, se fize rmo s um e xercício de gramática comparativa entre o portu guês e o in glês, podemos perceber que, em inglês, qua lquer e nunciado de ve ter sujeito . Já no portu guês, enun ciar o suje ito é opcional. Se a lguém pergun ta: Quer bolo?, posso responder: Quero. Para falantes do inglês, a pergunta seria : Do you want cake?, com a possibilidade de resposta: Yes, I do. Neste simple s e xe mplo, podemos visualiza r duas maneiras diferentes de lida r com o mesmo princíp io universal: são du as gramática s descritas d iferentemente, com usos diferentes para o co nceito su jeito.

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Entretanto, se, abstratamente, buscarmos a estrutura profunda das duas frases, encon traremos o mesmo resultado.

Assim, o conhecimento de uma lín gua implica a capacidade de atribuir estrutura s profundas e de superfície a uma série infinita de sentenças. É preciso deixa r cla ro que a estru tura superficial muitas ve zes nã o elucida p roprie dades de natureza muito ma is abstratas. É como se a lín gua, ou me lhor, o que está na superfície não bastasse para e xprimir uma idé ia muito mais elaborada. A partir desta evidência é que su rgem clichês do tip o: a lín gua alemã é a melhor para quem quer estudar filosofia, pois exp rime mais adequadamente pensamentos abstratos.

Esta descrição de postulados u niversais, buscan do encontrar os prin cíp ios que determinam a forma da gramática, é chamada de “Gramática Un ive rsa l”, e seu estudo pressu põe entender a nature za das faculdades intele ctuais humanas. De fato, a lín gua é o fenômeno que atesta a ‘faculda de da lin guagem ’ humana, “a componente inata da mente/cérebro que dá origem ao co nhecimento da lín gua quando confrontada com a exp eriência lin gü ística , que con ve rte a expe riên cia num sistema de conhe cimento” (CHOMSK Y, 1994, p.16).

À gramática un ive rsal opõe-se uma gramática pa rticular, que pode ser a de uma lín gua nativa , mas pode se r ta mbém a de um nativo dessa lín gua, um escrito r, por e xemplo, ou uma criança. Segundo o autor, o maior problema teórico em lin güística “é o de descobrir os princípios da gramática universal que se entrela çam com as re gras das gra máticas pa rticula res para oferecer exp licações de

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fenômenos que p arecem arb itrários e caóticos” (CHOMSK Y, 1971, p.67). Na ve rdade, os p rin cípios da gramática unive rsa l são re stritivos para todas as lín gu as, assim com são as condições e spe cífica s de cada lín gua que determ inam como ela será usada. O fato de não e xistir o ve rbo ser em russo vai trazer conseqüências empíricas para seus enunciados.

Chomsky e voca W ilhelm von Humboldt, fílosofo e estudioso da lin gu agem que viveu na Alemanha nos séculos XVIII e XIX, como precu rsor desta maneira de conside rar a língua. Sua obra mais conhecida é Sobre a diferença de Estrutura das Línguas Humanas e sua Influência sobre o Desenvolvimento Intelectual da Humanidade (1820). Para o alemão, subjacente a qualquer língua humana encontramos um sistema que é universal e que e xprime os atributo s intelectuais único s do homem. Por isso , a lín gua não pode ser ensinada, mas antes se desen volve de uma maneira predeterminada, se satisfeitas certas cond ições ambientais ade quadas. Ao e vo car Humboldt, Chomsky re laciona e xp licitamente suas con cepções às dos filósofos racionalistas, mas de uma maneira reno vada, que denota a preocupação de tratar a descrição lingü ística de maneira p recisa e formalizada. Quando afirma que a gramática de uma lín gua de ve ge ra r “todas e somente ” as sentenças da lín gua, o teó rico n ão está apenas complicando a s coisas, mas sim lembrando que, constru indo a gramática de maneira que ela ge re to das as comb inaçõ es de pala vras de uma determin ada lín gua, certa mente serão ge radas todas a s sentenças da lín gu a, mas a maior pa rte delas não serã o gramatica is,

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ou seja, não serão sentenças, mas sim combinações a le atória s que não produ zem sentido (LYONS, 1973, p.44 ).

Embora aparentem ente possa ha ve r muita diferença n a capacidade de usar a lín gua, no co nhecimento do vo cabulário e em outras habilidade s entre os falantes, o fato é que, se compararmos as diferentes gramáticas inte rnalizadas d e diferentes pesso as que falam a mesma lín gua, ve rificamos que as se melhanças são numerosas e que as diferenças são poucas e margina is. Se parecem se r d ialetos

superf ici alme nte m uito dist antes e n ão mutuame nte inte l ig íve is ao prime i ro contat o, têm em c omum um vasto núc leo c entra l d e reg ras e proc essos e dif erem muit o lig e iramente n as es truturas subj ace nte s, q ue parecem manter-se in vari áve is dura nte long as eras histór ica s”(CHO MS K Y, 1971, p.1 03).

É por isso que um dos critérios lingü ístico s a inda só lid os para saber se um dialeto originá rio de uma lín gua já pode ser conside rado lín gua é o fato de ter realizado mud anças no n ível morfossintático, co ndição mais p rope nsa a demonstrar modificações de estrutu ra. O sistema pronominal do sistema do portu guê s brasile iro, por exemplo, que p raticamente aboliu as segundas pe ssoa s do sin gula r e do plura l, é uma das ra zões empre ga das pelos lin güista s para p le itear o status de língua brasileira para o nosso idioma, originário do portu guês europeu , mas hoje já uma outra lín gua. Aliá s, pessoas do nosso pa ís, ao se referirem à no ssa lín gua, não raro dizem “o brasileiro ”, e não “o portu guês”, numa cla ra manifestaçã o rela cionada à identidade nacional.

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Outra d istinção cen tral é a estabe lecid a entre competência e performance, ligadas ao fato de, a partir de uma amostra pouco significativa de da dos, o falante con segu ir estabe lece r uma gramática ge rativa . A primeira, a competência, é constitu ída pe lo conhecimento do sistema de re gras que re gulam uma lín gua, sua gramática; a segunda refere -se ao uso, ao desempenho real da pessoa como falante da lín gua. É no espaço da performan ce que se situam as diferenças, poucas e marginais, mas, às ve ze s, suficientes pa ra co nstitu írem uma barre ira pa ra, po r exemp lo, um leitor desa visado d ia nte de um texto que e xp lora a s virtualidades da lín gu a ou cria a lém do que o sistema permite. Retomare mos esta idé ia no item 1.3 deste cap ítulo.

Queremos descre ver ainda uma atitude metodológica dos ge rativistas a qua l é bastante criticad a, mas tem fundamento. Chomsky conside ra que muitas das constru çõ es produ zida s pelos falantes são agramatica is. Ela s acontecem po r motivos alhe ios aos fatores lin gü ístico s, como lapsos de memória ou da atenção e disfunções dos mecanismos psicológico s re sponsáve is pe la fala. Por isso, os estudiosos de vem,

até certo po nto, i dea li zar os “d ados bruto s” e el imi nar do corpus t odas as e l ocuçõ es q ue os q ue empreg am a l íng ua-mãe rec on hecer iam, por f orça de s ua “competênc ia”, c om o nã o-g ramatica is. À pr imeir a vista, pode parec er q ue C homsk y se torn e, aq ui, réu d a cu lp a de c onf undir des criç ão c om prescr içã o, o q ue er a comum na g ramática trad iciona l. Ass im, porém não ocorre. [...] Chomsk y t em in dis cuti ve lme nte ra zã o q uando rec lama para a l ing ü íst ica o mesmo dire ito d e desco ns iderar “dados brutos” re conhe ci do p ara o utras ci ênc ias (LYONS, 1 973, p.3 8).

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O le gado de Chom sky ta lve z renda m ais frutos, talve z seja superado po r u ma teoria no va, o ce rto é que seus e studos influencia ram, de uma maneira ou de outra, não só lingü ística , mas as ciências humanas como um todo.

A segu ir, aborda re mos a lingua gem de Guimarães Rosa e, em seguida, apresentaremos alguns casos de recepção da obra e sua relação com a gra mática inte rnalizad a.

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1.2 LI N G U AG E M E IN V E N Ç Ã O

“... meu método... implica na utiliza ção de cada palavra como se ela tive sse acabado de nascer, pa ra limpá-la das impure zas cotidiana s e redu zi-la a seu sentido original”. A ssim Jo ão Guimarães Rosa define seu trabalho, em entre vista a Günter Loren z (1983, p.62-97). A este método Eduardo Coutinho (1983, p.203) chamou de re vitalização da lin gua gem, ressaltan do, além da singu laridade de Rosa no manejo com a lín gua, o fato de o autor e xp lora r a s virtua lidades do sistema lin gü ístico. Em outras pala vra s, Coutinho e xplica que o escrito r não in venta, nã o cria do nad a, mas ativa , magistra lmente, possib ilidades ado rmecidas do nosso portu guês,

Os estudos crítico s sobre Guimarães Rosa, como era de se espera r, são qu ase sempre unânim es em elogiar a lingua gem, marca re gistrada do autor, tão reconhecível quanto os traço s de um pintor. Como um cartão de apresentação, sua lin gua ge m encanta ou desencanta o leito r nas primeira s lin has. Algumas poucas vo zes, hoje dissonantes, considera vam-na d ifícil, rebuscada. O crítico lite rário W ilson Martins, po r e xemplo, fez o seguinte comentário sobre o autor: “ele e sconde, so b as aparências de um estilo rústico, o mais caracte rizado preciosismo literá rio. A sua “maneira ” é um “maneirismo ” (MA RTINS, apud Bolle,1973, p.19).

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Na introdu ção do livro de Mary Dan iel, Travessia Literária, o mesmo W ilson Martin s va i comentar:

Guimarães Rosa é daq uel es escr itores q ue j á nascem clás sic os. H á vár ias maneir as de ser c l ássi co, e a de le não é a d a trad içã o está ve l n em a d a im itaçã o, mas a da reno vaç ão cons ci e nte e tra ba lha da para a cr iaçã o cont ínua d e um no vo class ic ismo ( MA RT INS, 19 68, p. xi).

Como se vê, depo is que Guimarães Rosa passou a se r clássico, to rnou -se também quase unanimidade. No entanto, nessa citação já e stão dois traços a se rem rele vado s: a renovação , que remete à revita liza ção de Eduardo Coutinho, e o adjetivo trabalhada, que demonstra como sua lin gua ge m situa-se no re gistro literá rio, obrigando o le itor, segundo Michael Riffaterre, “a tomar consciên cia da forma da mensagem que ele decifra, tomada de consciência que é própria da comunicação literá ria ” (1979, apud SPERA, 1995, p.16).

Então, por mais parado xal, é no re gistro literá rio de lin gua gem que de vemos atenta r mais detidamente à sua forma, pois cada autor va i trabalhar seu te xto, inovando atra vés d e seu objeto, a lín gua, criando sua marca, seu traço particula r. E sses traços tão pessoais de lin gu agem são, em ge ral, considerado s como estilo. O termo já foi definid o de diversas man eiras. Nilce Sant´A nna Martins, em seu estudo introd utório à Estilística , re laciona as mais importantes. Para Geo rges Mo unin, as definiçõe s de estilo enca ixam-se em três grupos: as que co nsideram estilo co mo desvio da no rma, as que o julgam como ela boração e as qu e o entendem como conotação (MA RTINS, 2000, p.1). A auto ra observa que “as caracte rística s

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individuais podem incluir esco lha, desvio de no rm a, elaboração , conotação” (idem, p.2). E, dentre as definições que elenca (ibidem), escolhemos a s que mais no s interessam, todas pre sente s neste e studo de Nilce Sant´Anna Martins de 2000:

Esti lo é a q ual i dad e do en unc iad o, re sulta nte d e uma esco lha q ue f az, entre os element os con stituti vos de uma dada l íng ua, aq uel e q ue a empreg a em uma circun stânc ia determin ada. ( Marou ze au)

O esti lo é com pree ndi do c omo um a ên f ase (express i va, af etiva ou estét ica) acresce ntada à inf ormação veic ul ada pel a estrutur a li ng ü ística sem a lteraç ão de se ntid o. O q ue q uer di zer q ue a l íng ua e xpri me e o estil o realç a.(Riff aterre)

O estil o de um te xto é o co nj unto d e proba bi l ida des conte xt u ais de seu s itens l ing ü íst ico s. (A rchib al d H il l)

Para fechar a questão, a auto ra in voca no vamen te Georges Mounin (ibidem)

[o esti lo] É um f enômeno humano de g rande compl e xi dad e. É a resu ltante l ing ü ísti ca de um conj unto de f atores múltip lo s (...). Se algum dia s e cheg ar a atribu ir ao est il o uma f órmula, há de ser uma f órmula extremam ente comp l exa. T odas a s redu ç ões lap idar es da def iniç ão do est il o só podem ser e permanec er como empobrec imento s un il atera is. Não d amos ainda p or f indas as nossas tent ati vas para compreen der o porq uê do ef eito q ue certas obra s tê m sobre nós. N esta encru zi lha da ond e tal ve z compre end a mos por q ue é q ue certo po ema nos en vo l ve e no s possu i e nos toca de dete rminad a maneir a, tem q ue haver uma con verg ênc ia de c ausas li ng ü íst ica s f ormais, mas também de ca us a ps ico lóg ic as, psic ana l ític as, hi stó ricas, soc io lóg ic as, lit erári as, etc. E será in dub ita ve lme n te o conj unto q ue poderá d ar conta dessa co is a ai nda muito misteri osa q ue é a f unção poéti ca: por q ue é q ue certas mensag e ns produ zem em nós ef eitos i ncomen surá ve is com os de todas as outra s espéc ies de mens ag em q ue q uotidia nam ente rece bemos.

Este trabalho limita-se a tentar descre ve r algumas das causas formais qu e definem o estilo de Guima rães Ro sa, atra vés de

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uma análise lin gü ística de fenômenos pre sentes em se u livro Primeiras Estórias. Consideraremos o texto sob o ponto de vista da maneira como cada qua l utiliza a lin gua gem partindo do sistema, composto por “elementos formais articu lados em combinações va riá ve is, se gundo certos princíp ios d e estrutu ra, [...] tipos particu lare s d e rela ções que articulam unidades de certo n ível” (BE NVENISTE, 1995, p. 22).

O modo pessoal de cada falante utiliza r o sistema é chamado pela Sociolin gü ística de idioleto, en quanto a teoria ge rativa dá-lhe o nome de performance ou desempenho. Essa noção é necessária para a hipótese que no rteia este trabalh o: a causa da dificuldade que as pessoas têm em ler Guimarãe s Rosa. Para responder a esta p ergunta, buscamos “á gua de toda fonte”, pois

o estu do da l ing uag em human a pod e s e r in vest ig ado de um ponto de vista bi ol óg ico e d e in úmeros o utros: o soci ol ing ü íst ico, o d e l íng ua e c ultur a, o histór ico e a ssim por d iante. Cad a um a dess as ab ordag en s def ine o obj eto de sua in vestig aç ão sob a lu z de seus pró prio s interes ses; e, se f or racion al, ca da uma tentar á apreen der o q ue puder d o q ue vem d as outra s abordag en s (CHO MS KY, 19 97, p.52).

Isto significa que, durante a s aná lises, serão u tilizad os conceitos o riundos de outra s d isciplin as. Como o corpus da pesquisa é lite rário, algum ap arato teórico se o rigina de trabalho s desta área. Também serão necessá rias contrib uições da So cio lingü ística, da Filolo gia , dos estu dos bakhtin ianos.

Uma das maneiras de e xp licar os tra ços de lingua gem na obra literá ria utiliza -se da noção d e desvio lin gü ístico, oriunda da Estilística. E ste se dá a partir de uma transgressã o da norma.

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Interessa -nos ente ndê-lo a partir da gramática inte rnalizada, con ceito estabelecido por Noam Chomsky, pois esta abordagem pressupõe um confronto entre o sistema introjeta do pelo le ito r e a lin guagem desviante do te xto . Assim, a dificu ld ade de alguns em ler Guimarãe s Rosa teria origem no fato de sua lin gua gem confrontar-se com a gramática do leitor, o sistema m ental com o qua l ele trabalha cotidianamente, p ois o autor afirm a, como citado n o in ício de ste trabalho, tenta r limpar a pala vra d o desgaste do uso da lin guagem cotidiana. Da í a necessidade do pa cto, do estabelecimento de uma re gra in icial, no rte adora da leitura : estamos diante de uma lingua gem de in venção ; de ve mos, pois, rearranjar con ceito s en rije cidos em nossa mente.

A entrada no unive rso roseano é sem pre p recedida de u m estranhamento, da da a nature za mesma de sua lin gua gem. Para se guir adiante, o leito r deve ace itar os de svio s lin gü ísticos ou, em outras pala vra s, reestrutu rar sua gramática interna lizada, esta belecendo com o texto uma espé cie de cumplicidad e. Esta pressupõe que ele ative seus conhecimentos morfossintáticos para percorrer o te xto junto com o autor. De a cordo com Jeane Spera (1 995, p.13),

A ab ordag em dos te xtos de Gu imarãe s Rosa r eq uer do le itor uma “ades ão” li ng ü íst ica q ue o apro xime deste disc urso d if erente, sub vers or d o h ab it ual, da da a s ua distâ nc ia das f ormas e estruturas j á molda das da l íng ua dita nor mal.

Ora, justamente as formas e as estrutu ras são u ma maneira para pene trar no universo textua l do autor. Atravé s da análise

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das ocorrências morfossintáticas, é possíve l saborea r o texto, refletir sobre nosso sistema lin gü ístico e, finalmente, adentra r o sentido das narrativas.

Vamos, portanto, partir da gramática interna lizada pa ra desvendar o caráte r de in venção na lingua gem de Guimarães Rosa . As noções colo cadas neste cap ítulo serão mapeadas durante o trabalho atra vés de e xemplos retirado s do nosso corpus, os contos de Primeiras Estórias. As cita ções referentes ao livro se rão marcadas com PE, segu idas da pá gina em que se encontram.

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1.3 A RE C E P Ç Ã O D A OB R A D E JO Ã O GU I M AR Ã E S RO S A

A gramática intern alizada refere-se a hipóteses sob re o s conhecimentos que habilitam o falante a produ zir frases ou seqüências de pala vra s de maneira que se jam compreensíve is e reconhecidas como pertencente s a uma lín gua (POSSENTI, 1996, p.6 9). E ssa no ção, fundante na gram ática gerativa, sup õe que o homem seja dotado da capacidade da fala desde o momento do nascime nto. Assim, a capacidade de lingua gem estaria inscrita no cód igo genético da nature za humana. De aco rdo com Ch omsky, “a faculdad e de lin gua gem pode ra zoa velmente ser considerada como ‘um órgão lin gü ístico ’ no mesmo sentido em que na ciên cia se fala, como órgãos do corpo, em sistema visua l ou sistema imunoló gico ou sistema circu latório” (1997, p.50).

Nos ú ltimos anos, hou ve muita co ntro vé rsia entre os lin gü istas em re lação a essa idéia. Não eram raras discussões em congresso s opond o aque les que acredita vam no inatismo aos que preferiam as teorias que pre ga vam o meio como responsá vel pela aquisição de lin guagem. Ultimamente, ambas as p artes têm seu quinhão assegu rad o: os gramáticos gerativos, dito s formalistas, estão preocupados com o chamado “estado inicia l” de lin gua gem, enquanto os estudioso s da aquisição de lin gua gem trabalham a partir do momento em que o meio começa a a gir.

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É preciso destaca r que conco rdar ou não com a hipótese da gramática inte rnalizada vai de se ncadear visões ba stante distinta s em relação à lin gu agem. Na ve rdade , a impo rtância de Chomsky não deve se r subestim ada: todos os que estudam esta área tendem a se posicionar em re lação às idé ias d o autor. Ma ria He lena de Mou ra Ne ves, po r e xemplo, ao abordar a histó ria da gramática, comenta: “Deus não foi tão ava ro com os homens a ponto de dotá-lo s de vo z articulá ve l e deixar para Chomsky o fazê-los possu idores de uma gramática implícita” (NEVES, 2002, p.18). Ao e xplicitar a linha de análise que adota, a autora realça qu e “não explicamos determinações do sistema, isto é, não estamos no do mínio do “computacional”, po rque conside ramos qu e de va se r a va liada a operacio naliza ção das estrutu ras” (idem, p.93). Sua análise inscre ve -se, po rtan to, numa linha funcionalista.

Os gerativistas estão numa situação bastante peculiar: o principal formulador de suas teo rias, Noam Chomsky, period icamente apresenta um quad ro teórico à comunidade científica, a qual o estuda e faz críticas. Esta s são incorporadas, e surge então um novo quadro teórico. A conseqüência mais perceptíve l dessa din âmica é uma constante reno vação na abordagem dos gerativista s em relação a seu objeto de estudo.

Num primeiro momento, a teoria ge rativa apresen tou um arcabouço que b usca va descre ver a lín gua sob retudo sintática e morfologicamente. No B rasil, o resultado desta linha pode ser encontrado na obra de Ingedo re Koch e Maria Cecília Pere s,

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Lingüística aplicada ao Português: sintaxe (1983), em que apresenta vam, de maneira bastante clara, os p rimeiro s princípios de sta gramática.

Este arcabouço teórico é conside rado hoje, parado xalmente, fundamental e ultrap assado. Isso po rqu e é um modelo tão importante qu e alguns de seu s conceito s foram incorpo rados inclu sive por aque les que não segue m a linha formalista. Noções como determinante e modulador podem ser encontrados entre vários estudiosos. Entre tanto, Chomsky já apresentou um outro modelo teórico conhecido como “Princípios e Parâmetros”, em que os conceitos anterio res funcio nam como pressupostos, quase instrumentos operaciona is, mas o que se busca agora são o s p rin cíp ios gera is d a faculdade de lin gu agem. É a tentativa de se mostrar que todas as lín guas são “va riações sob re um mesmo tema”, re gistrando suas propriedades de so m e sentido, as qu ais são superficialmente diversas.

Mesmo com todo este desen vo lvime nto, a idé ia de u ma gramática p resente na mente de cada falante ainda é vá lida. E la se manifesta atra vés de re gras mentais, dedu zidas a partir de uma pequena amostra da lín gua. É po r isso que oco rrências conside radas erro pe la gramática normativa são plenamente compreensíve is e justificá veis para a gramática in ternalizada. Po r exemplo, uma exp ressão como “eu fazi xixi” o corre porque o falante já tem interna lizada a re gra que ind ica que ve rbos de 2 ª. con jugação fa zem o pretérito pe rfeito p ara a 1 ª. pessoa e xclu indo do tema o morfema –e e adicionado o morfema –i, como em beber->bebi. Portanto, para que

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este falante, pro va ve lmente uma cria nça, assimile a e xceção – fazer -> fiz - , será preciso que um outro o ensine, já que esta forma contraria o que seu sistema mental formalizou. Nesta fase infantil, vão-se consolidando as formações que serão crista lizadas à s ve ze s pa ra o resto da vida, pode ndo, inclu sive, gerar estranhamento na ve lhice.

No conto “A men in a de lá ”, Nhinh inh a, a prota gon ista, de quatro anos, pergu nta para o narrado r: “Ele te xurugou?” (PE , p. 19). É um neologismo, de difícil solução, no entanto respeita as re gras do portu guês: o p retérito pe rfeito de 3ª. pessoa de ve rbos de 1 ª. conju gação é feito partindo -se do tema, excluindo o morfema –a, acrescentando-se o morfema –ou. Percebe-se que e sta re gra já foi intro jetada por Nh inhinha.

Na verdade, o asp ecto socia l da lin guagem vai-nos co mo que aprisionar em uma “camisa-de -força” lin gü ística. Ed ward Lopes, ao descre ve r a teo ria de Saussure, e xplica:

Por ser um b em s oci al, um contrat o col eti vo, a l íng ua pree xiste e s ubs is te a c ada um d e se us f ala ntes ind i vid ua lmente co nsi derad os: cad a um de nós j á encontra, a o nas cer, f ormada e em plen o f uncioname nto, a l íng ua q ue d e verá f alar. A soci eda de nos imp õe a sua l íng ua como um c ódig o d o q ua l no s de vemos ser vir obrig ator iamente s e desej amos q ue as mensag ens q ue emitimos s ej am compreend id as.(LOP ES, 1993, p.77).

Após algum tempo, deixaremos de a gir tão livremente e m relação à lín gua como quando estávamos em sua fase inicial. Um exemplo bastan te elucidativo é a atitude com relação aos neologismos: depois que assimilamos quais morfemas “se rvem” pa ra tal vo cábulo, raramente ace itamos que um mesmo significado seja e xpresso de outra

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maneira. Se o habitual é dize r chuvoso, ao ouvirmos chuvento, tendemos ao estranhamento, ainda que, “pelo simp les fato de que se compreenda um complexo lin gü ístico, [..] tal seqüên cia de termos constitu i a e xp ressão adequada do p ensamento” (BE NV ENISTE, 1995, p.162).

Um artigo da Re vista Leitu ra, editad a no Rio de Jane iro, com o cu rio so títu lo “Escrito res que n ão conse guem le r ‘Grande Se rtão – Veredas’”, é uma das poucas de monstrações púb licas por escrito desta dificuldade e, como se sabe, “a pala vra imp ressa tem a maior eficácia”, se gundo Guimarãe s Rosa, em entre vista a Günter Lo ren z (LORE NZ, 1983, p.63). A publica ção é de 1958, época em que, aparentemente, o autor a inda não e ra tão famoso. O te xto começa com a segu inte introdução:

Rece bemos, co ns tantemente, carta s de le itores q uei xan do-se de q u e não c onseg uem le r, ou ir até o f im na le itura das ob ras do escr itor G uimarã es Rosa, sobretud o os l i vro s “Grande Sertã o: V e redas” e “ Cor po de Baile”.

Comun ica ndo o f ato a vár ios bon s e scritores, também ele s têm-nos dec l arado q ue enc ontr aram a mesma dif icu lda de em sua s inf rutíf eras tentat i vas p ara l er o f iccion ista d e “Sag arana” l i vro q ue c ons ideram, q uase todos, de le itura ma i s acess íve l.

Ass im, se, p or um lad o, há escr itore s como C a va lca nt i Proenç a, Os wal di no Marq ues, T ristão de Ata íde e da Costa e Si l va, q ue t ecem os mai ores en cômios à obra de Guimarães R osa; s e há outros q ue e mbora lhe f açam pesso al e re ser va da mente as mai ores re striçõe s, cont udo, de púb l ico, não h esitam em ena ltec er-lhe os mér itos reneg ados; se há também os q ue tendo outror a disc ordad o, por es se ou aq uê le mot i vo, p assar am a elog i á-l o de tal ma n eira q ue até j á s e es q ueceram de q ue e por q ue a c ombat iam; há n o ent anto bons e scritor es , senão anti-“ Sag arana”, mas ant i-“Grande Sertã o: ver edas”, ant i-“Cor p o de Ba il e”, desde a primeir a hora e sempre d ispost os a anunc iar s uas d ecep ções.

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São op in iõ es de ta is escr itores q ue a q ui passamos a di vulg ar, ape nas co m o propós ito de m ostrar aos no ssos le itores, q ue nos es cre vem com o mes mo prob lema, q ue também aq ueles nã o lêem ou nã o pod em ler “Grandes Sertões – Vered a”.(p .50-A)

Antes de apresentarmos os depoimentos dos escrito re s, vo ltemos à introdu ção do artigo. O suposto jo rnalista, uma ve z que a matéria não está assinada, tem total libe rdade de justifica r sua abordagem por meio de uma suposta necessidade dos leitore s. E xiste, subentendida, uma cumplicidade entre as inúmeras pessoas que não conseguem ler certas obras de Guima rães Rosa.

O te xto foi mantid o ipsis litteris para que se pudessem notar as várias maneiras com qu e o autor grafou Grande Sertão: Veredas. Se Guimarães Rosa, um dedicado revisor de seus próprios livros, leu o artigo, certamente terá dado boas risadas ao constatar as inconsistências ed itoria is.

No total, a matéria ap resenta 13 depoimentos. Destaca remos os mais rele vante s, dois deles de escritores conhecido s em nossos dia s e u m de um romancista hoje pouco conhe cido:

BAR BOS A LI MA SO BRIN HO

- “Grande S ertão – Ver edas” é u ma imita ção de ULY SS ES, d e Jo yc e, e sof re, conseq üentement e, dos males de to da im ita ção. Para n ós, não podemos d ei xar de co ns iderá- lo com o uma l iteratura artif ic ia l, porq ue mal conseg ue comu ni car aos outros o pens amento do seu autor. É pos s íve l q ue aq uêle s vocá bu lo s raros e xistam, inc lus i ve q ue a sua maior ia sej a us a da no l ing uaj ar daq uel a reg iã o, mas , tal f ato, não in val i da o q ue af irmei sobre a f alta de re c epti vid ade p or parte dos l eitor es. – Em f avor do autor d e “Grande Sertão – Vered as” pod e-se adu zir o d esej o de enriq uec er a no ss a l íng ua c om a introd ução d e cert os vo cáb ul os. P or ém só o temp o poderá dar ra zã o a o autor, caso venh a a inc orporar à

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nossa l íng u a ta is e xpr essõ es usad as na s ua obra de f icção (idem).

O jorna lista Ba rbo sa Lima Sobrinho começa seu te xto de maneira bastante intempestiva, mas depois ap resenta reflexões mais pertinentes. Sua afirmação de que Guimarães Ro sa imita o irlandês James Jo yce se rá vista como afinid ade pelos concretistas, que vão coloca r ambos os e scrito res na mesma escola e stética.

Embora critique a lin gua gem de Guimarães po r ser artificial e ju stifiqu e suas pala vra s pela falta de comunicação com o leito r, ao referir-se ao lé xico, Ba rbosa Lima Sob rinho demonstra uma boa percepção do trabalho do escritor. Intu i que a lguns vocábulo s são raro s, outros re gio nais, e não os co nsidera todos neo logismos, como costuma acontece r com leitores m enos afeitos aos processo s de formação de palavras. Membro da Academia Brasileira s de Letras, à época já tinha publicado o livro A Língua Portuguesa e a unidade nacional, o que confirma sua dedicação ao assunto.

FER REI RA G UL LA R

Ferreir a Gul lar, o j ovem poeta concr e tista, cr ít ico de artes plá stic as do sup lemento d omin ic al do J ornal do Brasil , dec laro u:

- Li 7 0 pág i nas d o Grande Sertã o: Ver e das. N ão p ude ir adiante. À e ssa a ltur a, o livro começo u a parec er-me uma histór ia de cang aç o conta da para os l i ng üistas. Pare i, mas sempre f ui um péssimo le itor de f icç ão (ib id em).

O escrito r, à época considerado um jo vem poeta concretista, em seu depoimento redu z o romance d e Guimarães Rosa a uma história de canga ço. Certa mente, hoje em dia se manifestaria de outra forma,

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mas sua obse rvação coincide, a inda hoje, com comentários da queles que conhece ram su a obra atra vés de resumos da Internet.

PER MÍ NIO ÁSFOR A

- T enho pe lo Sr. Gui marães R osa a sim p atia pess oa l q ue ele me merece p elo n osso peq ue n o mas caloros o conhe cime nto, a lém do resp eito q ue me in sp ira pe la sua audác ia em pret end er criar a lg uma co is a no va em n ossa lit eratura – o q u e até certo po nto co nseg ui u, se cons iderarmo s a repercuss ão a lcan çad a por seus l i vros. Di ante do s seus f amosos “Corp o de Bai l e” e “Grande Sertão: Ver edas” s i nto-me um analf abe to. Várias ve zes tenho-me pre parad o para g ozar as d el ícias dess e no vo mundo, mas me en g ancho miser à ve lmente oit o ou de z pág inas ad iante.

Quer me p arecer - sem q ue ist o impl iq ue em desco nsi deraç ão à o bra – q ue o número dos e le itos é b em peq ueno. Até hoj e não e ncontre i um l eitor c omum q ue conseg u isse tra du zir a l ing uag em dess e podero so es critor mine iro. T odos se q uei xam da mesma d if icul dad e; todo s acham q ue a l íng ua é estran ha e e xtra vag ant e a s inta xe (idem, p.58- A).

Durante a pesqu isa , encontramos tam bém os depoimento s de dois escrito res contemporâneos, muito diferentes entre si. Pedro Bial, jorna lista e autor do filme Outras estórias e do documentário Os nomes do Rosa, em entrevista a Marcos Cesana, da Revista Cult, afirmou:

- Quanto ma is o Gu i marães Rosa f or li d o, melh or. E le é um autor s ensacional [...] As pess oas t êm de parar c om essa impr essã o de q ue o Rosa é um a utor dif íci l. E le é um prazer (CE SA NA, 1999, p.9).

Já o escrito r Cristóvão Tezza, p rofessor na Un ive rsidade Federal do Paraná, em entrevista publicada em O Estado de São Paulo re vela : “Jamais co nsegu i gosta r de Guimarães Rosa. Ca rre go a té hoje o peso dessa vergo nha” (TEZZA, 200 6, p.D14 ). Esta afirmação su gere

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que, afinal, é emba raçoso confessar a dificuldade de ler e de gosta r das obras do auto r, pelo menos publicame nte.

A se guir, ap resen tamos alguns con ceitos teóricos que serão necessá rio s para as análise s dos contos de Primeiras Estórias. Já que, a lgumas veze s, os te xtos su ge riam dois momentos de análise – um morfológico e outro sintático -, o ptamos por manter esta divisão na fundamentação teórica , lembrando que e la é artificial, uma ve z que, durante o estudo da lín gua, trabalham os em um terreno morfossintático, em um constante movimento de vai-e-vem. O processo é semelhante ao movimento de scrito por Flá via Ca ro ne a re speito da descrição das lín guas, a qua l

de ve c ond u zir à s i stemati zaç ão e à clas sif icaç ão de todos os s eus aspecto s, inc lus i ve dos recurs os g ramaticais d e q ue o sistema d ispõ e, q ue lhe pos si bi l itam entrar em processo . Como se vê, ess e trabal ho va i e vo lta: p arte da o bse rva ção d o proc esso para cheg ar a o conhe cime nto do s i stema: Ess e c onh e cimento, por sua ve z, permit irá a c ompreens ão d o proce ss o em todo o s eu din amismo (1 991, p. 17).

Assim também os fenômenos morfológicos a liam -se aos sintáticos e uns pe rmitem compreend er os outros. E, e m nossa análise, é preciso não e sque cer do le ito r que, olhando p ara os fatos morfossintáticos, terá acesso facilitad o ao sentido do te xto.

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1.4 AS CAT E G O R I AS MO R F O S S I N T Á T I C AS

1.4.1 Neologis mos

Os neolo gismos sã o definidos como o elemento resultante do processo de criação le xica l (AL VES, 1990, p.5). Nos te xtos de Guimarães Ro sa, certamente, espera-se encontrá-los às dúzias. De fato, em todos eles, e xistem vo cábulos que podem ser classificado s desta maneira. O que espanta é que, sempre que se co meça abordar o lé xico para a análise, arro la-se um número grande, que se vai re vela r uma armadilha para o estudioso. Este fenômeno já tinha sido abordado em minha disse rta ção de mestrado ( PACCA,1997 ) sob re a tradução francesa de “Orien tação”, conto do livro Tutaméia, e as observações que se se guem foram baseadas neste estudo.

Na co leta de dado s, a lista in icial d e vocábulo s a serem pesqu isados pe rfazia 67. Depo is da análise, confirmaram-se 34, número suficiente para manter o ca ráter de in venção de Guimarães Rosa, mas quase a metade do que a percepção p rime ira su geria. O mesmo já tinha ocorrido durante a pesqu isa de Elian a Amarante de Mendonça Mendes, que analisou a tradução dos ne ologismos em Grande Sertão: Veredas: numa listagem inicial, foram detectadas 2281 pala vra s “desconh ecidas, du vidosas ou de alguma forma suspeitas”

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(1991, p.64 ). Dep ois de pesquisa em dicioná rio s, com informantes contadores de histórias da re gião dos Gerais e na correspondência de Guimarães Rosa com seus tradutore s, depositada do Acervo Guima rães Rosa do Instituto de Estudos Brasile iros da Unive rsidade de São Paulo, a lista gem foi re duzida a 942 ite ns, ou se ja, men os da metade encontrada in icialm ente.

Quais se riam as razõe s deste fenômeno? Mendes aponta a e xistência de u m “efeito neoló gico”, definido como uma pala vra que existe num determinado re gistro , mas que não é reconh ecida po r quem não domina este re gistro, o que não caracte riza neo lo gismo, mas causa um efeito neológico. Em outras pa la vras, pa ra o leito r, o lé xico contido no texto é no vo, pois não está intern alizado, po rtanto não está ativo e não é reconhe cido como pertencente ao sistema. No vam ente vemos um desnível entre as possib ilidades da lín gua e a gramática presente na mente de cada falante, estabe lecid a como re gra, fossilizada como única.

A posição do autor em re laçã o aos neolo gismos demonstra uma atitude liberta em relação à lín gua, opo sta à descrita anterio rmente, que se aprisiona na camisa-de -força do sistema. Esta idéia pode se r pe rcebida na passa gem que se se gue:

Quanto aos n eo log ismos... é certo q ue o dic ion ário é ins uf icie nte, mas nã o ten ho a m ín ima pr etensã o d e cr iar pal a vras no vas p ara o p o vo e p ara a l íng ua. Meu neo log ismo tem a vi da do momento em q ue de le pre cis o (apud D ANI EL, 19 68 , p.34)

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Pode-se notar o d esprendimento do autor em rela ção às pala vra s: se p recisa de uma delas, n ão diciona rizada, mas passíve l de compreensão pelo falante, Guimarãe s Rosa a inclui e m seu trabalho. Então, entre os n eologismos, pode mos achar apenas derivados ou, simplesmente, e xp ressõe s ligadas po r h ífen que, embora não constem do dicioná rio, e stão latentes no lé xico e são utiliza das porque são necessárias ao con texto que está p rop osto.

Outra justificativa para o fenômeno é o grande dom ínio le xical de Gu imarã es Rosa. Entre o léxico pessoal do a utor e do leitor existe uma grande diferença. Na ve rdade, ao cria r seu s neolo gismos, não raro o autor ultrapa ssa as virtua lidades da lín gua, “conferindo às suas cria ções caracte rísticas pró prias” (MENDES, 1991, p.70), utilizando p rocesso s sui generis de criação lexical. Muitas vezes não se consegue definir e xatamente o percu rso feito pelo autor para cria r o neologismo, sina l de que as interpretações passam pelo subjetivo . Aliás, o p róp rio a utor, em correspo ndência com Edoardo B izarri, o tradutor ita liano d e suas ob ras, afirma, a propósito d e uma dúvida: “Tudo deve ser ca cho de acorde s. Como no xad re z, a boa jogada de ve ter mais de uma finalidade ou causa” (BIZZARRI, 198 1, p.43). Esta afirmação demonstra que o próp rio auto r sabia das inúmeras possib ilidades de leitura que um te xto comporta, e até tinha a intenção de acentuar esta caracte rística. Também confirma o ca rá ter lúdico com que Gu imarães Ro sa encara va seu trabalho: um jo go in teligente, como o xad re z, e passível de muitas combinações, dependendo do parceiro.

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Dissemos que o autor, às ve zes, ultrapassa as virtualidades da lín gua. Esta afirmaçã o é diferente do ponto de vista de Eduardo Coutinho, citado no início d este trabalho, o qual afirma que Guimarães Rosa o pera uma re vita liza ção da lin gua gem, exp lorando as virtualidades do sistema lin gü ístico, ativando suas possibilidades, mas não ultrapassando a barreira do prová vel. De fato, esta tem sido tradiciona lmente a opinião dos que o analisam. Em um trabalho intitu lado “Gu imarães Rosa e a terceira ma rgem da criação le xica l”, Luiz Ca rlos de Assis Rocha, estudio so da Morfolo gia Gerativa, afirma que “grande parte das criações vocabulare s de Guimarães Rosa ultrapassa não só os limites da no rma le xica l, como também do sistema morfológico da lín gua po rtu guesa” (1 998, p. 81), o que seria bastante arro jado. Rocha relembra a op iniã o de Ma ry Danie l, pa ra quem Guimarães Ro sa “permanece sempre fiel ao ‘espírito d a lín gua ’ com o qual traba lha” (196 8, p.40).

Uma leitura muito interessante da lingua gem de Guimarães Rosa, que, embora abord e sua obra de um outro ponto de vista, reforça seu caráter de in venção, encontra -se no te xto de Augusto de Campos, “Um lance de ‘Dês’do Grande Sertão ”, e m que o autor argumenta:

... os g randes co nte údos do Grande S ertão, como os de Jo yce, se r eso l ve m não só atra vé s da, mas na li ng uag em. Esta n ão é mai s um a nima l d omésti co atrela do ao ve ícu lo da “estóri a”, ind if erente ao s seus conteú dos. Ide ntif ic a-se, is omorf icamen te, às carg as de conteú do q ue c arreg a, e pa ssa a va ler, a o mesmo tempo, como te xto e com o prete xto, em s i mesma, para a in vençã o e stétic a, assum ind o a in ic iat i va do s proced imento s narra ti vos. (19 83, p. 321).

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O autor refere -se a James Jo yce, escrito r inglês qu e, como Guimarães Rosa, também era um criador de lín gua, “o e xemplo mais abso luto do romancista-in vento r” (idem, p.322), a quem o escritor mineiro foi com parado no a rtigo da Re vista Leitura citada anterio rmente. Em sua análise, Au gu sto de Campos toma por ba se uma teoria que considera o uso da lingua gem como pro cedimento estético , que re vela uma atitude de expe rimentação narra tiva .

Para p ro var que, n o campo da cria çã o le xica l, Gu imarã es Rosa rompe não só com a norma, mas com o sistema da língua , Luiz Carlos de A ssis Ro cha cla ssifica os vocábulos que e le u tiliza em:

− vo cábulos concretos, que são formações já e xistente s na lín gua

portu guesa, já dicionarizada s, mesm o que utilizado s p or grupo s restrito s (ROCHA, 1991, p. 84). Seria a margem concreta, que concebe o lé xico re al;

− vo cábulos a inda não-e xistentes, possíveis de serem criados a

partir das re gras morfológicas, como as Re gras de Fo rmação de Pala vra s (RFP), d escritas pe la Morfologia ge rativa. Um exemplo seria a RFP que indica que um substantivo determ in ado pode ge rar um de rivado com o sufixo –e iro. Segundo Rocha, e sta se ria uma regra consa grada pelo sistema “porque formam-se no vas pala vra s no po rtu guês atual com essa re gra , que por sua ve z, é fixada com base na relação parad igmática: verdura – verdureiro, relógio – relojoeiro, vaca – vaqueiro, cavalo – cavaleiro” (1998, p.86).

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Cada uma destas regras não é p lena mente produtiva, ou seja, este s vocábu los podem ocorrer, mas sua produtividade está na dependência das condições de p rod ução efetiva s no sistema, o que significa que os falantes de vem te r necessidade de criá-los, sob o ponto de vista pra gmático.

Em rela ção ao trabalho de Guim arães Rosa, Rocha pondera que o escrito r utiliza dois tip os de formações: a s criada s pa ra concorrer com produtos dispon íve is na lín gua e a quelas que preenchem lacunas dentro do sistema.

As primeira s te ria m por objetivo da r novo brilho a um a formação já destacada pelo uso. Assim, em Pirlimpsiquice, por exemplo, o prota go nista, na rrando sua expe riência tea tra l, diz:

O minuto p arou. Ri a m, diante de m im, a os mi lhare s. De l á, da f ila dos padr es, f azi am-me g estos: de orde ns e de perg untat ivida des (PE, p.39).

O neologismo perguntatividade é passível de ser formado, ou seja, e xiste a condição de pro dutividade, mas n ão existe como vo cábulo real na língua po rque “a ca sa que esse item lexica l poderia ocupar já está de vidamente ocupada”(ROCHA , 1998, p. 90). Então as condições de p rodução estão blo queadas, pois já existe o te rmo pergunta para ocupar este espaço. A conclusão é que Guimarães Rosa não respeita o blo queio e aciona tod as as cond ições d e produtividade. Portanto, nesse ca so, Ro cha afirma que o auto r m ineiro está “fora da norma, embora dentro do sistema” (idem).

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Do ponto de vista do leito r, o neolo gismo do narrador d e Pirlimpsiquice ajuda a compor o personagem, pois leva-nos a deduzir que ele está le van do muito a sério se u papel. Obrigado, na última hora, a substitu ir o ator principa l, o menino sente-se importante, mas temeroso. Por isso a in venção, perguntatividade, que soa mais erudita do que o vocábu lo disponível no léxico – pergunta -. ajustando-se melhor à situa ção descrita: os padre s dirigindo -se, aflito s, a ele, alçado à condição de figura centra l do enredo .

O segundo tipo de formação lexica l operada por Guimarães Rosa, a inda no terreno do possíve l, preenche as lacunas do sistema. E ste tipo de criação não é incomum entre a s criança s. No mesmo Pirlimpsiquice, o protagonista, em meio às palmas da platéia que vira o teatro in ventado dos menin os, pondera: “Cada um de nós se esquece ra de seu mesmo, e estávam os transvivendo...” (PE, p.41). O ve rbo é no vo, mas vem p reencher u ma casa le xica l va ga, atra vés de uma formação morfológica a ceita pe lo sistema: prefixo trans- + verbo. No vamente o autor está fora da norm a, mas dentro do sistema.

Por fim, fechando a classificação de Rocha, apare cem:

− vo cábulos que co ntrariam as re gra s de formação do sistema, os

quais constituem o chamado lé xico interdito.

Conside ra-se um neologismo irre gular a quele que nã o obedece às Re gra s de Fo rmação de Pala vra s. Po r e xe mplo, o sufixo – vel é anexado a verbos transitivos para formar adjetivos (louvável,

Referências

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