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"Mediocres domos et humiles habeant fratres nostri"

São Domingos, Constituições474

As principais Ordens Mendicantes475 durante a Idade Média são os Franciscanos (e a

sua vertente feminina, as Clarissas), os Dominicanos, os Carmelitas476 e os Eremitas de

Santo Agostinho ou Agostinhos477, ordens cuja existência foi devidamente sancionada no

Concilio de Lyon em 1274. Posteriormente foram fundadas novas ordens ou novos ramos das já existentes (como os Capuchinhos em 1525), mas extravasam já do período cronológico em análise.

474 Mediocres domos et humiles habeant fratres nostri, ita quod nec ipsi expensis graventur, nec alii

seculares vel religiosi in nostris sumptuosis edificiis scandalizentur ("Que os nossos irmãos tenham casas modestas e humildes de forma a que nem eles se sobrecarreguem com despesas, nem outros – seculares ou religiosos – fiquem escandalizados com os nossos edifícios sumptuosos"), Constituições de 1220, cit. in R. Sundt, "Mediocres domos et humiles habeant frates nostri: Dominican Legislation on Architecture and Architectural Decoration in the 13th Century", in Opus Cit., pp. 396 e 405.

475 “A designação de ordens mendicantes é uma denominação económica curiosa que designa não

directamente a mendicidade, mas a recusa de uma economia em curso: a feudalidade com os seus benefícios e as suas propriedades dominiais. É o critério da sua ruptura e da sua marginalidade”, P. Chenu, “L’ Athéisme Méthodologique. Saint Thomas d’ Aquin”, in Philosophie et Religion, Paris, 1974, p. 83, cit. por Mª C. Pacheco, “Franciscanismo e Pensamento Filosófico na Idade Média”, in Separata do Boletim do Arquivo Distrital do Porto, Porto, Arquivo Distrital, 1982, p. 8. No século XVII Fr. A. Brandão definia o conceito de ordem mendicante da seguinte forma: “São as Ordes Mendicantes as que professaõ pobreza não só nos particulares, mas ainda na comunidade, & se sustentão de esmolas. E posto q hoje, tirando a de São Francisco, as outras três tenhaõ ja rendas nas comunidades, todauia algum tempo goradaraõ este estilo.”, Quarta Parte da Monarchia Lusitana, Livro XIII, Cap. IX. Da instituição das quatro Ordens Mendicantes, e da Ordem da santissima Trindade. Mostrase o grade bem que tem causado na Igreja, Opus Cit., p. 85a. Sobre as ordens mendicantes em geral ver "Ordres Mendiants", in Agnés Gerhards, Dictionnaire Historique des Ordres Religieux, préface de Jacques Le Goff, Paris, Fayard, 1998.

476 O fundador da Ordem é São Bertoldo, antigo cruzado, que em 1156 começa a viver como eremita no Monte Carmelo, na Galileia. Entre 1205 e 1214, o seu sucessor, Brocardo, recebe de S. Alberto, patriarca de Jerusalém, uma Regra, que Honório III confirma em 1226. Em 1254 tornam-se uma ordem mendicante. Sobre os Carmelitas ver José Mª Moliner, Espiritualidad Medieval, Los Mendicantes, Burgos, Facultad Teologica del Norte de España / Editorial El Monte Carmelo, 1974

477 Entre o século XII e o século XIII surgem diversas congregações de eremitas e monges que seguem a

Regra de Santo Agostinho e que o Papa Inocêncio IV procura centralizar, a partir de 1243. Em 1256, data habitualmente aceite para a fundação da Ordem, o Papa Alexandre IV confirma a união das várias congregações através da bula Licet Ecclesiae. Sobre os Agostinhos ver José Mª Moliner, Espiritualidad Medieval, Los Mendicantes, Opus Cit.

Optou-se, neste estudo, por abordar exclusivamente as contruções dos franciscanos, clarissas e dominicanos, por serem, claramente, as mais numerosas e nos parecer que constituiam um núcleo suficientemente vasto para tentar estabelecer um (eventual) modelo mendicante.

A sequência de análise das Ordens e suas construções inicia-se com a Ordem dos Frades Menores. Embora São Domingos tenha começado a pregar em 1206, a fundação da Ordem Dominicana dá-se apenas em 1215, passando, a partir de 1216, a seguir a Regra de Santo Agostinho. São Francisco, por sua vez, começou as pregações também em 1206 e, em 1209 é elaborada uma primeira Regra para a Ordem; apesar da Regra definitiva e da aprovação papal virem apenas uns anos mais tarde, podemos aceitar o ano de 1209 como o ano de nascimento dos franciscanos. Esta datação confere aos frades menores uma precedência face aos pregadores. É a esta precedência que se deve a opção de iniciar o estudo das construções mendicantes com esta Ordem.

Em contraste com as Ordens Monásticas, cujas regras estabelecem uma obrigatoriedade de clausura e isolamento, as Ordens Mendicantes procuram desde sempre aproximar-se dos espaços urbanos, procurando o contacto directo com as populações. Mantendo, como não poderia deixar de ser, uma componente de oração comum às Ordens Monásticas, o objectivo fundamental é, porém, a evangelização e a pregação, objectivos que obrigam a essa integração nas cidades. “A criação das Ordens Mendicantes corresponde da forma mais adequada possível às novas necessidades nascidas da evolução material e mental das sociedades ocidentais; são ordens de vocação especificamente urbana, profundamente implantadas no meio laico envolvente e prioritariamente votadas à pregação.”478 Os motivos que possibilitaram o nascimento e expansão destas ordens são de

natureza politica e social e vão do desenvolvimento das cidades, com uma população em crescimento e necessitando de um acompanhamento espiritual cada vez mais próximo, ao alastrar de heresias diversas (nomeadamente e, sobretudo, a heresia cátara), resultante de um descrédito e descontentamento crescente relativamente à Igreja e seus representantes, que facilitou igualmente a implantação mendicante. Estas circunstâncias, embora distintas, interligam-se - o crescimento urbano catalizou uma inadaptação das ordens monásticas

tradicionais e do clero secular, abrindo espaço para as ordens mendicantes, que, por sua vez, pelas suas características intrínsecas, mas também pelas circunstâncias excepcionais de desenvolvimento urbano e incapacidade de resposta do clero tradicional, se vão inserir e procurar adaptar aos núcleos citadinos479.

3.1. Ordem de S. Francisco ou dos Frades Menores

O fundador da Ordem dos Frades Menores, São Francisco480, nasceu em Assis em

final de 1181 (ou princípios de 1182), proveniente de uma família abastada, sendo o pai, Pietro di Bernardone, um rico mercador de panos.

A sua conversão começa, em 1205, na sequência de uma (primeira) visão, após uma vida até aí idêntica à de outros jovens abastados da região, incluindo a participação na guerra entre Assis e Perugia481. Em 1206 veste-se com o hábito dos eremitas e começa a

reparar a igreja de S. Damião em Assis, resolvendo abandonar a vida que até então levava e iniciar uma vida de pobreza e despojamento. Rompe com a família, renuncia aos seus bens e dedica-se à “imitação de Cristo” (adoptando como veste uma túnica atada com uma simples corda), começando a pregar apesar de não ter uma formação teológica. Rapidamente reúne à sua volta alguns discípulos, tornando-se então necessária a elaboração de uma Regra, que viria a obter aprovação (oral) do Papa Inocêncio III, em 1209 . É, na verdade, a primeira Regra de São Francisco, que infelizmente não chegou aos nossos

479 A relação entre o desenvolvimento das cidades e das ordens mendicantes foi analisado, para o território francês, por Jacques Le Goff no artigo “Ordres Mendiants et Urbanisation dans la France Médiévale”, in Annales E.S.C., nº 4, Julho-Outubro 1970.

480 Para uma biografia do santo ver Franco Cardini, São Francisco de Assis, Lisboa, Editorial Presença, 1993 e o artigo "François d' Assise (saint), in Dictionnaire Historique des Ordres Religieux, Opus Cit., pp. 261/264.

481 Em 1202, Francisco participa na batalha da Ponte de San Giovanni, onde é feito prisioneiro. Em 1203, encontrando-se doente, é solto e regressa a Assis, prolongando-se a sua convalescença pelo ano de 1204. Em 1205 ainda se junta ao exército do Papa que combate na Apúlia, mas em Espoleto uma visão impele-o a voltar a Assis.

dias482

, mas que se pensa (pelo que, posteriormente, o próprio Santo diz sobre ela) que seria composta essencialmente por textos evangélicos, não possuindo uma organização jurídica. É o próprio São Francisco que irá escolher a designação de menoritas para si e seus companheiros. À medida que o número de irmãos crescia e que a ordem se espalhava pela Europa (após o Capítulo Geral de 1217 que determinou as primeiras missões para além dos Alpes483), tornou-se também evidente a necessidade de estabelecer uma hierarquia interna.

Paralelamente, aumentavam as dissidências internas na Ordem (nomeadamente a nível da concepção de pobreza que alguns franciscanos, como Santo António e São Boaventura, consideravam que deveria ser entendida de forma mais lata484). Estes motivos levam São

Francisco a redigir, em 1221, uma segunda Regra, aceite no Capítulo Geral desse ano. Esta Regra é habitualmente designada como Primeira Regra, uma vez que é a primeira das duas existentes actualmente (o texto de 1209 perdeu-se, como se referiu). A designação é, porém, incorrecta dado que não foi, na realidade, o primeiro texto elaborado pelo Santo com cariz de regra; para além disso, não foi sancionada pelo Papa, o que lhe retira o valor legal em termos de documento válido dentro da Ordem. O correcto, por conseguinte, seria chamar-lhe Regra não bulada. Trata-se de um texto mais específico que o de 1209 e que possui uma maior componente jurídica, tendo São Francisco, provavelmente, sido ajudado na elaboração desta regra por Cesário de Espira [c/1150 - c/1232]. Estabelece-se, assim, a obrigatoriedade de celebração de capítulos gerais e provinciais485

(que, aliás, já existiam,

482 Sabemos, porém, pelo próprio Santo que ela existiu. “E depois que o Senhor me deu o cuidado dos

irmãos, ninguém me ensinava o que eu devia fazer, mas o mesmo Senhor me revelou que devia viver segundo a forma do Santo Evangelho e eu assim o fiz escrever em poucas e simples palavras e o Senhor Papa mo confirmou”, São Francisco, Testamento, 14-15, in S. Francisco de Assis, Escritos – Biografias – Documentos – Fontes Franciscanas, introduções de Fr. David de Azevedo, OFM, tradução de Fr. Armando Vaz da Mota, OFM, Braga, Editorial Franciscana, 1982, pp. 157-158.

483 Estes primeiros irmãos ficam sob a obediência de um ministro, numa espécie de “províncias pessoais”. No

capítulo geral de 1219 são criadas as províncias territoriais sistematizando um pouco mais a organização institucional da Ordem. Portugal fica englobada na Província das Espanhas, que incluía os cinco reinos cristãos da Península Ibérica. Entre 1232 e 1239 esta Província desdobrou-se em três, Aragão, Castela e Santiago, esta última também designada Província de Portugal, porque abrangia o território português.

484 Esta questão gerou uma controvérsia constante na Ordem e foi uma das causas que levou à separação entre os zelanti (zelantes ou espirituais), aqueles que zelavam pela estrita observância da Regra (e que mais tarde foram designados Observantes) e os relaxati ou frate de communitate (frades da comunidade), que defendiam algum “relaxamento” (posteriormente designados Conventuais).

485 “Todos os anos na festa de S. Miguel cada um dos Ministros se poderá reunir com os seus irmãos, onde bem lhes parecer, a tratar das coisas que se referem ao serviço de Deus. E todos os Ministros, os que vivem

embora de forma menos rígida) e estipulam-se uma série de patamares hierárquicos: para além do Ministro486 geral, instância máxima entre os franciscanos (definida no capítulo

geral de 1217), as províncias passariam também a ser dirigidas por ministros e os conventos por “guardiães”. Esta regra não teve, porém, a desejada aprovação papal, aparentemente devido à desaprovação da mesma por uma vertente interna da Ordem, situação que levou à redacção da terceira Regra487, em 1223, por vezes erroneamente chamada Segunda Regra.

A regra de 1223, Regra Bulada, foi escrita com a ajuda do cardeal Hugolino [1160-1241] (que o Papa havia designado protector da ordem a pedido de Francisco, em 1220) e torna-se a regra definitiva dos franciscanos ao obter, a 29 de Novembro do mesmo ano, a aprovação do Papa Honório III, através da bula Solet annuere.

Após a aprovação da regra, São Francisco passa a levar uma vida cada vez mais retirada, rodeado apenas por um pequeno grupo composto pelos seus mais fiéis discípulos, vindo a morrer, em 1226, na Porciúncula (dependência rural da abadia de S. Benedetto al Subasio). Em 1228, a 16 de Julho, o cardeal Hugolino, entretanto elevado, em 1227, à condição de Papa, sob o nome de Gregório IX, procedeu à sua canonização. Em 1230, o seu corpo é trasladado da igreja de S. Jorge em Assis, para a Basílica edificada em sua honra na mesma cidade e que passou a ser entendida como a casa-mãe da Ordem.

nas terras de Além-mar e de Além-dos-Montes, uma vez cada três anos, e os demais Ministros uma vez cada ano, venham ao capítulo, na festa do Pentecostes, a S. Maria da Porciúncula, a não ser que outra coisa ordene o Ministro e servo de toda a Fraternidade.”, Regra não bulada, “18º - Como os Ministros se hão-de reunir”, in S. Francisco de Assis, Escritos – Biografias – Documentos – Fontes Franciscanas, Opus Cit., p. 135.

486 A palavra vem do latim minister, que significa “servidor”, acentuando a ideia de dedicação total ao serviço do Senhor.

487 Para além das Regras, São Francisco escreveu ainda a Regra para os Ermitérios, a Forma de Vida para

Santa Clara e as Normas sobre o Jejum para Santa Clara. Deixou igualmente um legado de escritos espirituais que incluem o Cântico das Criaturas e o Cântico ao Irmão Sol. Também o seu Testamento [São Francisco escreveu dois testamentos no ano de 1226, o primeiro, no final da Primavera, é um texto pequeno conhecido como Testamento de Sena, e o segundo, no final do Verão, é um texto mais longo e que pode ser considerado o testamento definitivo] é um legado fundamental, na medida em que nele o Santo relembra aos frades a obrigação de praticar a pobreza e de viver exclusivamente do trabalho e da mendicidade. O entendimento do Testamento na Ordem não foi unânime: “uns consideravam-no lei obrigatória ao lado da Regra, e emblema de fidelidade plena ao ideal franciscano. Outros – a maioria – seguiam a declaração de Gregório IX, segundo a qual o Testamento não obrigava em consciência.”, Frei D. Azevedo, OFM, in S. Francisco de Assis, Escritos – Biografias – Documentos – Fontes Franciscanas, Opus Cit., p. 153.

A implantação dos franciscanos faz-se nas cidades, muito embora o frade franciscano possa ser entendido como “um religioso in via”488, dado o carácter de

mobilidade inerente ao espírito da Ordem. Contudo, o crescimento da Ordem leva à necessidade de “sedes” locais, mesmo para os frades que se deslocassem de uma cidade para a outra, erguendo-se essas sedes nos centros urbanos. O desejo pastoral de se instalarem o mais perto possível das populações às quais se dirigem, a necessidade material de subsistência (dos frades e daqueles a quem assistem, como os doentes e os marginais) e a necessidade de segurança levam à construção de conventos nas cidades. O próprio São Boaventura indicará estas razões, opondo as necessidades dos franciscanos às dos monges que vivem nos seus domínios e às dos eremitas que se contentam com muito pouco489

. A rapidez da expansão e desenvolvimento dos Frades Menores por toda a Europa e, sobretudo, durante os primeiros tempos, em Itália, prende-se, como já foi dito, com questões de ordem política e social490. A mensagem transmitida pelo Poverello de pobreza,

humildade e imitação da vida de Cristo, com a obrigação de abandono de todos os bens materiais, necessidade de trabalhar ou mesmo de mendigar491, era particularmente apelativa

para uma grande parte da população, desprovida ela própria de posses e que se sentia,

488 J. Le Goff, “Ordres Mendiants et Urbanisation dans la France Médiévale”, in Opus Cit., p. 927. Essa circunstância poderá inclusive ter determinado a “rota” de implantação dos conventos mendicantes. C. Bourel de la Roncière, cit. por J. Le Goff in Ibidem, p. 927, procurou definir, para a Toscana dos séculos XIII e XIV, a importância das rotas de circulação na fixação de conventos franciscanos, concluindo que frequentemente a distância entre dois conventos corresponde a uma etapa de uma determinada via de circulação.

489 Cfr. J. Le Goff, “Ordres Mendiants et Urbanisation dans la France Médiévale”, in Opus Cit., p. 929. Significativamente, as razões apresentadas pelos dominicanos para uma preferência urbana colocam a tónica na pregação. Humberto de Romans, mestre geral da Ordem entre 1254 e 1263, explica em De Eruditione Praedicatorum, que a prédica é quantitativamente mais eficaz nas cidades porque a população é aí mais numerosa, sendo também qualitativamente mais necessária pois os costumes são piores. Cit. por J. Le Goff, Ibidem, p. 930. Naturalmente a pregação também era fundamental para os franciscanos, está escrito na regra, “todos os irmãos devem pregar”, Regra não bulada, “17º - Dos Pregadores”, in S. Francisco de Assis, Escritos – Biografias – Documentos – Fontes Franciscanas, in Opus Cit., p. 134.

490 A par dos franciscanos propriamente ditos, a Ordem foi completada por uma vertente feminina, fundada por Santa Clara e por uma Ordem Terceira, destinada àqueles que, querendo imitar Cristo, não desejavam, porém, abandonar a família e a casa.

491 “E os irmãos que sabem trabalhar, trabalhem no oficio que aprenderam, se não for contra a salvação da

sua alma e com honestidade o puderem exercer. (...) E possam receber pelo seu trabalho tudo o que lhes é necessário, excepto pecúnia. E quando a necessidade exigir, vão pedir esmola, como os outros irmãos.”, Regra não bulada, “7º - Do modo de servir e trabalhar”, in S. Francisco de Assis, Escritos – Biografias – Documentos – Fontes Franciscanas, Opus Cit., p. 127.

assim, mais próxima de São Francisco e dos seus discípulos. “Para os pobres, tornar-se franciscano, é continuar o mesmo tipo de vida, talvez de forma um pouco mais precária, com o conforto de uma comunidade e a esperança de acumular méritos até alcançar a santidade”492. Paralelamente, o contacto directo com as populações, nas ruas, nas praças, à

semelhança de Cristo e dos Apóstolos, e a utilização da língua vulgar, ao invés do latim, estimulavam também uma aproximação das populações.

3.2. A Vertente feminina do franciscanismo: as Clarissas

Em 1193 (ou 1194) nasce, em Assis, Clara, que viria a ser (juntamente com São Francisco), a fundadora da Ordem das Clarissas493, considerada a Segunda Ordem de São

Francisco. O ano exacto da fundação da Ordem não está definido, situando-se entre 1211 e 1212. Sabe-se, no entanto, que o "ritual" de fundação terá ocorrido na noite de Domingo de Ramos, recebendo São Francisco Clara na Porciúncula, onde lhe dá o hábito de penitência de pobreza. Algumas semanas mais tarde as primeiras “clarissas” instalam-se em S. Damião.

O primeiro esboço de regra ou de orientação espiritual das clarissas é dado pelo Papa Inocêncio III, em 1216: o Privilegium Paupertatis (confirmado por Gregório IX em 1238) que exorta à pobreza, dentro do espírito franciscano. A primeira regra das Clarissas, porém, deverá ter sido a Regra escrita pelo Cardeal Hugolino com base na Regra de São Bento e aprovada, em 1219, pelo Papa Honório III. Possivelmente em 1246, Santa Clara

492 J. Paul, “La Signification Sociale du Franciscanisme”, in Mouvements Franciscains et Société Française, XIIe – XXe Siècles, études presentées à la Table Ronde du CNRS, 23 Oct. 1982, Réunies para André Vauchez, Paris, Beauchesne / CNRS, 1984, p. 11. Sobre a aceitação social desta Ordem e sobre as questões relacionadas com a proveniência social dos membros que integravam na Ordem, ver J. Paul, Ibidem.

493 Sobre a implantação das clarissas em Portugal ver a síntese de A. M. Moreira, "Breve História das Clarissas em Portugal", in Las Clarisas en España y Portugal, Actas do Congreso Internacional, Salamanca, 20-25 Septiembre 1993, Madrid, Archivos e História, 1994, Actas II /vol. I. Sobre a arquitectura das monjas ver o interessante estudo comparativo entre arquitectura cisterciense feminina e arquitectura mendicante feminina, E. Castells, “Dos Tipos de Arquitectura Monástica Medieval: Cistercienses y Clarisas”, in Las Clarisas en España y Portugal, Actas do Congreso Internacional, Opus Cit., Actas I /vol. II.

escreve uma Regra para a sua Ordem494

que vai, naturalmente, adoptar espiritualmente a Regra franciscana, muito embora seja uma regra autónoma, recusando a pregação (ou qualquer outro tipo de actividade exterior à clausura conventual 495), centrando os seus

objectivos numa vida de isolamento e oração. Clara foi, no entanto, profundamente influenciada por São Francisco, que sempre a acompanhou, e a sua Regra traduz os ideais franciscanos, incluindo mesmo, no sexto capítulo, a Forma de Vida para Santa Clara, que São Francisco lhe escreveu496. Esta Regra de Santa Clara foi aprovada pelo Papa Inocêncio

IV, em 1253, em vésperas da morte da sua autora.

A expansão das clarissas ao longo do século XIII prendeu-se com questões de natureza não apenas religiosa, mas também social, resultando em grande parte de uma nova forma de entender a espiritualidade por parte do universo feminino, que irá levar a uma forte adesão de mulheres à vida religiosa, justificando, consequentemente, uma elevada criação de mosteiros497.

3.3 Ordem de S. Domingos ou dos Pregadores

Domingos de Gusmão nasceu em Caleruega (Castela), em 1170, oriundo de uma família da pequena nobreza local. Em 1191, torna-se cónego de Santo Agostinho no

494 Na realidade, a Regra é escrita em concreto para a sua comunidade de S. Damião, por Clara se encontrar descontente com a Regra do Cardeal Hugolino; mas rapidamente vai ser adoptada por várias outras comunidades.

495 A clausura é, aliás, uma característica das ordens femininas, sendo que as ordens mendicantes não são uma excepção. Esta imposição da vertente feminina acarreta “toda uma série de inconvenientes, como seja: uma dependência total dos mosteiros masculinos, menores expectativas de autonomia espiritual, económica e administrativa e, finalmente, dificuldades de expansão.”, E. Castells, “Dos Tipos de Arquitectura Monástica

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