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MAPA 6 – Localização da Cachoeira da Aliança

1.1.4 Perfil demográfico contemporâneo da região do médio Rio Negro

2.3.2.1 Organização comunitária para extração e venda da piaçaba

Como já aludi, para a extração e comercialização da piaçaba são mobilizados grupos masculinos de jovens. Estes que efetivam relações com regatões e patrõezinhos tecidas pelos seus pais. Nos meses de Julho e Agosto de 2015 comerciavam na Cachoeira da Aliança um grupo de 45 jovens do xapono Gasolina, um grupo de 19 jovens do Arapussi e um grupo de 38 jovens do Taebapra. A organização intracomunitária é realizada pelas lideranças do grupo local: o líder do grupo, função desempenhada pelo tuxaua – e os homens mais influentes das famílias extensas, aqueles que também reforçam, por sua posição, os laços com os outros grupos locais do conjunto multicomunitário, mais estreitamente especialmente vinculado a estes grupos por ter geralmente filhas casadas e vivendo nestes outros xaponos, ou noras corresidentes que vêm destes outros xaponos, além de sua própria esposa. Analisando a maneira como se realiza esta organização intracomunitária chama a atenção o fato de que são justamente homens que também jogam papel importante nas relações com os outros grupos aliados40 os mesmos que organizam os jovens que irão

40 Que encaixo, num exercício teórico de aproximação com o trabalho de Albert (op.cit.) sobre as

110 relacionar-se com os regatões e patrõezinhos ao seu lado.

Este é o caso, por exemplo, de Alípio e de “Miltão”, uma liderança do xapono Gasolina. Alípio não é o tuxaua do Taebapra: seu irmão Ricardo é que ocupa esta posição. Porém, como ele relatou, mesmo antes da hospitalização de seu irmão, ele se envolvia com a organização dos grupos yanomamɨ. Ele possui tanto noras de outros grupos locais quanto filhas casadas em outros xaponos. No caso de “Miltão” a diferença é que ele é também tuxaua do xapono Gasolina.

Segundo jovens do xapono Gasolina sobre o aglomerado do Marari, os diferentes grupos não manejam o mesmo piaçabal ao mesmo tempo – isto é, pelo período relativo à extração de uma carga, mesmo quando a entrega da carga for feita em mais de uma “leva”, quando efetua-se dois ou mais ciclos de extração, escoamento e entrega da carga ao regatão ou patrãozinho na Cachoeira da Aliança ou na comunidade Nova Jerusalém. A principal motivação parecer ser, como apontado por mais de um Yanomamɨ, para que não haja mistura na negociação de grupos diferentes – e, por conseguinte, de xaponos diferentes – mesmo que múltiplos grupos estejam negociando com um mesmo patrão ao mesmo tempo. Neste caso a separação na etapa da extração da piaçaba e seu escoamento até o local de entrega ao regatão ou patrãozinho marca a distinção entre os grupos. Mesmo que por coincidência cheguem no mesmo período ao local, são grupos distintos. As funções de chefia desempenhadas nas relações com os regatões e patrõezinhos são fundamentais para esta marcação, pois o homem que organiza o grupo pode delimitá-lo para os regatões e patrõezinhos.

Porém um esforço por parte dos líderes de grupos para delimitá-los aos olhos dos regatões, patrõezinhos e ribeirinhos do Padauiri de forma geral é desnecessário: todos se conhecem há muitos anos. A relação dos Yanomamɨ do Marari com Seda Gabriel remonta ao seu pai, quando este morava no que outrora foi uma comunidade na Cachoeira da Aliança (hoje inexistente). A relação com Zeca igualmente remonta a seu pai, ribeirinho do Padauiri. A relação com Alberto “Cutia”, como já descrito, vem desde a época que este era piaçabeiro na região, e se aprofundou de dez anos para cá, quando ele se torna barqueiro da Sesai. Ademais, como Zeca explica, o trânsito de jovens yanomamɨ no Padauiri e na comunidade Nova Jerusalém vem aumentando de cinco anos para cá, o que contribui para a familiaridade de ribeirinhos comunitários e patrõezinhos.

111 A mobilização para a extração da piaçaba ocorre somente após a chegada, no xapono, de mercadorias que foram adquiridas após algum yanomamɨ (geralmente um homem já maduro, mas jovens também podem tomar esta iniciativa) negociarem o aviamento delas com algum regatão ou patrãozinho. Após uma reunião comunitária estipula-se o momento em que um dos homens mais influentes no xapono organizará e conduzirá o grupo aos piaçabais para a extração da piaçaba.

Os contextos nos quais se dão estas negociações são múltiplos, podendo ocorrer tanto nas comunidades do Rio Padauiri, quanto na própria cidade de Barcelos. Um yanomamɨ pode aproveitar uma ida à cidade de Barcelos, proporcionada por exemplo pelo DSY para acompanhar alguém internado, e ter também como objetivo procurar estes regatões (Seda Gabriel, Alberto “Cutia” e Zeca, este último que mantém uma residência em Barcelos e outra em Nova Jerusalém) e adquirir mercadorias aviadas, negociando a quantidade de piaçaba a ser trocada por ela, e o período para a extração. Porém estas negociações para a aquisição de mercadorias aviadas são geralmente feitas com mais de um regatão e patrãozinho ao mesmo tempo. Elas marcam assim uma multiplicidade de etapas do mesmo tipo, o que conforma um circuito também múltiplo em tempos e etapas. E ainda, geralmente a entrega de uma carga de piaçaba em pagamento de mercadorias que foram aviadas vem acompanhada do recebimento de mais mercadorias aviadas na Cachoeira da Aliança.

No quadro abaixo, segue a relação demográfica entre os grupos yanomamɨ e os xaponos de onde eram oriundos:

TABELA 4 – Relação demográfica entre os grupos yanomamɨ e os xaponos

População* Grupo **

Gasolina 233 43

Arapussi (ou Alapussi) 155 19

Castanha 1 237 sem informação

Castanha 2 ou Taebapra 234 38

*Censo Nominal realizado pelo Distrito Sanitário Especial Yanomami em 2011

**Comercializando com Alberto "Cutia", Seda Gabriel, Zeca e Noel entre Julho e Agosto

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Foto 9 - Chegada da piaçaba (Arapussithëri) - Cachoeira da Aliança. (Autor: Felipe N. Araujo)

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Foto 11 - Acampamento dos Arapussithëri - Cachoeira da Aliança (Autor: Felipe N. Araujo)