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1.2.3-Os Yanomamɨ no Alto Orinoco

Migliazza (1972, p.6) sustenta que até 1800 nenhum europeu havia entrado em contato, isto é, estiveram frente a frente, com os Yanomamɨ. Na avaliação deste autor, na documentação histórica analisada por ele as listas de etnônimos provavelmente obtidos indiretamente proporcionam algumas informações sobre a localização e a disposição dos Yanomamɨ através de nomes que poderiam ser identificados como nomes de grupos locais yanomamɨ. O autor remonta mesmo ao século XVI, quando povos aruaque e caribe dominavam a região do Maciço das Guianas e da Bacia do Rio Negro. Documentos deste período registram os nomes Yanma e Guama – nomes cujas variações mais tarde seriam utilizados em referências à grupos yanomamɨ. Porém há que levar-se em conta as possibilidade de homofonia, que desautorizariam esta especulação. Por exemplo, já no século XVIII, em 1725, os missionários carmelitas registram o termo Guaycas no Rio Branco. Para Migliazza há a possibilidade deste grupo ser Yanomamɨ (Yanomama em sua grafia). Porém Lobo D´Almada, em 1787, menciona os Oyacas nos rios Amajarí (afluentes do Branco) e Parimé, sendo este grupo de fala caribe. Nesta mesma região Xavier de Andrade registrara, em 1740, apenas grupos de fala caribe e aruaque. A possibilidade de que os Oyacas fossem um grupo caribe é ainda endorsada por Schomburgh (Schomburgh 1931 [1841]), que registra

Guaicas e Waika no rio Cuyuni (entre Guiana e Venezuela) e que eram de língua

caribe.

Migliazza ainda trás as possíveis origens do termo Guaharibo, ou Guajaribo, um dos termos mais utilizados para denominar grupos que com fortes possibilidades eram Yanomamɨ - a julgar por suas localizações nos afluentes do alto curso do Rio Orinoco e altos cursos dos afluentes do Negro já em sua expansão – e com os quais nos deparamos em documentos dos séculos XVIII até o final do século XIX. Ele assinala que, em escritos como o de Alexandre Rodrigues Ferreira e o de Sampaio, entre vários etnônimos, aparece também o termo Guahariba para grupos vivendo justamente nos rios Padauiri, Araca, Marari e Demini - cujos nomes também sofrem variações ou mesmo aparecem com outros nomes, porém mais fáceis de serem identificados em análises historiográficas: os rios não se movem. Estes termos aparecem designando índios com pouco ou nenhum contato com os europeus, em contraste com povos

42 aruaque e tukano.

O termo Guajaribo ou Guaharibo era usado pelos espanhóis para designar os índios do rio Padamo e Orinoco, e conseguintemente registrado por viajantes e cientistas que percorreram a região do Orinoco. Este etnônimo também é encontrado em relatos de expedições ao Rio Negro. Talvez, como o mesmo autor explica, pelo fato de provavelmente os Yanomamɨ serem chamados de Guariba – este macaco cujo canto, ou lamento noturno, é tão intenso, quanto assustador e belo - pelos povos aruaque do Rio Negro, e interflúvio entre as bacias do Negro e do Orinioco, região para qual os Yanomamɨ vinham se expandindo (Oeste e Sudoeste). Caso seja esta a origem do termo, é compreensível que os portugueses, em contato com os povos aruaque da região do Negro, o tenham igualmente adotado e perpetuado. Migliazza não encontra referências aos Yanomamɨ no último terço do século XVIII nos rios Marauia e Cauaburi, o que é de extrema importância para minha hipótese sobre as rotas de migração, como veremos a seguir.

Na visão de Migliazza é no período histórico (pós-colombiano) que os Yanomamɨ movem-se mais para o Oeste de sua fortaleza – a Serra Parima, nas nascentes do Rio Orinoco - povoando territórios antes ocupados por povos aruaque nos tributários do Orinoco e da margem esquerda do Rio Negro. Neste caso, após séculos de contato com as sociedades coloniais luso-brasileiras, hispânica e com os holandeses, os povos aruaque, largamente difundidos pelas Terras baixas da América do Sul, Antilhas e, particularmente importante para a história yanomamɨ, pelo Rio Negro, enfrentaram consideráveis quedas demográficas causadas por guerras e choques microbianos. Desta forma abriram-se vazios territoriais nesta região, onde antes havia uma alta densidade populacional aruaque ao Sul e Oeste do Maciço dos Guinas. Povos caribe, relativamente mais localizados na região do Maciço das Guianas, também, após o contato com os europeus e com as sociedades coloniais, tiveram seu contingente populacional drasticamente reduzido, possibilitando movimentos de outros grupos Yanomamɨ em direção Norte e Noroeste (Ramirez 1994, p.6 e seg.).

Segundo Cocco (1972, p.35 e seg.) em mapas antigos, como o Mapa Geográfico da América Meridional, região que corresponde ao que é hoje a Venezuela, elaborado por Juás de La Cruz e Olmedilla e publicado em Madrid entre 1771 e 1775, está localizado o “País dos Cacaguales”, entre o Rio Mavaca e o Alto Orinoco. Aí aparecem

43 os “Yndios Guahivas blancos” – tudo indica que, neste caso, o termo “Guahiva” é uma variante do já discutido termo Guaharibo, tanto mais pela localização destes “Yndios”. Apesar de Migliazza sustentar que por volta de 1800 nenhum europeu havia estado frente a frente com um Yanomamɨ, e de que a Serra Parima os deixou a salvo de excursões escravistas, seu território continha recursos de interesse comercial: grãos aromáticos do laurel, pucheri e salsaparrilha e ainda foram efetuadas expedições desde a Venezuela em busca de cacau nos tributários na região do médio Orinoco (op.cit). Assim, por conta da incipiente rede de comércio de produtos extrativistas empreendida pelos europeus e colonos, o território para o qual os Yanomamɨ efetuariam um povoamento através de movimentos para Oeste e Sudoeste ao longo do século XIX, era alcançado por indígenas aruaque, tukano e caribe em comércio com portugueses, espanhóis e holandeses, por rotas que levavam da Bacia do Negro à Bacia do Orinoco através dos afluentes e varadouros. Ou seja, parte do Oeste do território então ocupado pelos Yanomamɨ era transitado por outros indígenas.

Fixando na região do Rio Negro e nas rotas empreendidas por grupos aruaque e tukano para a extração da salsaparrilha e pucheri, pode-se montar o seguinte quadro com as rotas identificadas por Cocco (op.cit) em sua análise historiográfica (veja mapa):

TABELA 1 - Rotas percorridas por povos aruaque e tukano para a atividade extrativista (coleta de laurel pucheri e salsaparrilha) no século XVIII

*Rio Negro – Cassiquiarie – Orinoco – VERMELHO

*Cauaburi – Maturacá - Baria – Pasimoni – Cassiquiare – Orinoco – AMARELO

*Cauburi – Maturaca – Baria – Yatua – varadouro- Siapa – varadouro – Mavaca – Orinoco – VERDE

*Padauiri – Marari – varadouro – Taraira – Siapa – varadouro – Mavaca – Orinoco – ROXO

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