• Nenhum resultado encontrado

RIBEIRÃO BONITO: CASO EXPOENTE DE CORRUPÇÃO LOCAL

3.3 A organização criminosa

O sudeste do Brasil é a parte mais dinâmica do país sob vários enfoques, especialmente sobre o impacto das questões políticas. Razão pela qual os acontecimentos produzidos nesta região repercutem em toda a comunidade nacional. O Estado de São Paulo e sua complexa singularidade convive com os contrastes sócio- econômicos, comuns a outros Estados brasileiros, produzindo antinomias em seu modelo de organização política. Antinomias estas que atravessam as fronteiras regionais, a exemplo da corrupção em Ribeirão Bonito.

Do ponto de vista econômico e populacional Ribeirão Bonito é uma cidade inexpressiva, no contexto do estado de São Paulo - o que se comprova pelo tamanho e tipo de ocupação da maioria trabalhadora -, que serve ao corte de cana e a colheita da laranja, em época de safra. Em contrapartida, compõe a parte geográfica central, vinculada ao município de São Carlos, cidade pertencente a esfera de desenvolvimento entre as mais destacadas do interior do Estado. Sob este enfoque, o que acontece em São Carlos, no aspecto positivo ou negativo, repercute fortemente nas cidades vizinhas. A montagem do esquema de corrupção envolvendo políticos, funcionários graduados da administração pública, empresários e “laranjas” em Ribeirão Bonito foi realizada durante o período de intervalo entre a vitória eleitoral, de outubro 2000, e a posse, em Janeiro de 2001. O ímpeto recente de corrupção na região central do Estado - descoberto por investigações, cruzamento de dados, sindicâncias nos governos - inicia-se na década de 90. Em um desses governos, Dagnone Melo 1997-2000, Antonio Sérgio Mello Buzzá participa e dele extrai o que pode “[...] ele já tinha aprontado aqui, mandava lavar telhado que custava sete mil reais. Tem uma ambulância, que é uma Caravan 77, custou em um ano, sessenta e oito mil reais para fazer manutenção.”85

Ao contrário das declarações de um importante ator que investigou a corrupção na cidade de São Carlos86, não há uma “rede de corrupção” que surge numa cidade e se exporta para os municípios vizinhos. É verdade que a “fórmula” para a montagem das notas frias e as relações comerciais compartilhadas entre o Presidente da Câmara Ronaldo Carlos Gonçalves Rocha, o fornecedor Ivan Ciarlo e o prefeito Buzzá estabelecem conexão com a cidade de São Carlos. Mas idéia de rede, sob a perspectiva

85Entrevista com Gilberto Perres, na época diretor financeiro da prefeitura e Presidente da Comissão de Sindicância que apurou irregularidades na máquina administrativa da cidade. Atual Secretário da Fazenda do município de São Carlos. Entrevista realizada na prefeitura no dia 4 de dezembro de 2006. 86 Referência a Gilberto Perres.

sociológica, implica em relações do tipo pessoais cuja dependência sugere vínculos mais ou menos duradouros e interesses compartilhados. O que se vê em Ribeirão Bonito não são interesses compartilhados e permanentes. O que há é uma burocracia ineficiente, inoperante com “brechas” generosas que estimulam atividades informais, alimentadas pela negligência e participação de alguns servidores. É dentro desta estrutura que aos poucos perde a invisibilidade e se torna pública que Buzzá atua. Ele cria uma clientela que para ele trabalha na expectativa de tirar algo em benefício. Os benefícios extraídos dos negócios ilícitos passa a depender do êxito ou fracasso das ações programadas, na regra bem sucedidas. Entretanto, nem todos os membros do esquema tiram proveito financeiro das operações, os que são favorecidos convive com tensões inerentes a este ramo de atividade delinqüente, em que o chefe procura tirar o maior proveito possível do negócio.

Alguns dos envolvidos, como os servidores José Luiz Piccolo e José Eduardo Ziago não se beneficiam financeiramente do esquema.87 Na declaração de Armando Testa gravado pela AMARRIBO ele sustenta que o prefeito “[...] quebrou o Ivan porque todas as notas que saíram até hoje ele pegou só pra ele.”. Neste sentido propõem-se compreender o caso Buzzá como esquema de uma organização criminosa, dada as aproximações sugeridas no nível de relações desenhadas pelo grupo.88

Ribeirão Bonito é um caso expoente de corrupção local, como definido no título do capítulo, porque trata-se de uma organização criminosa cujos tentáculos estão ramificados em departamentos e secretarias estratégicas da prefeitura, na Câmara Municipal e nas relações de negócios entre o chefe do executivo e comerciantes ligados a administração. Trata-se de uma construção particular, comandada pelo prefeito Antonio Buzzá e que foi desmontada pelo trabalho de investigação dos órgãos institucionais de fiscalização como Ministério Público, Legislativo e Tribunal de Contas do Estado e rara eficiência do Judiciário. Como maior aliada a ONG – AMARRIBO desempenha uma campanha exitosa na medida em que orienta e acompanha a população

87

Entrevista com o Promotor de Ribeirão Bonito Marcel Zanin Bombardi.

88 Não existe entre os especialista da área criminal uma definição segura do que seja organização criminosa. Ela depende de variáveis como o lugar onde se pratica a atividade delinqüente e a tipificação do crime. No encaminhamento de processos investigatórios é comum estabelecer relação entre o crime praticado e seu combate sobre quadrilhas e bandos. O mais usual é que a idéia sobre organização criminosa venha precedida do conceito sobre crime organizado que, em relevo, considera toda e qualquer associação destinada à prática de crimes. A previsão do lucro, hierarquia de comando, delimitação da área de atuação e a certeza da impunidade em relação a suas lideranças graças a proteção do poder econômico e político, estão entre as características mais próximas que definem a questão. Consultar: Minguardi ( 1998), Borges (2002).

sobre o desenvolvimento do caso e mais, desperta estrategicamente o interesse da mídia regional e nacional para o problema da cidade.

É uma organização porque tem seu atores definidos nos lugares estratégicos da administração, com um objetivo comum, desviar recursos públicos. Como se procurou demonstrar, são vários “tentáculos”, criados para exercer as funções estabelecidas. Para sua execução é preciso movimentar três setores deste tentáculo. O primeiro deles, interno, compõe o núcleo principal. Nele estão os servidores graduados e agentes políticos responsáveis pelo funcionamento viciado da burocracia. Como é possível extrair da própria conduta pessoal de seus expoentes. O presidente da Comissão de Licitação é o engenheiro de obras da prefeitura, Eraldo Cezar Polez, que diz a CEI não ter conhecimento sobre a documentação que deve ser apresentada para a licitação e que não acompanha a execução das obras na cidade. O chefe do almoxarife, membro da Comissão de Licitação, José Eduardo Ziago, afirma não ter ficha de controle dos produtos que entram na prefeitura mas atesta o recebimento de mercadorias e manda para o pagamento. O contador, também membro da Comissão de Licitação, José Luiz Piccolo, empenha e confecciona o cheque assinado pelo chefe do executivo juntamente com seu secretário administrativo, Jair Bordinhon. A secretaria da educação da cidade é comandada pela professora Vera Lúcia Valente Buzzá, esposa do prefeito, arrolada como réu no processo aberto pelo Ministério Público. Da merenda escolar foram desviados produtos como carne para a refeição das crianças cujo destino era sabido que ia para churrasco em festa patrocinada por vereadores.

O segundo setor, externo, é constituído pela base de sustentação política do prefeito, como o presidente da Câmara Municipal, Ronaldo Carlos Gonçalves Rocha, também funcionário de Ivan Ciarlo, fornecedor da prefeitura. Do vereador Luiz de Franco Neto, fornecedor de notas fiscais frias sobre venda de combustíveis de empresas de amigos e o chefe dos vigilantes municipais Carlos Roberto Gobato Veiga, a quem era confiado, por intermédio do açougue Miranda & Muno, o pagamento de motorista e segurança particulares de Buzzá. Aqui, observaria Klitgaard (1994), há uma envolvimento direto entre relações públicas pessoais e interesses privados comerciais. O alcance das medidas de controle terá eficiência na medida em que for garantida rigorosa punição aos envolvidos.89

89 A Comissão Especial de Inquérito aberta para apurar o envolvimento dos dois vereadores no caso concluiu que as denúncias contra Ronaldo Rocha não procediam e arquivou o processo. Luiz de Franco Neto perde o mandato.

O terceiro setor do tentáculo, são os fornecedores e prestadores de serviços ao município. Ivan Ciarlo dono da Casa de Carne Continental, conhecida como “ Miranda & Muno Ltda”, é quem entrega carne superfaturada para a merenda escolar. Armando Testa e Armando Testa Filho recebem pela execução de serviços não executados, cujos valores são rateados entre os contratantes e o prefeito, em dinheiro sacado em boca de caixa bancário. Tal como descrita, esta organização criminosa é representada pelo modelo que se propõe a seguir:

Poder Executivo

Prefeito

Secretário Administrativo

O organograma demonstra que em Ribeirão Bonito a corrupção contou com a colaboração dos principais servidores da máquina administrativa. Participação por fazer funcionar, ou mais exatamente, por não fazer a burocracia operar de acordo com as normas estabelecidas pelo princípio da eficiência e respeito ao patrimônio público. Aponta o envolvimento do poder legislativo no esquema, representado por alguns potenciais aliados do prefeito demonstrado pelo apoio político parlamentar. Indica, finalmente, a ligação de empresários em negócios escusos com representantes eleitos da cidade.

Deste esboço pode-se inferir que não há absolutamente nenhum controle sobre a gestão do governo da cidade e que descontrole e ineficiência da máquina administrativa é em grande parte responsável pela corrupção vigorosa no município. A corrupção passa

Comissão de Licitação Contabilidade Almoxarifado Poder Legislativo Vereadores Fornecedores Prestadores de Serviços

a ser um problema político para a comunidade ribeirão bonitense à medida em que sai do espaço discricionário das decisões de poder para ganhar forma de expressão no enriquecimento ilícito de pessoas públicas e no abandono dos serviços essenciais da cidade. Verifica-se que ela ganha fôlego, comando e se estabelece de maneira acentuada porque inexiste qualquer forma de fiscalização e controle prévio sobre a atuação do executivo que, além das extorsões, tem maioria na Câmara. E ainda não é tudo, conta com a negligência e participação de servidores graduados e parlamentares interessados na prosperidade pessoal. Neste caso, o controle passa a ser exercido apenas quando, a reboque dos acontecimentos, os instrumentos institucionais de fiscalização e controle são incitados para este fim. Apesar dos problemas, e não são poucos, Buzzá ainda sustenta certa unidade de comando em seu governo, descritas nas formas potenciais de sustentação do mandato.

O conjunto das irregularidades chefiadas pelo prefeito Antonio Buzzá, demonstra que não há nenhum tipo de atividade de fiscalização e controle preventivo sobre a máquina administrativa. A este fato, soma-se uma percepção negativa sobre a condução da burocracia pública, exposta na baixa profissionalização de servidores graduados, que tem motivações contrárias aos interesses da coletividade ribeirão bonitense. A ausência do espírito público é decisiva para garantir a realização bem sucedida dos desvios de verbas dos cofres municipais, mas este não é o único elemento que explica o vigor da corrupção no município. A subordinação e conivência de vereadores que não fiscaliza e participa sob franquia do esquema, garante a sensação de impunidade e “vale tudo” em Ribeirão Bonito.

Interromper o acelerado e quase incontido impulso de lapidação dos recursos da cidade foi possível com o afastamento do prefeito do cargo, determinado pela juíza Adriana Albergueti Albano, o que força sua renúncia. Operando de maneira rigorosa, além do afastamento e prisão do prefeito, a justiça determina também o enquadramento dos funcionários envolvidos no caso. A atuação do Ministério Público e do Poder Legislativo foram exemplares, mas eles se abrem, não estavam previamente determinados a agirem sobre a questão, e se não agissem ? As pressões, sobretudo pela mobilização popular, sustentam a percepção negativa sobre a corrupção, garantem a manifestação da opinião pública contrária as ilegalidades e impõe a necessidade de ver as instituições de fiscalização e controle funcionando.

Com dois vereadores envolvidos diretamente no esquema, a Câmara Municipal estava sob suspeita, no mínimo por omissão. Precisava agir, e rápido, para dar satisfação

à população, cuja confiança nos poderes representativos estava em declínio. Balançado pelo terremoto de um caso de repercussão nacional. A aceitação imediata das denúncias seguida da cassação do prefeito, não foge à hipótese de que a iniciativa teve a ver com o desejo dos vereadores de se livrarem da conivência. Acontecimentos posteriores envolvendo parlamentar que integrou a Comissão Especial de Inquérito contribuem para reforçar esses argumentos. 90 O governo chega ao fim em um curto período de mandato, achincalhado por irregularidades no comando de uma gestão sob a marca indelével da corrupção. Tencionado por todos os lados, encontra-se sob o alvo das formas

conjunturais responsáveis pelo seu julgamento como mandatário eleito.

O envolvimento auxiliar do Tribunal de Contas do Estado e a ajuda de especialistas e peritos convocados pela AMARRIBO, contribuiu para desvendar o que se apresentava oculto nas transações. Os fatos perderam a discricionariedade para se tornarem público, à medida em que a mídia regional e nacional se interessaram pelo caso, pendendo o foco tanto para o episódio em si, como para as ilustres pessoas que tomaram a frente do processo, acompanhamento e mobilização da população. Figurões que foram mais presentes na cidade e que hoje já não são fontes de inspiração jornalística.91

CAPÍTULO IV

PRESIDENTE VENCESLAU: CASO PECULIAR DE