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5 CAPÍTULO 3 SUS: ESCOLHA POR UMA ESFERA PÚBLICA PARA A AÇÃO

5.3 Organização social na reforma administrativa

“Na Reforma Gerencial em curso no Estado brasileiro, a instituição que

provavelmente terá maior repercussão é a das organizações sociais” (PEREIRA, 1998, p.235), assim se expressava o então gestor do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, ministro Bresser Pereira, ao propor que as atividades dos serviços sociais e científicos que o estado presta diretamente sejam repassadas para as entidades públicas não-estatais e entidades sem fins lucrativos, instituições estas, alocadas em um setor ao qual se referiu como: terceiro setor .

Antes de nos determos em pormenores brasileiros acerca das organizações sociais e terceiro setor, vamos tentar organizar nossa linha de pensamento, ao menos de maneira superficial, para termos uma ideia de como o enunciado “organização social” se compôs na história do pensamento. Em Abbagnano (2007, p.912) encontramos dois sentidos para o verbete social:

SOCIAL (in. Social; fr. Social; ai. Sozial; it. Sociale). 1. Que pertence à sociedade ou tem em vista suas estruturas ou condições. Neste sentido, fala-se em "ação Social", "movimento Social", "questão Social". etc. 2. Que diz respeito à análise ou ao estudo da sociedade. Neste sentido, fala-se em "economia Social", "psicologia Social", etc. Em especial, a expressão ciências Social designa o conjunto das disciplinas sociológicas, jurídicas, econômicas e às vezes também a ética e a pedagogia.

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Sociedade sucintamente abrangeria o campo das chamadas “relações intersubjetivas” de comunicação; também a “totalidade de indivíduos”, entre os quais se dão essas relações, e “grupo de indivíduos”, onde a reciprocidade dessas relações se dão na forma “condicionada

ou determinada” (ABBAGNANO, 2007, p.912).

Societas, para Arendt (2009, p.31-32), é um termo de origem latina com acepção

política e indicava “certa aliança entre pessoas para um fim específico”. Para a autora, é

somente quando o conceito de uma societas generis humani (sociedade da espécie humana)

que o termo “social” adquire a acepção de “condição humana fundamental”.

Assim, a atividade humana é condicionada pelo fato de os homens viverem juntos,

sendo a “ação”, advinda da expressão da autora na vita activa, “a única que não pode sequer

ser imaginada fora da sociedade dos homens”. O nosso trabalho aceita sociedade proveniente

do termo social como a aliança entre pessoas para fins específicos mediados pela ação em Arendt (id., 2009, p.17).

Essa ação, dentro da esfera social, encontra-se organizada em sentido e direção, ou seja, em sentido e significação dentro de instituições, entes que não se orientam para as atividades puras de mercado, ou seja, que não visam lucro. Entretanto, têm sistemas de recompensas não e até financeiras, dependendo das necessidades de crescimento, orientadas pelas vontades de seus associados.

Feitas as considerações iniciais, Organizações Sociais, foram assim definidas pelo Programa Nacional de Publicização brasileiro, no momento da sua entrada no mundo jurídico, pela lei 9.637/1998 como:

[...] pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei (BRASIL, 1998).

Um dos requisitos era que a entidade objetivasse a finalidade não lucrativa e, em caso de obter excedentes, estes não seriam distribuídos aos associados em forma de dividendos, sendo os mesmos reaplicados no desenvolvimento das próprias atividades. A tratativa destas com o poder público deveria ocorrer por meio do Contrato de Gestão.

98 Art. 5o [...] entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas [...] (BRASIL, 1998).

Mais recentemente, novo diploma jurídico (lei federal nº 13.019/2014) foi sancionado a respeito das Organizações Sociais, modificando o diploma legal anterior. O conceito de Organização Social não difere do anterior. Nesse novo contexto legal são definidas como:

Art. 2o [...] I - organização da sociedade civil: pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais resultados, sobras, excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social, de forma imediata ou por meio da constituição de fundo patrimonial ou fundo de reserva; (BRASIL, 2014).

A nova lei das O.S. cria os instrumentos como o termo de colaboração e termo de fomento, espécies novas de tratativa entre poder público e O.S. com regras que diferem do Contrato de Gestão, tentando adequar essa relação à nova lei de informação e transparência na administração pública, tornando a prestação de contas entre estes entes e o poder público mais transparentes e disponíveis em sítios conhecidos; outro avanço em relação à lei anterior é a previsão de sanções em caso de execução da parceria em desacordo com o plano de trabalho e com as normas dessa Lei e da legislação específica (BRASIL, 2014).

Organizações Sociais na prática, até a promulgação da lei 9.637/1998, eram uma gama variada de instituições de direito privado que atuavam, no vácuo ou junto ao Estado em situações de caridade, filantropia, mecenato e cidadania, na direção do acesso ao direito, que incluía desde entidades beneficentes e assistenciais a organizações religiosas e políticas de caráter partidário. Essa atuação já se dava por meio de outros instrumentos, entre eles o convênio.

A reforma brasileira do aparelho do Estado, de viés Neoliberal, tenta, através desse movimento, captar essas instituições e seus quadros, especializados num tipo de ação invisível à burocracia, para prestarem serviços de responsabilidade do Estado em troca de fomento e investimento.

Precificaram, do ponto de vista da tangibilidade e intangibilidade do capital, (GREMAUD et al, 2007, p.19), atividades que já eram produtivas, do ponto de vista social,

99 utilizando, como se viu antes, o conceito de externalidades advindo da economia. Neste caso o Estado procura agir como o grande “empresário” do Social.

Essa relação nem sempre é virtuosa e, como todo processo, há falhas, muitas das vezes sem possibilidades de correção para serem administradas. Desde a decisão política na direção dessa nova institucionalidade em saúde, como tendência no Brasil, que alguns autores alertam quanto aos cuidados com a manutenção do sistema OSS/SUS (IBAÑEZ ET AL, 2001), por entenderem que nessa relação, há espaço para o desequilíbrio entre receita, despesa e investimentos.

Outro alerta vai na direção de que, apesar de exigidos em lei processos democráticos, muitas vezes a cultura das OSS, enraizada na natureza privada da coisa, adquire viés centralizador para a garantia da própria autonomia, incompatível com os objetivos e valores do SUS (Id., 2001).

Outros temores se traduzem nas garantias do acesso aos serviços de saúde e na atuação do controle social, por esses respectivos temas não se apresentarem nos estudos como preocupações efetivas das OSS (CARNEIRO JUNIOR; ELIAS, 2006). Destacamos que foi apontada como sendo problemática a rotatividade de profissionais nas OSS. A não fixação de funcionários é um sinal negativo para a precarização do trabalho em saúde (BARBOSA; ELIAS 2010).

Contreiras e Matta estudando a privatização do setor saúde na cidade de São Paulo, como primeiro resultado do estudo constataram que a forma de ajuste por meio de convênio ainda persistia nas relações do poder público paulista com os entes privados prestadores de serviço no setor saúde, mesmo depois de uma lei regulamentar à qualificação das Organizações Sociais no município, no ano de 2006:

[...] grande parte dos ajustes regulando a privatização da gestão não eram contratos de gestão, mas convênios [...] Esses convênios reconfigurados se igualam aos contratos de gestão das OS em seu aspecto fundamental e inovador, a delegação da gestão de equipamento público ao setor privado. [...] Como as entidades não podem, tecnicamente, ser chamadas de OS quando gerindo por meio de convênio, foi proposto o termo “entidades conveniadas OS símiles” (CONTREIRAS; MATTA, 2015, p.288).

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