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Organizando Bibliotecas Escolares: a importância de formar leitores

Como afirmei, o texto datilografado pela professora Alda contendo o relato sobre o trabalho assumido na Escola de Aperfeiçoamento, trata da outra incumbência que recebeu, além da disciplina metodologia da aritmética. Optei por trazer o conteúdo das outras três páginas do referido texto, que informa um pouco mais sobre seu trabalho na instituição, propiciando estabelecer uma relação entre essa incumbência e a constituição de sua própria biblioteca, sua preocupação constante em adquirir livros e usufruir dos conhecimentos que estes podiam possibilitar a uma professora, enfim, ao valor que conferiu à leitura:

Coube-me tambem a organização da biblioteca escolar. Na esc. Tradicional, a bibl. é considerada antes um luxo do que uma necessidade. Ha poucos anos atrás, poucas eram as escolas públicas que possuiam bibl., e isso justamente pela actividade escolar que se limitava a um unico livro – o de leitura (o de geog.,o de hist.etc). Mudanças, porém, em methodos e processos de ensino exigem que a bibl. suppra o unico livro de classe, enriquecendo as experiencias dos escolares (promovendo facilidades para a consulta de autoridades para o uso de revistas tão bem como o de livros, e o material suplementar como gravuras, lanterna mágica, etc). A bibl. deve ser considerada como uma agencia que manipula e controla os materiaes educativos, de instrucção. Na verdade, nenhum outro fator da escola reflecte mais do que a bibl. o ambiente educativo da escola. A bibl. deve ser considerada quasi como um templo, é a verdadeira garantidora da educação, é o seu alimento, uma vez que nella se tem a felicidade de conviver com os grandes espíritos, os mestres sempre dispostos a nos ensinar, transmissores da Arte, da Sciencia e da Justiça, emfim, da experiencia humana.

Pois bem, em cooperação com as prof.–alumnas, daremos para o anno, uma nova feição à nossa bibl., de acordo com a classificação Decimal de Dewey, plano esse que se destina a grandes bibl. A nossa ainda é pequena, mas não são muitas vezes, as pequenas cousas que se tornam grandes?

Alda completa sua idéia com a caneta tinteiro: “As grandes instituições têm sempre origem modesta”

Para melhor compreender a relação da professora Alda com os livros, a pertinência de sua indicação para a tarefa de organizar bibliotecas escolares e o papel dos livros no movimento escolanovista, algumas leituras trouxeram-me importante contribuição. Na introdução do texto

Livros por toda parte: O ensino ativo e a racionalização da leitura nos anos 1920 e 1930 no Brasil, a historiadora da educação Diana Vidal (2000) trata essa questão citando ideias contidas

no livro Escola Moderna: conceitos e práticas de Maria dos Reis Campos. Segundo Vidal, esse livro foi publicado pela primeira vez em 1931, como resultado da viagem de estudos que sua autora realizou aos Estados Unidos, em 1930, sob o patrocínio da Associação Brasileira de

Educação e The Institute of International Education. Vidal (2000) traz a citação dessa autora que demonstra seu pensamento sobre o papel do livro na educação renovada:

Costuma-se em geral opor à idéia de escola nova a de escola livresca; à de ensino moderno, prático e concretizado o de ensino por informação, isto é, por aprendizagem feita nos livros. E com isso há quem pense que o livro é repudiado pela escola moderna ou quando muito tolerado, em certas condições. Nas escolas modernas, entretanto, a biblioteca é parte integrante e da mais alta relevância no organismo escolar. Nas escolas mais modernas se vêm livros por toda parte, tendo-os os alunos com fartura à sua disposição, como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos.97

Vidal acentua que, construída por jogo de oposições – escola nova versus escola livresca e

ensino moderno versus ensino por informação – a idéia da autora citada sinalizava um momento de ressignificção das formas de apropriação do livro no universo escolar (2000, p. 335)

Essa valorização do papel dos livros na escola nova está posta no relatório de Alda que apresentou como pretendia implementar as bibliotecas escolares, favorecendo o trabalho dos professores, a aprendizagem dos alunos, criando para estes espaços de entretenimento. Ressaltou o objetivo principal da biblioteca infantil de desenvolver na criança o gosto pela leitura. E para essa importante tarefa contaria com a contribuição de uma colega que, tanto quanto ela própria buscou conhecimentos fora do Brasil para alavancar o ensino por aqui:

Fará parte do nosso programma – a organização das bibl. das prof., nos grupos, e a bibl. infantil, cujo objectivo principal é despertar o gosto pela bôa leitura. O factor mais importante para desenvolver esse gosto é dar á creança opportunidade para lêr bons livros. A selecção destes será feita no curso de Leitura, dirigido por D. Lucia S. M. Castro. Habituar a creança a ler desde cedo, e não apenas como ler, é esse o maior thesouro que a escola lhe póde dar. Para isso fundaremos annexo à Bibl. o Club de Leitura. Deve ser a bibl. um logar attrahente, de modo a impressionar vivamente os alumnos que darão a ella, então todo o valor que merece. A bibliothecaria deverá ter uma prof. que poderá oriental-os, capas de fazer sentir aos meninos que a bibl. è um dos entretenimentos mais agradaveis e uteis, facilita o trabalho, eleva-os no conceito social.

E especificou as características que deve ter a biblioteca de acordo com os quatro anos do ensino primário:

No 1º anno do curso primario as actividades da bibliotheca terão a fórma de fazer com que as cr. se sintam a vontade, numa athmosphera de conforto e prazer, alegria e satisfacção, ouvindo historias de livros lidos pela bibliothecaria e professora da classe. Outras vezes irão á bibliotheca para ver, por ex., uma exposição de gravuras que interesse a eles. Outras para ver figuras nos livros, o prazer de folheal-os.

No 2º anno, quando eles já lêm, poderão retirar livros da bibliotheca sob a orientação cuidadosa e intelligente da bibliothecaria– professora. E, quando elles vão á bibliotheca para buscar uma informação, resposta a uma pergunta, como por ex., “como vivem as formigas debaixo da terra?”, e a bibliothecaria intelligente lhe der um livro que responda á sua pergunta, então a cr. sentirá que de, facto a bibl. é uma fonte agradavel de informações.

No 3º e 4º anos as actividades na bibl. continuarão esperando-se que da escola-casa para a escola da vida levem eles a escola dos mestres do pensamento humano, como alguem já disse.

Alda evidenciou o papel que devia ter a biblioteca na instituição, devendo funcionar de forma integrada ao que se passava na escola, oferecendo subsídios aos professores e alunos nos temas que seriam estudados e nas atividades que ali se realizassem:

Uma intima relação entre a bibl. e todas as outras actividades deve existir. Si, uma classe estiver, estudando por ex., insectos, a bibliothecaria deverá preparar a bibl.. facilitando livros referentes ao assumpto, nas mesas assim como gravuras e todo o material illustrativo para a lição.

Emfim, será de nosso plano o estudo da organização e administração das bibliothecas, (dessa valiosa instituição) escripturação, classificação dos livros, catalogação, etc.

A professora encerrou suas proposições enfatizando como deveriam funcionar as bibliotecas escolares enaltecendo a função social e educativa destas na educação:

E assim, organizando as bibliothecas escolares, conforma reza o nosso Regulamento de Ensino, daremos aos nossos estudantes o meio mais efficaz para resolver as suas difficuldades, o mestre mais solicito da educação, campo fecundo, onde, verdadeiramente, são hauridos todos os conhecimentos.

Trabalhar com esse relatório possibilitou-me articular dois tempos distintos na trajetória de Alda Lodi: o de sua formação em Nova Iorque e o de sua prática docente no trabalho de formação de professoras na instituição inaugurada em Belo Horizonte como ponto alto do governo Antônio Carlos-Francisco Campos. Considerei que esses dois tempos constituíram a base sólida da carreira da professora que a partir daí foi ascendente, tornando-a uma personagem de destaque na históra da educação mineira.