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50 Desde os primeiros contactos que as culturas europeias foram tendo e estabelecendo com o oriente, que se foi acumulando uma vasta tradição de escrita em que, de formas diversas, em géneros muito variados e focando aspectos muito plurais e diferenciados, se foi criando progressivamente a consciência da tentativa de apropriação e de apreensão de entidades culturais exógenas. Na relação que os europeus foram estabelecendo com esse oriente referencial, por via dos textos que daí surgiram, foi-se moldando um desígnio de domínio de entidades que, sendo sempre apreendidas inicialmente como exteriores ao sujeito da escrita, seriam por essa mesma escrita (re)criadas, absorvidas e apropriadas.

Vários são os estudos que analisam em minúcia este processo de (re) criação do oriente na e pela escrita europeia-ocidental, como uma entidade que, por oposição, se impõe em vista de uma maior definição própria. Comum a todo esse vasto conjunto de escritos, está a consciência de que se escreve acerca de algo que é exterior à cultura de quem escreve, e que essa realidade se impõe como tal na sua origem e natureza. A “exterioridade” do objecto da escrita permeia a longa esteira de textos acerca do oriente, o qual foi sendo formado e (re) construído ao longo de séculos e foi igualmente ganhando características mais ou menos elaboradas e complexas.

Edward W. Said intenta logo na introdução de Orientalismo65 demarcar o âmbito do

termo, e afirma que:

…os franceses e os britânicos – e em menor escala os alemães, os russos, os espanhóis, os portugueses, os italianos e os suíços – tiveram uma longa tradição daquilo a que se passou a chamar ‘orientalismo’, um modo de se relacionar com o Oriente que se baseia no lugar especial que o Oriente ocupa na experiência, intelectual e de acção, da Europa ocidental. O Oriente não é apenas um lugar adjacente à Europa; é também onde se encontram as maiores, mais ricas e antigas colónias europeias, é a fonte das civilizações e línguas europeias, o adversário cultural e uma das imagens mais profundas e recorrentes do Outro. Por outro lado, o Oriente ajudou a definir a Europa (ou o Ocidente) como contraposição à sua imagem, como ideia, personalidade e experiência contrárias à sua. O Oriente é uma parte integrante da civilização e cultura materiais da Europa. O orientalismo exprime e representa, cultural e ideologicamente, essa parte, com um todo de discurso apoiado em instituições, vocabulário, erudição, imagens, doutrinas e até burocracias e estilos coloniais.

E acrescenta mais à frente que,

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Ficará claro para o leitor (…) que, com orientalismo, me refiro a várias coisas, todas elas, do meu ponto de vista, relacionadas entre si. A acepção de orientalismo mais facilmente aceite é académica, e de facto a etiqueta serve ainda um considerável número de instituições académicas. Quem ensine, escreva ou investigue sobre o Oriente (…) tanto nos seus aspectos específicos como gerais, é um orientalista, e aquilo que ele ou ela fazem é orientalismo66.

Se alguns autores, na linha de Orientalism de Said, tendem a perspectivar a tradição de escrita europeia (sobretudo inglesa e francesa), com séculos de actividade, desígnios mais ou menos afirmados de dominação de/pelo discurso e do seu conteúdo, em menor escala, e com uma participação menos activa e profícua, também escritores de várias outras nações com história de presença e de contacto com o oriente, (nomeadamente também os portugueses) foram participando nesta actividade de referência, de estabelecimento e de contenção, (até) por via do discurso, do objecto ideológico e referencial dos seus textos. Por essa incessante tarefa de escrita, de reescrita, de incorporação e de adaptação, vários foram os escritores e pensadores que foram tornando o oriente num “Outro Oriente”, acessível e significativo para o seu sistema de compreensão da realidade67; um oriente que, sendo/ tornando-se um Outro de si próprio, e concomitantemente um Outro de quem sobre ele escreve e, assim, dele se apropria, se torna um elemento importante na formação e auto-consciencialização do discurso ocidental acerca de si mesmo.

Ora, o que nos interessa neste trabalho, é exactamente avaliar em que medida, Antero de Quental nos seus sonetos e Manuel da Silva Mendes nos seus ensaios, se apropriam de aspectos desse oriente e, ao incorporá-los na sua perspectiva sobre a realidade, lhes oferecem um novo sentido e fulgor. Desvelar e provar a relevância do oriente no horizonte de compreensão e de interpretação destes autores, através da forma que por eles foi usada para acederem, interpretarem e se apropriarem dele, é a questão que nos importa esclarecer, baseando-nos em instrumentos de análise e em pressupostos teóricos relativos à actividade de “tradução cultural”. Além disso, fundamentaremos as nossas reflexões num delicado e detalhado trabalho de análise e de interpretação profunda dos textos de Antero e de Silva Mendes, muito na linha da

66 Idem, p. 2. 67

Idem, cap II, pp. 57-83, com o sub-título “A geografia imaginária e as suas representações: orientalizar o oriental.”

São referidos autores como Hugo, Goethe, Nerval, Flaubert, etc. que, nas palavras de Said, tornam legítimo que se possa referir o orientalismo como um sub-género literário. (cf. op.cit. p. 60).

52 contemporânea acepção dos estudos que apelam ao regresso à filologia que, nas palavras de Said em “Orientalism Once More”68, se aponta como “in fact is the most basic and creative of the interpretive arts”69, e que, no ensaio “Sobre o Regresso à Filologia”, Vítor Aguiar e Silva determina como sendo um domínio de estudos “claramente pós-imperial”, “dialogante com a teoria literária contemporânea (…) capaz de reconhecer e admitir as consequências hermenêuticas, numa perspectiva gadameriana, da exotopia e da exocronia do leitor/intérprete em relação ao texto.”70

Várias foram as reacções ao texto original de Said, e muitas delas implicaram uma reapreciação do campo e dos métodos de análise textual do horizonte dos estudos orientalistas, pelo que Edward Said, no seu ensaio posterior “Orientalism Reconsidered”71

, o veio a redefinir nos seus objectos material e formal, considerando que

Orientalism of course refers to several overlapping domains: firstly, the changing historical and cultural relationship between Europe and Asia, a relationship with a 4000 year old history; secondly, the scientific discipline in the West according to which beginning in the early 19th century one specialized in the study of various Oriental cultures and traditions; and, thirdly, the ideological suppositions, images, and fantasies about a currently important and politically urgent region of the world called the Orient.72

Estaremos assim perante um conceito complexo com um referente plural e bastante fluído, um sector de estudos em permanente e dinâmica redefinição, que advém e se aplica a várias instâncias na análise das relações culturais entre a Europa e o Oriente, de que a tradução cultural será uma das suas expressões.

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Edward Said, “Orientalism Once More”, ed. Institute of Social Studies, The Hague, 2003. (Conferência proferida em Haia, por ocasião da atribuição do grau de Doctor Honoris Causa no quinquagésimo aniversário do I.S.S.). 69 Idem, p. 5.

70

Vítor Aguiar e Silva, op. cit., 2005, pp. 91, 92. 71

Edward Said, “Orientalism Reconsidered”, in Cultural Critique, n. 1, University of Minnesota Press, 1985, pp. 89-107.

53 Desde cedo, a escrita acerca do Oriente foi uma forma de o europeu poder estabelecer uma relação lógica e conexa com esse vasto espaço que se lhe ia abrindo e de que pressentia e vislumbrava características plurais.

Através da reflexão de uma vasta linha de escritores empreendida ao longo de vários séculos (de que damos conta no capítulo II desta parte do nosso estudo), o Oriente foi tomando um lugar mais ou menos central na mundividência europeia. A leitura e a “re-leitura” foi sendo alimentada em termos experienciais e empíricos pelo efeito de viagens de diferente natureza, que foram estabelecendo, também a diferentes níveis, contactos do homem europeu com o oriental, seguindo desígnios de apostolado, de comércio, de domínio político-colonial, de exploração económica, de diversão, etc. Destes contactos plurais, dá-nos conta uma vastíssima e plural linha de produção literário-filosófica73, mas é nos séculos XVIII e XIX, com um vigor muito próprio, e com uma intensidade e acuidade muito particulares, que é apropriado e reflectido em termos ideológicos, filosóficos e literários, enformando essencialmente o olhar europeu sobre o Oriente e o “oriental”74

, e alterando a abordagem e forma de vida, tanto daqueles que escreveram, como daqueles que em profundidade os leram.

O Oriente, entendido a nível desta atitude cognitiva, foi-se constituindo como um alter do Ocidente europeu, e foi permitindo a moldagem da consciência ocidental e (até) de domínio daquele por este. Por meio da representação de um universo configuracional exógeno, constituído por múltiplos factores e a vários níveis e sobre diversas áreas do saber, possibilitou- se a (re)definição do ocidental em situação de contacto face à diferença, e a inquirição acerca da possibilidade de se poderem encontrar meios e pontes de contacto com o Oriente.

Dessa actividade intelectual, foi sendo publicado um vasto número de experiências ocidentais sobre esse lugar, que mais do que geográfico e referencial, foi sendo facetado como mental, epistemológico e ideológico lato sensu. Este Oriente particular criado por referência foi- se formando como o possível dialogante cultural da Europa, que por lá foi estendendo, ao longo de séculos, o seu domínio político e administrativo. Nesse contexto, muitos escritores europeus vão-se apoderando do Oriente por via do discurso, e foi por meio dele que construíram recorrentes imagens da alteridade, que, aliás, foram concomitante e dialecticamente contribuindo para a elaboração de um novo discurso da “mesmidade”. O Oriente de que falamos - e que para a análise dos dois autores que nos propusemos analisar é relevante – é o Oriente intelectual de um

73 Cf. Cap.II, Parte 2, deste trabalho. 74 Cf. Capítulo II, Parte 1, deste trabalho.

54 contacto baseado numa actividade de diálogo cultural, de que as imagens e construções da alteridade foram sendo a sua mais elaborada expressão, desempenhando um importante papel na definição, no alargamento e no aprofundamento da consciência da Europa em geral, e muito particularmente da sua perspectiva intelectual e ideológica sobre o Outro.

Em Le conflit des interprétations, éssais d’herméneutique75, Paul Ricoeur afirma que a presença do Outro se dá no pensamento como uma condição deste. É na alteridade que emerge em toda a sua complexidade a questão da identidade do sujeito, de forma tão irrecusável e inadiável quanto inevitável, constituindo um ganho para este, sobretudo em termos cognitivos, na sua perspectivação da realidade. A alteridade pode, contudo, ser procurada de múltiplas formas e em tempos e espaços diferentes: os “outros” são múltiplos e podem referir-se a várias instâncias numa diáspora espacial e também histórica, pelo que o discurso sobre a alteridade é sumamente plural e rico nas potencialidades que abre (também) à redefinição e à actividade de “tradução” do sujeito.

Muito para além de ser um problema exterior ao sujeito na sua relação com a objectivação que faz do mundo, a fim de o compreender e dele se inteirar em termos gnoseológicos, a relação do sujeito com a alteridade torna-se uma condição da sua projecção e relação com o mundo, e muito especialmente com os demais sujeitos, ganhando assim cambiantes ético-existenciais; o Outro impõe-se na sua radical alteridade como a condição da concepção de si do sujeito (da mesmidade) que, nessa dupla relação com ele e consigo mesmo, se projecta no mundo moral, por incitar e implicar a escolha e a acção.

O sujeito encontra mesmo essa alteridade adentro de si, num eco da frase de Arthur Rimbaud “Je est un autre”76

: o sujeito divide-se e subverte-se para melhor conhecer e se conhecer. A presença do Outro estabelece-se como uma condição do conhecimento (teórico e prático) de si por relação e comparação. Ao sujeito, pela consciência mesma da presença do objecto, é dada a possibilidade de conhecimento (e de acção) que exige quer uma “apropriação”, quer uma “expropriação” que são movimentos de pensamento em que o sujeito sai de si, para melhor se poder observar num processo de “auto-alienação”, de “auto-libertação”, ao que tende a

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Paul Ricoeur, Le conflit des interprétations, É ssais d'herméneutique, Seuil, Paris, 2013.

76 « Maintenant, je m’encrapule le plus possible. Pourquoi? Je veux être poète, et je travaille à me rendre voyant : vous ne comprendrez pas du tout, et je ne saurais presque vous expliquer. Il s’agit d’arriver à l’inconnu par le dérèglement de tous les sens. Les souffrances sont énormes, mais il faut être fort, être né poète, et je me suis reconnu poète. Ce n’est pas du tout ma faute. C’est faux de dire : je pense : on devrait dire On me pense. – Pardon du jeu de mots. – Je est un autre. Tant pis pour le bois qui se trouve violon, et nargue aux inconscients, qui ergotent sur ce qu’ils ignorent tout à fait ! », in « Lettre du voyant », Arthur Rimbaud, Œuvres Complètes, 1871, p.22.

55 culminar na apropriação do Outro. Por meio da palavra (la parole), o sujeito reclama a sua libertação na referência do Outro, em outros lugares, com outras gentes, noutros espaços. A viagem da e pela escrita tem sido sempre isso mesmo no seu núcleo fundamental: uma saída de si e de apreensão (e “re-construção”) do Outro. Para tal, concorre por um lado a saída da familiaridade de si e da sua identidade, e, por outro, a intertextualidade e a “tradução” lato sensu, pelo seu carácter essencial e radicalmente dialógico, que (se) abre à comparação e à analogia. E, na escrita que a Europa foi fazendo do Oriente, pela qual o desenhou e facetou (para/por si), e na qual se inscrevem as obras tanto de Antero de Quental como de Manuel da Silva Mendes, há uma soberana habilidade de criação de redes de sentido que se activam, quer como inclusão, quer como exclusão, sob um pano de fundo do questionamento do Outro e, através dele, de si próprio.

Neste diálogo de intensas trocas de elementos intelectuais, a Europa pôde encontrar no Oriente (que foi em grande parte construindo pela prática da sua elaboração discursiva), o Outro dialógico de si própria que, por contraste e/ou por complementaridade, mas também, por vezes, por oposição, foi sendo a imagem, a ideia, a personalidade e a experiência de si, e por vezes ao invés de si. Quer pelo domínio pelo discurso, quer pela experiência da diferença, o Oriente ganhou uma dupla dimensão no discurso europeu, como alteridade e como razão da sua própria consciência de si. A escrita orientalista funda-se, em termos teóricos, numa geografia mental e funcionalmente artificial com fins operativos na actividade interpretativa77, o que, em certa medida, é um traço pelo qual também podemos aproximar Antero de Quental e Silva Mendes. A distinção basilar em termos mentais é sempre estabelecida como limite e a fronteira mental do discurso, que é, por assim dizer, por um lado assertivo e dominante nas interpretações que vai fazendo do Outro, mas que, por outro lado, é absorvente, especialmente quando tenta apropriar- se de aspectos que encontra ou interpreta, ensaiando por esta via a sua incorporação na sua própria visão do mundo.

Nesta segunda ocorrência há efectivamente uma tentativa (muitas vezes bem subtil e aparentemente pacífica, como nos parece acontecer em grande parte com os autores de que nos ocupamos) de total apropriação do elemento exógeno oriental, tornando-o parte do “todo” do seu horizonte de compreensão do mundo. Este facto mostra uma enorme pujança e um grande dinamismo intelectual e teórico do sistema de interpretação da realidade do sujeito cognoscente, mas por vezes, pode retirar ao elemento incorporado o seu carácter especificamente próprio, por força da própria interpretação e da sua fixação pela escrita, que dele vão sendo feitas.

56 Além disso, se por um lado é verdade que o discurso orientalista é o lugar onde o domínio e o apoderamento do Oriente se efectiva, também não deixa de ser real que é na sua prática discursiva orientalista que o ocidental é levado a definir-se e a usar exactamente a escrita acerca do Oriente para reflectir sobre si próprio. No contraste e em face de irrecusáveis discrepâncias, ressalta, na prática insistente do discurso orientalista do ocidental, o desejo efectivo de domínio e de exercício do seu poderio também a nível (e por via) textual. Mas, para além disso, o auto-conhecimento é uma imposição mais ou menos inadiável e mais ou menos irrecusável, no tempo e no espaço, que se gera da abertura e da auto-reflexão que a alteridade oferece; uma auto-reflexão acerca da prática discursiva em si (a escrita do orientalismo, neste caso) e uma auto-reflexão acerca do objecto dessa prática discursiva (o Oriente).

Pelo confronto com a diferença, o sujeito dá-se a conhecer naquilo que, por para ele ser evidente, nunca antes fora levado à reflexão. O discurso orientalista baseia-se na distinção fundamental apercebida entre o sujeito da escrita e o seu objecto e, por esse facto, assenta na forma da exclusão. Por este facto, segue uma lógica disjuntiva, coloca-se muitas vezes contra o

outro e poucas com o outro, no sentido de justificar o acto de conhecimento segundo os

parâmetros próprios, e também, em certa medida, para apoiar a empresa civilizadora ocidental. Neste quadro mental, o discurso ocidental acerca do Oriente - pelo fosso entre um “eu” e um “eles” - quando o tomou como objecto de interpretação, passou a realizar generalizações e abstracções, que o tiveram mais como um pretexto do que como uma razão e objecto de estudo. Quando tal aconteceu, o discurso orientalista gerou-se no sentido de frisar (e até por vezes justificar, quando o discurso ganhou cambiantes estratégico – políticas) a intransponível distância epistemológica entre o sujeito e o objecto “a conhecer em si”. Nesta procura discursiva, torna-se só possível ao sujeito de conhecimento captar, com uma maior ou menor riqueza, o âmbito fenomenológico desse Outro, estando-lhe vedado um contacto com a “realidade em si”, do que seria o oriental, no seu nível essencial e “numénico”. O discurso orientalista desenvolve- se numa observação idealizada do Oriente e do oriental, sem nunca se permitir tocar e efectivar uma apropriação real.

É nesta moldura gnoseológica que se desenvolve a reflexão e a análise textual do

Orientalism de Edward Said, a par do trabalho de Ronald Inden78e de vários outros, muitos deles

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A obra de Ronald Inden vai no sentido de sustentar a ideia de que a abordagem da Índia, e do seu peso civilizacional e cultural, tem sido feita tendo por pressuposto que os indianos não são verdadeiramente sujeitos da sua acção, entendendo fundamentalmente a história cultural do sub-continente pelo mero fluxo das influências e dos actores que nele (e com ele) agiram. O ensaio “Imagining India” (1990) realiza a desconstrução de modelos de

57 orientais, também como Gyan Prakash79. Como traço comum a todos eles, está o facto de receberem inspiração do quadro e da perspectiva de análise propostos por Said, o qual frisa que a posição epistemológica e o horizonte de compreensão do discurso orientalista é fruto de uma prática discursiva que se fundamentou em obras várias, que criaram uma imagem muito peculiar e “pré-judicial/judicativa” do Oriente. Dentre essas obras, as literárias jogaram um papel essencial por lidarem com o universo ficcional e configuracional da consciência, e por ser nelas que, em grande medida, se estabelece e se joga com o imaginário que estrutura o pensamento.

Certos autores europeus criaram e “mobilaram” a sua geografia imaginária com uma imagética específica, arvorando-se o direito de poder interpretar e de poder dominar a distinção e a irredutível alteridade desse Outro, o que vinca, em simultâneo, uma projecção da imagem criada como duas vertentes correspondentes e interdependentes desse acto de consciência: de um lado, uma inapelável alteridade do Outro e, do outro, por antítese, ou unicamente por distinção, uma crescente auto-consciência de si, que tende a dar espessura, conhecimento e densidade à sua identidade.

Os universos configuracionais representados pela prática discursiva orientalista retratam, em termos relacionais, mais uma postura intelectual do que um acto de conhecimento com um referente objectivável, podendo avaliar-se, assim, a importância de cada um destes dois pólos na relação do sujeito e do objecto do orientalismo em cada um dos autores a estudar, pela maior ou menor distância em que colocam o objecto dos seus textos (os sonetos em Antero e os ensaios análise baseados em modelos de clara herança colonial, e traz para a boca de cena pensadores e académicos que