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A origem do (re)assentamento Urucum, como expressam Muniz et al. (2003), começa no Sul do país, em Ilha Grande, divisa entre o oeste do Paraná e o Mato Grosso do Sul. Os autores esclarecem que em Ilha Grande viviam cerca de 235 famílias, sendo estas pequenos posseiros que ocupavam as terras do antigo Parque Nacional das Sete Quedas. Com base nos estudos de Tommasino (1985), os autores destacam que a área era caracterizada como sendo a última fronteira agrícola disponível no Norte do Paraná, principalmente para aqueles que não foram absorvidos como mão de obra durante a modernização do setor agropecuário e que também encontravam dificuldades no setor urbano.

Atualmente, como demonstram Koproski et al. (2004), Ilha Grande faz parte de uma Unidade de Conservação de Proteção Integrada, criada em setembro de 1997, que abrange os municípios de Guaíra, Altônia, São Jorge do Patrocínio, Vila Alta e Icaraíma, no Paraná e Mundo Novo, Eldorado, Naviraí e Itaquiraí, no Mato Grosso do Sul. A unidade de conservação é formada por um arquipélago fluvial com centenas de ilhas, muitas delas de curta existência, das quais as maiores são Ilhas Grande, Bandeirantes e Peruzzi, além de uma estreita e longa faixa de várzea situada à margem esquerda do rio Paraná, possuindo uma área total de 78.875 hectares.

O estudo em que se baseiam Muniz et al. (2003) mostra que a ocupação de Ilha Grande se deu a partir de 1957, com a chegada da primeira família e, a partir de então, prosseguiu até atingir um número expressivo em 1971. No entanto, a área integrava um Parque Nacional com terras pertencentes à União e, ainda assim, foi sendo habitado com o passar do tempo por pessoas das mais diferenciadas regiões brasileiras. Os estudiosos endossam, ainda, que, após o apossamento das terras, os moradores procuraram o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), para fazerem o registro e pagarem os impostos, fato este que legitimou o direito aos posseiros.

Produtivamente, até 1979 as famílias eram autossuficientes em arroz que, de acordo com Tommasino (1985), representava 40% do total comercializado na região de Umuarama. Outras culturas também eram desenvolvidas para consumo das famílias,

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como feijão, milho, verduras, mandioca, cana-de-açúcar, frutas, ovos, galinhas, porcos além do trabalho com a pesca. Complementado essa informação, Muniz et al. (2003) destacam que algumas famílias também fabricavam farinha de mandioca, melado e rapadura, atividades realizadas exclusivamente por mão de obra feminina. A parte da produção dedicada à venda incluía o trabalho com algodão, mamona, amendoim e soja, matéria primas para as indústrias da região.

A partir de 1976 começaram as enchentes, em decorrência da Barragem de Ilha Grande, que teve como principal função segurar terra e areia para evitar o assoreamento do grande lago da usina Itaipu. Nesse sentido, as perdas totais ou parciais da lavoura, em decorrência das enchentes, marcaram a vida destas famílias, que eram obrigadas a colher o máximo de arroz possível, antes de a lavoura ser coberta pela água. Violante (2007) observa que esse processo fez com que os moradores que pescavam, plantavam e criavam animais nas ilhas daquela área ficassem praticamente sem a subsistência da qual dependiam.

Até 1983, as enchentes provocaram o deslocamento de muitas famílias, várias não esperaram as negociações com a Comissão Interestadual dos Futuros Expropriados das Barragens de Ilha Grande Baixa e Porto Primavera, formada pela Comissão de Justiça e Paz, igrejas protestantes, sindicatos rurais e associações patronais, responsáveis pelo processo de condução tanto do reassentamento das famílias, quanto da negociação com as mesmas. Nesse sentido, como explicam Muniz et al. (2003), algumas famílias aceitaram a indenização em dinheiro, outras entraram em acordo com o INCRA, que definiu a troca de “terra pela terra” como mais aceitável pelos atingidos. Desse modo, as famílias foram reassentadas em diferentes municípios do Paraná e também do Mato Grosso do Sul, sendo que este estado apareceu como última alternativa, destacam os autores, devido à resistência das famílias em aceitarem o deslocamento para uma região tão distante e desconhecida.

É nesse contexto de deslocamento compulsório, em função da construção da barragem da Itaipu Binacional, que 61 famílias fizeram parte de um processo de reassentamento, no município de Corumbá, no Mato Grosso do Sul. Estas famílias, vindas de Ilha Grande, juntamente com mais 26 famílias que já viviam no imóvel desapropriado e na região em que foram assentadas como beneficiárias do processo de reforma agrária, integraram a população do (re)assentamento Urucum.

Esse fato permite observar que a criação do (re)assentamento Urucum articulou diferentes contextos de luta pela terra, configurando uma situação diferenciada em

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relação aos demais projetos de assentamento convencionalmente criados pelo INCRA. Sua implementação se deu em 1986, por meio da desapropriação da antiga fazenda Urucum, imóvel que pertencia a uma família de imigrantes italianos. A família Cárcano adquiriu a fazenda durante o governo militar brasileiro, na fase caracterizada pelo estímulo à ocupação das fronteiras. Na região de Corumbá, a oferta de terras a preços baixos favoreceu a formação de vastas propriedades, a exemplo da antiga fazenda Urucum.

Como expõem Muniz et al. (2003) , a fazenda da família Cárcano era descrita economicamente como autossuficiente, possuindo um engenho para fabricação de açúcar e aguardente, serraria a vapor, extensas plantações de frutas, criação de aves e centenas de cabeças de gado. Era servida, ainda, por um córrego volumoso e perene que nascia no morro do Urucum. Como explicam os estudiosos, a Fazenda Urucum era caracterizada como polo turístico e terapêutico, devido o componente oxigenado e ferruginoso das águas, fazendo com que a propriedade, por muito tempo, fosse associada à saúde e ao lazer em função das suas matas intocadas e, principalmente, da fartura de água. Rolim (s/d) assevera que a associação da fazenda Urucum ao terapêutico justifica-se pela relação que se firmou entre o Exército e os proprietários do imóvel, no qual, por meio desta, a fazenda recebia os beribéricos afetados da Marinha e do exército para tratamento e recuperação.

A fazenda Urucum destacava-se também pela qualidade e quantidade das águas, presença de uma infraestrutura avançada para época de 1914, que contava com lagos, cascatas, restaurante, escola, linhas telefônicas, agência de correios e estação ferroviária próprias, o que compunha um cenário atrativo aliando beleza e modernidade. Os autores elucidam, ainda, um sistema de captação, represamento e distribuição de água importado da Alemanha, que possibilitava a geração de energia elétrica, que alimentava algumas máquinas e proporcionava banho quente não apenas aos turistas como também aos pacientes de um pequeno hospital construído por solicitação do Ministério da Guerra, em 1910, para confinamento e cura dos beribéricos nas terras da fazenda.

Até os anos de 1950, a fazenda atraía muitos turistas e autoridades, configurando o principal polo de lazer na região. Os autores explicitam que a propriedade abrigava, em média, cerca de 50 pessoas, dentre os moradores e empregados. Todas as fazendas do entorno dependiam do córrego do Urucum, havendo até mesmo pessoas que comercializavam a água na cidade de Corumbá, dado que o município não dispunha de

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sistema público de tratamento e distribuição, e a água do Urucum, por ser ferruginosa, era vista como mais saudável.

No entanto, Muniz et al. (2003) asseveram que, após a morte do patriarca da família, a fazenda caiu em decadência, uma vez que nenhum dos herdeiros conseguiu tocar o empreendimento. A maior parte da família se mudou para a cidade e apenas um dos herdeiros construiu um pequeno balneário, que funcionou até 1967.

Em 1984, a fazenda foi declarada prioritária para fins de reforma agrária e, de acordo com o laudo de vistoria e avaliação realizado pelo INCRA, sua situação era de quase abandono. A parte da área na qual se encontravam as benfeitorias e a sede da antiga fazenda foi excluída da desapropriação a pedido dos herdeiros, que decidiram utilizá-la em condomínio. Sendo assim, a área constante do processo desapropriatório é de 1. 962 465 ha. O (re)assentamento Urucum foi criado em 1986, e é o mais antigo dos seis assentamentos implantados no município de Corumbá. Até 1995, de acordo com Muniz et al. (2003), foram implantados os quatro primeiros assentamentos da região, Tamarineiro, Taquaral, Mato Grande e o Urucum. Mais tarde, em 1997, foram implantados mais dois assentamentos, o Tamarineiro II e o Paiolzinho, configurando uma área total para os assentamentos de 28.886 ha e capacidade para beneficiar 1.100 famílias. O Quadro 2 abaixo apresenta informações sobre a área total de cada um destes assentamentos da região de Corumbá e a capacidade de beneficiamento em número de famílias.

Quadro 2 - Projetos de assentamentos no município de Corumbá - MS, 2012

Nome Área (há) Nº de Famílias (Capacidade) Situação

Tamarineiro 3.812,1735 157 Consolidado

Urucum 1.962,4649 87 Consolidado

Mato Grande 1.264,3543 50 Consolidado

Taquaral 10.013,9698 416 Em consolidação Tamarineiro II 10.635,5828 319 Em Consolidação Paiolzinho 1.198,0329 72 Em consolidação Fonte: MDA - Instituto nacional de colonização e reforma agrária, 2007.

Dessa forma, como se observa no quadro acima, o (re)assentamento Urucum faz parte dos assentamentos atualmente emancipados, valendo destacar que ele foi

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emancipado2 no ano 2000, não estando mais sob jurisdição do INCRA e configurando, do ponto de vista formal, uma comunidade rural do município de Corumbá. Na época da criação do (re)assentamento, a área foi dividida em 87 parcelas, sendo uma delas, especificamente o lote número 12, a agrovila do Urucum. A Figura 1 mostra a divisão das parcelas no (re)assentamento Urucum.

Figura 1 - (Re)assentamento Urucum, Corumbá- MS, 2012 Fonte: Banco de dados da Vale, 2012.

2 De acordo com o INCRA, um assentamento emancipado é um assentamento que, após ter participado de

diversas políticas públicas de apoio, conseguiu encontrar seu caminho de desenvolvimento econômico, estando consolidado e apto a integrar-se à vida do município no qual está implantado.

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Muniz et al. (2003) explicam, com relação à criação do (re)assentamento Urucum, que, apesar do aumento expressivo do número de assentamentos e de habitantes na região, os órgãos de assistência técnica não experimentaram o mesmo crescimento e essa discrepância foi sentida pelos moradores do Urucum. Os impactos negativos com a chegada das famílias foram contínuos, uma vez que a política fundiária não levou em consideração o reordenamento urbano, não havendo adaptação dos municípios da região para receber esse contingente não planejado de pessoas. Além da lacuna da infraestrutura, os impactos em relação ao aumento da demanda, de acordo com os autores, também tiveram reflexos sobre os recursos naturais, a exemplo da água, já que a implementação dos assentamentos na região configurou o aumento do consumo.

Vale ressaltar que esses aspectos favoreceram um contexto em que a busca de solução para o antigo embate relacionado à terra e ao deslocamento compulsório em decorrência da construção da barragem de Ilha Grande favoreceu a ocorrência de novos conflitos relacionados à infraestrutura, organização produtiva e, mais tarde, problemas com a falta de água enfrentados pelas famílias.

Uma dimensão importante levantada por Muniz et al. (2003) sobre a criação do (re)assentamento Urucum refere-se ao fato de que, para os reassentados do Paraná, a chegada ao Urucum representou um choque, já que as negociações com o INCRA incluíam a troca de “terra por terra”, em iguais condições de produtividade. Logo de início, os moradores já sentiram dificuldades com a agricultura, o que, para os autores, gerou conflito entre as famílias reassentadas e os órgão do governo, mais especificamente em relação ao INCRA, que passou a ser visto pelos moradores com desconfiança. A relação dos moradores do (re)assentamento com outras instituições, como o MST e a Pastoral da Terra, também não trouxe os resultados esperados, colaborando para o sentimento de decepção com relação às interações entre essas organizações e a população do (re)assentamento.

Produtivamente, destaca-se o fato de que os reassentados de Ilha Grande, anteriormente, sobreviviam de uma lógica produtiva fundamentada na pesca e no trabalho com culturas como o milho, arroz, mandioca e feijão, que eram comercializados na região de Ilha Grande. A nova perspectiva produtiva do Urucum vinha acompanhada da necessidade de se adaptar às condições da terra, que exigia outras especificidades das quais eram habituadas em Ilha Grande, além da busca por

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outros tipos de atividades produtivas no complemento à agricultura, dentre as quais se destaca o trabalho com gado.

Para Muniz et al. (2003), no que toca à pauta produtiva, a escolha das atividades a serem desenvolvidas no Urucum durante o processo de implementação do (re)assentamento não obedeceu a critérios de conhecimento e aptidão prévia das famílias, mas sim seguiram o perfil produtivo da região. Destaca-se, nesse sentido, que tanto o desenvolvimento da pecuária quanto da agricultura foram marcados por uma trajetória que os autores denominam de “tentativa e erro”, uma tendência dos assentamentos da região que, muitas vezes, reflete negativamente nos níveis de competitividade no mercado para esses produtores.

A falta de adaptação ao clima foi outro entrave citado pelos autores, que elucidam o fato de o INCRA ter oferecido assistência médica às famílias reassentadas vindas de Ilha Grande, uma vez que, frequentemente, pessoas doentes precisavam ser levadas à cidade, com sintomas de febre e diarréia causados pelo estranhamento aos componentes da água e pelo clima da região. Castelo Branco (1989) constata que, com todos os impactos das transformações em suas vidas, os moradores com origem em Ilha Grande passaram a ver as ilhas do Paraná como um ideal de fartura, segurança e autonomia, interrompido por um processo de deslocamento sobre o qual os reassentados tiveram pouca informação.

No que toca à situação atual das famílias e da área, após mais de 20 da criação, verifica-se no Urucum uma perpetuação de condições deficitárias de funcionamento, agravada pela falta de água, que se tornou objeto de novos conflitos em uma área que antes era marcada pela fartura desse recurso, como asseveram Doula e Muniz (2006). Essa situação de déficit hídrico, de acordo com os autores, coloca os moradores em um campo de litígio com seus vizinhos, com as instituições locais e entre eles mesmos. Os estudiosos destacam que, atualmente, o assentamento é representado pelos assentados por um local feio, pobre e desmatado em que nada lembra a beleza cênica apreciada nos tempos da fazenda. Para muitos, a criação do assentamento resultou em um grande impacto ambiental, com a perda das matas e o empobrecimento dos recursos naturais da região. Para as famílias do Urucum, o fato de a Urucum Mineradora S.A, empresa vizinha do assentamento Urucum, empregar o uso da dinamite em suas atividades pode ser a causa do rebaixamento do lençol freático, o que diminuiu a vazão de água do córrego Urucum.

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Nesse sentido, o estudo feito pelos autores mostra que, apesar da condição formal de emancipado desde o ano 2000, várias questões contribuem para a perpetuação de problemáticas que acabam por gerar uma situação de evasão por parte das famílias e descontentamento com a qualidade de vida dentro do antigo (re)assentamento. Durante a coleta de dados do presente estudo, observou-se que, no momento da pesquisa, a divisão em termos de proprietários dos lotes era de 53 lotes distribuídos entre os moradores, 20 lotes que foram vendidos para a Vale, outros 10 vendidos a um mesmo proprietário e quatro lotes que também foram vendidos a proprietários diferentes. Os dados da pesquisa mostraram que grande parte dos moradores demonstra a intenção de venda de suas propriedades.

Tendo em vista essas questões, no capítulo seguinte será apresentada a análise dos dados de campo, expondo-se aspectos que englobam tanto o perfil da população, com características socioeconômicas das famílias, quanto o uso e gestão da água feitos por essas famílias. Espera-se, com essa descrição, responder às questões que permeiam este estudo, assim como atingir os objetivos propostos por essa investigação.

37 4 DISCUSSÃO DOS DADOS DE CAMPO

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