• Nenhum resultado encontrado

3 ARTE E O COMÉRCIO DO VINHO DO PORTO

3.3. A origem das Marcas

Criar uma nova marca não era nada fácil, pois tal exigia um enorme trabalho. Era, para começar, necessário uma grande quantidade de pipas, além do tempo que se perdia em ensaios, as dificuldades que se tinham de superar quando, como de si dizia Adriano," se é escrupuloso como eu, que se preza o seu bom nome de viticultor cuidadoso e consciencioso e que, por esse motivo, não se quer apresentar no mercado um vinho que, para bater-se com outras casas menos escrupulosas talvez, tenha de sofrer em qualidade para equiparar-se em preço - eu prefiro deixar de fazer esse negócio"7 .

Como tal, as novas marcas de vinho não surgiam sem antes ter em conta determinado tipo de consumidor. Para ele uma marca, ao ser lançada, tinha que ser sinónimo de um sucesso garantido. Dentre as suas marcas mais cotadas, podemos salientar a do seu próprio nome de baptismo, o famoso vinho Adriano , embora inicialmente fosse designado de Convalescente. Caracterizada como sendo um vinho puro e especial, como aliás todas as suas marcas de vinho, sendo em princípio

73 Carta de Ad.R. P. enviada a António Maciel, agente no Rio de Janeiro ( Brasil), Arquivo Histórico, Cop. 11, 3 de

destinado a crianças e convalescentes, qualquer pessoa sã o podia também beber, o que não acontecia com os outros tipos de vinhos. Era uma espécie de tónico e digestivo. Antes de o introduzir com sucesso no mercado brasileiro, um seu amigo

aconselhou-o a levar essa novidade para ser apreciada por alguns médicos conhecidos para darem a sua opinião sobre o seu valor terapêutico e assim poder descriminar no impresso a enviar juntamente com o Adriano, os benefícios que o seu consumo trazia para a saúde.

Mesmo assim, não escapava às críticas por parte de alguns consumidores brasileiros, que consideravam aquele vinho como uma nova espécie de pomada ou remédio e, para os mais cépticos, tais dizeres do impresso não passavam de mero palavreado de apenas mais uma marca de vinhos, entre muitas, para os enganar. O certo é que, progressivamente, esta marca foi ganhando terreno e adquirindo uma grande aceitação em todos os mercados para onde era exportado e principalmente no Brasil, acabando mesmo por ser aconselhado por alguns médicos de certos estados brasileiros, tais como Pernambuco, Rio de Janeiro (nesta capital, aconselhado como um bom preventivo contra a febre amarela -1892), Santos e Pará. Além deste

74 Carta de Ad.R. P. enviada a A. Trommel & C , agente em Santos (Brasil), Arquivo Histórico, Cop.9, 10 de

mercado foi ganhando adeptos pela Europa, aumentando cada vez mais o seu consumo. Na Ásia, tentou o mercado de Macau, não conseguindo no entanto obter dele grandes lucros.

Outra marca de vinhos que Adriano Ramos Pinto tinha em mente lançar e, sem dúvida uma ideia bastante ambiciosa, tinha a ver com um vinho também especial e puro, tónico e nutritivo para ambulâncias e Hospitais da Cruz Vermelha Portuguesa, usando para isso o próprio distintivo daquela Sociedade. Este vinho, segundo o seu criador, seria aplicado no " tratamento dos enfermos de Loureço Marques "75, chegando mesmo a enviar 50 caixas dessa marca para as colónias portuguesas, especialmente para os soldados que lá se encontravam. Mas tal projecto não vingou, tornando-se, por isso, numa das maiores frustrações de Adriano Ramos Pinto, que aliás nunca escondeu a sua desaprovação pela forma como funcionava aquela Sociedade, que tardava em lhe dar uma resposta.

Além de que o logotipo da Cruz Vermelha estava a ser utilizado de forma indiscriminada, pois dizia ele que " continuo a ver em toda a parte os rótulos de rebuçados e outros produtos farmacêuticos com o emblema da Cruz Vermelha e só a

75 Carta de Ad.R. P. enviada ao Capitão José Simões Oliveira, Lisboa, Arquivo Histórico, Cop.9, 20 de Janeiro de

mim, que em vez de abusar como os outros, quis ir pelos meios legais, pedindo autorização é que se está prejudicando em uma demora injustificável"76.

Mas apesar de toda essa demora não se deu por vencido e substitui o Vinho Cruz Vermelha por uma nova marca denominada Prelados. Numa das suas cartas cheia de humor sarcástico, ataca "sem dó nem piedade" a Sociedade da Cruz Vermelha, dizendo que " aquela queria que continuássemos a esperar, a esperar, hoje, amanhã e sempre e o tempo a correr e nós a envelhecer mais e mais; até que, um dia, quando eu e o meu amigo, já presos das enxaquecas que a velhice acarreta, recebesse uma carta de um tataraneto de Palmela, anunciando -nos, que tinha deferido o nosso pedido - Ora! Nada! - Sejamos ao menos uma vez na nossa vida um Pombal pequenino. Que fazer ? - Cuidar dos vivos e enterrar os mortos ". E continua :"E realmente o "Cruz Vermelha" para campos de batalha onde a morte paira com riscos infernais...horror! Cheiro a podridão. Lixoí.E para contraste : O vinho dos Prelados/elixir da vida !/0 elixir da longa vida !"77.

Carta de Ad.R. P. enviada ao Capitão José Simões Oliveira, Lisboa, Arquivo Histórico, Cop.9, 27 de Julho de 1896, 156/157.

77 Carta de Ad.R. P. enviada a António Maciel, agente no Rio de Janeiro, (Brasil), Arquivo Histórico, Cop.9, 9 de

Ao criar a marca Prelados, estava também a pensar num novo tipo de consumidores, neste caso os eclesiásticos com cargos importantes na Igreja e nas congregações.

O aparecimento do vinho Prelados, segundo o seu criador, terá resultado, de " longas e aturadas pesquisas nos arquivos de um dos extintos mosteiros de S. Bento dos Frades"78, no qual terá encontrado os mais variados pergaminhos, entre eles, aquele que continha a fórmula mágica para tornar aquele vinho " num verdadeiro bálsamo que veio facultar àqueles que diariamente fazem uso dele, o poderem conservar intactas até ao último quartel da vida todas as suas forças, todo o seu vigor e todas as suas faculdades "79. Numa palavra, aquele comerciante terá encontrado num dos locais mais misteriosos de Portugal, que naturalmente não revela, o elixir da eterna juventude, o qual somente os religiosos podiam possuir.

Estes dizeres e outros de igual teor eram divulgados em panfletos distribuídos juntamente com o vinho daquela marca exportado para todo o lado, quer fosse para

r r

a América, Europa, índia ou Africa.

Em 1896, numas das suas cartas enviadas a António Maciel, seu amigo e agente no Rio de Janeiro, falava desta sua nova marca com entusiasmo e humor: "Ah, os padres! Os frades! Os prelados! Os finórios!. Os apreciadores do fino, do bom, do genuíno"; e mais adiante " é tal o entusiasmo que tenho por essa marca que eu criei com o amor de um pai, que fiz a promessa de eu mesmo me fazer monge se ela tiver uma feliz aceitação e ainda o meu amigo me verá aí, envergando o hábito nas ruas - Acredite !." Para este comerciante tratava-se, pois, de uma "cruzada" comercial, à qual o seu agente teria de aderir para levar o público a consumir aquele vinho, nunca desanimando, mas trabalhando " com denodado afinco em prol dos nosso Prelados - Amem !".

A "missão" do vinho Prelados era assim e de certo modo, também a de levar alguns aspectos da religiosidade popular a terras distantes, através da propaganda "da fé e do suco da parra". Era, enfim a continuação da "obra que herdámos de Noé!"81, segundo as palavras de Adriano Ramos Pinto.

Para a realização de alguma da sua propaganda desta (e de outra) temática, inspira- se em modelos retirados de postais ou gravuras estrangeiras, com clérigos de

80 Carta de Ad.R. P. enviada a António Maciel, agente no Rio de Janeiro, (Brasil), Arquivo Histórico, Cop.9, 9 de

Outubro de 1896, 339/342.

aspecto rosado e de ventre proeminente a beberem ou simplesmente a observarem com satisfação o copo de vinho que se encontra nas suas mãos, atribuindo-lhe assim um carácter ambíguo, isto é, ao mesmo tempo sagrado e profano. Também o aspecto metafórico se encontra em alguns dos seus cartazes, que nos lembram influências retiradas de pequenas passagens bíblicas, como aquela que vem referenciada no Cânticos dos Cânticos onde os prazeres do amor são comparados ao gozo do leite e do vinho ; e onde dar amor é o mesmo que dar de beber um vinho de bom perfume

. E ainda no Apocalipse, onde o vinho é visto como a sedução para a luxúria .Nos seus cartazes, essa sedução ou tentação encontra-se personificada na nudez de uma ou mais figuras femininas de porte esbelto e ar sedutor, oferecendo um cálice de vinho de sua marca a um eremita ou a um eclesiástico, que ora nos aparece como já tentado a beber, ou ainda a rezar para não cair em tentação.

Pioneiro nas técnicas de marketing para todos os gostos, soube a partir da criação de algumas marcas de vinho, nomeadamente Adega de Frades, Prelados e mais tarde do vinho S.Genaro, patrono de Nápoles ( Itália ), tirar proveito de uma instituição que, apesar de todo o positivismo do século XIX, ainda gozava de largo prestígio e

82 Cân.5,1; Bíblia Sagrada, III-IV; versão do Pe. Matos Soares, 1955. 83 Cân.8, 2; idem.

84 Ap.14,8; idem.

85 S.Genaro (S.Jenuário), nascido em Nápoles em 250, foi bispo de Benavento, tendo sido martirizado em 350. A

catedral da sua cidade natal, de que é padroeiro guarda duas ampolas com o seu sangue. O seu culto é o mais popular de toda a Itália. TAVARES, Jorge Campos (1990); Dicionário de Santos. Porto: Lello «felrmão, 80.

influência social tanto em Portugal como no Brasil e em toda a América do Sul, cujos mercados lhe interessava conquistar.

Neste afa de ligar a qualidade à "espiritualidade" dos seus vinhos, em 1901 edita um folheto onde, ao lado das análises feitas no Laboratório Municipal de Química do Porto, imprime uma carta, a fotografia e as armas de então Bispo do Porto D.António Barroso. Se as primeiras tinham incluído que as amostras em apreço eram de um "vinho licoroso bom", aquele prelado sobescrevia o seguinte : " Informamos pelo conhecimento proposto que Nos merece a maior consideração o Exm° Sr. Dr. A. J. Ferreira da Silva, Digníssimo Director do Laboratório Químico d'esta cidade, assim como a Casa A. Ramos Pinto. Porto, Paço Episcopal, 19 de Janeiro 1901. D. António, Bispo do Porto".

Tal atitude, para além do mais, demonstra-nos que este produtor e engarrafador tinha em conta o facto de a vox populi considerar que os religiosos eram apreciadores muito exigentes daquilo que bebiam e que, por outro lado, os seus vinhos tinham de ter a pureza do "vinho de missa".