• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: UNIVERSIDADE EMPREENDEDORA E MERCADO DE TRABALHO

1.1 Universidade Empreendedora

1.1.1 Origem

O papel das universidades tem mudado ao longo da história em resposta a mudanças no contexto socioeconômico, e desta forma seus objetivos, características e atividades também mudam. A universidade surgiu como uma instituição de ensino, passando a assumir também a missão de pesquisa a partir do século XIX, o que é chamado de primeira revolução da universidade por Etzkowitz & Webster (1998).

Etzkowitz & Webster (1998) propõem, ainda, que a universidade estaria atualmente incorporando novas atividades, em que ela assumiria um papel mais ativo no desenvolvimento socioeconômico da região e país onde está inserida. Esta seria, então, a segunda revolução da universidade, na qual ela assumiria além do ensino e da pesquisa, a missão de desenvolvimento econômico, tratada como a terceira missão. Etzkowitz et al. (2000) afirmam, ainda, que este seria um processo global.

Para os autores, a segunda revolução teria se iniciado praticamente simultaneamente à primeira, já que a universidade de pesquisa previa transferência de conhecimento. No entanto, Mowery & Rosenberg (1989) mostram que esta não era uma prática comum e em geral não era bem vista pelos pares, que defendiam que a universidade era o local da pesquisa básica.5 Rosenberg & Nelson (1993) mostram que esta visão da universidade voltada para a pesquisa básica, na verdade, surgiu após a Segunda Guerra Mundial, com a ascensão da Big Science.6

Nesse sentido, Rosenberg & Nelson (1993) mostram como a universidade nos Estados Unidos, desde a sua origem, era majoritariamente voltada para a resolução de problemas, assumindo tanto o papel de ensino e pesquisa quanto de desenvolvimento socioeconômico da região onde a instituição estava inserida. Os autores apontam que esta era uma prática comum até a década de 1920, e a própria legitimidade da universidade era derivada da sua contribuição ao desenvolvimento regional. A lógica do pós Segunda Guerra mudou esta visão da universidade, na medida em que os grandes projetos de defesa e saúde dominaram a agenda científica e o financiamento público.7 A partir da década de 1970, especialmente na década de 1980, houve o retorno da discussão sobre o papel da universidade na sociedade, diante das mudanças no cenário econômico e político.

Rosenberg & Nelson (1993) mostram, então, que após a década de 1980, com o fim da Guerra Fria e a queda da competitividade da indústria americana, o pesado financiamento

5

Existem diferentes definições de pesquisa básica. Rosenberg & Nelson (1993) discutem que ela pode ser vista como aquela que não se preocupa com a sua aplicação no momento do desenvolvimento ou ainda como pesquisa fundamental, que tem como objetivo a compreensão de um fenômeno. Os autores defendem a segunda visão, da pesquisa fundamental, em que não se está preocupado com a aplicação, e sim com a compreensão, mas o que não significa que os resultados da pesquisa não são aplicáveis. Esta é a definição a ser utilizada no presente trabalho. Para mais detalhes sobre este debate, ver também Stokes (2005).

6

A chamada era da Big Science, em que o governo americano passou a ser o grande financiador de pesquisas no país, inspirado pelo sucesso do Projeto Manhattan, que, a partir de pesquisa básica em física, foi capaz de construir a bomba atômica. Para mais detalhes e discussões sobre este período, ver Bush (1945), Stokes (2005).

7

público aos grandes projetos, especialmente os de defesa, passaram a ser questionados. Ademais, ocorre uma redução no financiamento público para pesquisa, inicialmente nos EUA, e em seguida também nos países europeus (Wright et al., 2007). Etzkowitz & Webster (1998) apontam, ainda, para a intensificação da exploração do conhecimento que também acontece a partir desta década. Os autores afirmam que a competitividade torna-se cada vez mais atrelada à exploração do conhecimento e há uma crescente aplicabilidade dos resultados de pesquisas em alguns ramos, como é o caso da biotecnologia. Em decorrência disso, a indústria depende e explora cada vez mais o conhecimento gerado no âmbito da academia.

Assim, a fim de lidar com este cenário, surge a proposta da universidade empreendedora, uma instituição cujos membros estão “diretamente envolvidos em traduzir conhecimento em propriedade intelectual e desenvolvimento econômico” (Etzkowitz & Webster, 1998, p. 17, tradução livre). Este processo ocorre inicialmente nos Estados Unidos, mas países europeus passaram por situações similares a partir da década de 1980, uma vez que a política da Big Science foi replicada globalmente, guardadas as devidas proporções.

Clark (1998) também discute a proposta de universidade empreendedora. O autor estuda como algumas universidades europeias8 conseguiram superar os desafios colocados a elas na década de 1980, especialmente a redução do financiamento público, se tornando referência em termos acadêmicos e de modelo institucional. Elas foram bem sucedidas em realizar parcerias externas, tanto com empresas, quanto com governos e outras universidades para programas de intercâmbio internacional. A interpretação do autor para os desafios enfrentados atualmente pelas universidades é que eles se dão devido a um desequilíbrio entre as necessidades da sociedade direcionadas para a universidade e sua capacidade de respondê- las. O empreendedorismo surge então como uma saída para estes desafios, como no caso da necessidade de complementar o financiamento público.

Percebe-se, assim, que as exigências direcionadas às universidades são crescentes, por parte da sociedade, das empresas e do governo. Exige-se maior acesso ao ensino superior e

accountability da comunidade científica, formação de mão de obra qualificada, adaptada à

realidade contemporânea, e exploração do conhecimento sendo gerado. Espera-se, ainda, que a

8

O autor analisa cinco universidades: University of Warwick, University of Twente, University of Strathclyde, University of Chalmers e University of Joensuu. (Clark, 1998)

universidade ajude na solução de problemas econômicos e sociais e gere o desenvolvimento de seu entorno (Clark, 1998). De acordo com Sutz,

[...] as universidades são mais e mais consideradas tanto por empresas quanto por governos como instituições que seriam devotadas para o ‘bem nacional’ da competitividade econômica do que ao ‘bem universal’ do conhecimento (Sutz, 1997, p. 12, tradução livre).

Para Clark (1998), a universidade empreendedora é aquela que realiza um esforço de construção institucional que não ocorre de cima para baixo (top-down), mas sim é construído intencional e conjuntamente pelos diversos atores da universidade, desde a direção até os docentes, e cuja proposta é criar um modelo institucional inovador que diferencie a instituição das demais e a coloque em posição de vantagem. A característica empreendedora da universidade destacada por Clark (1998), diferentemente da proposta de Etzkowitz & Webster (1998), se dá não devido ao caráter das atividades realizadas, mas pelo “esforço intencional de desenvolvimento institucional que requer atividades especiais e energia. Assumir riscos quando iniciando novas atividades cujos resultados são desconhecidos é um grande fator” (Clark, 1998, p. 4, tradução livre). O quadro 1.1 resume estes conceitos.

Quadro 1.1 – Conceitos de Universidade Empreendedora

Autor Conceito

Definição Natureza Aplicação Etzkowitz &

Webster (1998)

Etkowitz &

Leydesdorff (2000)

Instituição que assume papel ativo na transferência de tecnologia e no desenvolvimento econômico. Construção teórica (top-down/ normativa) Utilização para construção de políticas e base para pesquisas.

Clark (1998) Instituição que realiza um esforço coletivo e intencional de reformulação institucional, a fim de melhor explorar suas potencialidades e obter melhor desempenho em relação a seus pares.

Construção empírica (botttom-up) Modelo analítico utilizado em pesquisas.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Etzkowitz & Webster (1998), Etkowitz & Leydesdorff (2000), Clark (1998), Brännback et. al (2008).