• Nenhum resultado encontrado

2.3 Detalhe como Expressão Arquitetónica

2.3.3 Ornamento e Decoração

Comummente associamos as palavras "ornamento" e "decoração" como se se tratassem de sinónimos perfeitamente correspondentes, em que uma palavra serve para definir a outra. Cremos que na realidade estas palavras têm significados distintos, e que por esse motivo será útil analisar as suas origens e esclarecer a conotação que adquiriram.

Em primeiro lugar é necessário referir que em várias línguas as palavras equivalentes a “ornamento” e “decoração” derivam da etimologia latina: orno e decus.

Orno do latim, está relacionado com ordo, que significa ordem. Ambas

provêm do termo ord(i)no, que segundo Luciana Muller Profumo, significa "la belleza aportada por el ornamento etimológicamente refleja un ideal de forma ordenada, armónica."23 Decus, decoro,

etimologia da palavra decoração: "proyecta sobre esta palabra el significado de 'conjunto que determina la importancia de la estructura', pero, al mismo tiempo, denota una antítesis entre 'decor' y 'decoración' cuando esta última resulta excesiva."24

Os significados das palavras devem ser considerados e analisados individualmente para cada língua, pois as palavras adquirem significados específicos motivados por questões culturais. Estender

23 Profumo, L. M., El ornamento iconico y la arquitectura 1400-1600, Madrid: Catedra, 1985, p.15

conclusões de uma língua a outra pode levar-nos a generalizações equívocas quanto ao verdadeiro significado das palavras.

Na língua portuguesa ornamento significa “adorno que tende a dar imponência” ou ainda “o que dá honra ou lustre.”25 Decoração por sua vez é definida como sinónimo de ornamento.

Já na língua espanhola notamos uma clara distinção entre os dois termos. O termo decoración é utilizado para designar tendencialmente "aparatos teatrales" e não como sinónimo de ornamento. Este corresponde a adorno "que hace vistosa una cosa". A língua espanhola não define o ornamento como elemento puramente acessório, no entanto considera-o um coeficiente essencial da beleza.

Por sua vez nas línguas francesa e italiana, que foram as mais influenciadas pela "poética do purismo” clássico, a palavra ornamento, que se reflete sempre no termo decoração, aparece continuamente com uma conotação pejorativa. Na definição francesa da La Gran Encyclopédie Larousse, a palavra "ornement" compreende o conjunto

de partes acessórias de uma composição que pode ser retirada sem afetar o tema principal. Na definição italiana reafirma-se a conotação negativa: o ornamento é visto como o elemento que não responde a fins práticos e às exigências funcionais, mas adiciona-se para conferir elegância ou encanto. Ao contrário da língua espanhola, para a língua italiana a verdadeira beleza não precisa de ornamentos.

A definição destes termos apresenta-se marcadamente ambígua nas variadas línguas, e o mesmo se verifica nas definições da crítica. Por norma, decorativo opõem-se a construtivo, e acarreta os significados de vistoso, embelecido, acessório e superficial, ou seja, que resulta de uma visão primária, ao contrário do construtivo que remete para uma visão mais profunda.

25 Significado de Ornamento <https://www.priberam.pt/dlpo/ornamento> [Consult. 11 Maio 2016]

Destacamos a distinção feita por Cesari Brandi entre ornamento e

decoração. No primeiro encontra um sistema de "sublimação visual"

estético, da forma funcional da arquitetura em relação à imagem cognitiva que o artista tem na sua mente e que remonta ao modelo platónico - interiorizado - do objeto: o ornamento é o meio através do qual a brutalidade nua do objeto construído com uma finalidade prática, se afirma como "pura presença".

Brandi acabou por adotar o termo "astanza", que consistia numa "busca pela essência primitiva do objeto". A conceção de ornamento de Brandi retoma a ideia de Alberti: elemento revelador da beleza indispensável para quebrar a "passividade surda" do objeto.

Em oposição, a decoração era para Brandi um conjunto justaposto e

inútil, que constituía uma verdadeira "incrustação" da forma.

A distinção entre ornamento e decoração constitui um tema ambíguo para a arquitetura pois as conotações que lhes estão associadas são motivadas essencialmente por questões culturais. Certo é que a arquitetura tem vindo a cultivar uma espécie de repulsa pelo ornamento, o que levou Adolf Loos a descrevê-lo como “one of the lowest forms of human expression - evidence in modern times of a

criminal or degenerate personality at work.”26

Ao contrário das palavras de Loos, cremos que a utilização do ornamento está impregnada de significado e que se recuarmos à sua origem encontramos provas valiosas da sua utilização enquanto forma de expressão humana que ultrapassa o efeito exclusivamente estético e sem valor.

Ornamento - Origem

Na obra El Ornamento Iconico y la Aruitectura 1400-1600, Luciana Profumo recorre a exemplos práticos para evidenciar o papel funcional

26 Reddig, K. C., Theory and Criticism. in 84th ACSA Annual Meeting, Charlotte: University of North Carolina, 1996, p. 285.

desempenhado pelo ornamento. O ocre vermelho utilizado pelos índios americanos para pintar o rosto utilizava-se originalmente como antídoto contra as picadas de insetos; porém na mesma época, a pintura corporal nas suas múltiplas variantes constituía também, noutros lugares, sinal de filiação a um estatuto social ou a um determinado grupo. Nos povos primitivos, os adornos das mulheres que estavam em idade de casar eram diferentes dos das mulheres casadas ou das viúvas. Na cultura grega durante o período geométrico, não era casual o fato das decorações de origem icónico-narrativo- simbólico das ânforas ocuparem a parte maior do recipiente, qualificando-o como recipiente de cinzas masculinas ou femininas. Nenhuma destas práticas era "gratuita ou puramente formal": os sinais ornamentais eram utilizados com significados e fins específicos. No entanto eram desenhados com uma sensibilidade que conseguia dividir, harmonizar e medir as superfícies do suporte segundo a forma do objeto ou do ambiente, ou seja, com um sentido estético.

"Así como la música es portadora de un ritmo sensible - y por consiguiente estético - de tiempo que divide su fluir indiferenciado del mismo modo el ornamento, actúa sobre el espacio - la superficie o el ambiente - estableciendo nuevas dimensiones psicológicas y humanas; la envoltura iconográfica desempeña el mismo papel que en la música se confía am timbre sonoro, a la melodía."27