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Capítulo 1 Definição do Estudo

2. Língua Materna e aprendizagem da competência ortográfica

2.1. O erro ortográfico: conceções e natureza

Existem diversas atitudes perante o erro ortográfico e o facto de este ser considerado como algo a evitar, como a revelação de uma aprendizagem que não atingiu os objetivos, não deve impedir-nos de procurar nas incorreções dos alunos, o que elas nos podem revelar.

Uma das leituras que o erro ortográfico pode ter está relacionada com a visão clássica da falha e constitui objeto de “censura” com vista a melhores desempenhos de acordo com a norma ortográfica estabelecida e transmitida aos aprendentes. A outra leitura do erro trata-se de uma via que nos permite penetrar no modo como a escrita se pode revelar um objeto em construção, a partir dos conhecimentos que a criança possui no momento. Por isso, pode conferir-nos a capacidade de acompanhar o processo inerente ao desenvolvimento do conhecimento (Pinto, 1998, citado por Barbeiro, 2007). Deste modo, os erros são visualizados de forma construtiva, revelando a participação ativa dos alunos no processo de aprendizagem.

Azevedo (2000) menciona que vários autores sublinham que o erro faz parte da aprendizagem, ou seja, é percecionado como um fenómeno de integração de novos conhecimentos, como uma passagem obrigatória para o saber. Porém, Zorzi (1998, p.18) afirma que, contrariamente ao discurso, “a escola não consegue ainda conceber o erro como algo

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inerente ao processo de aprendizagem”. No entanto, já Ferreiro e Teberosky (1998, citados por Azevedo, 2000) acentuavam que certos erros poderiam mesmo constituir pré-requisitos necessários à obtenção de respostas corretas, sendo necessário que na prática pedagógica se permitisse ao sujeito “passar por períodos de erro construtivo”.

Alguns autores também sublinham o interesse que o estudo dos erros deve suscitar, “pois os erros são instrumentos de trabalho, fonte de informação para o professor, que irá nortear a sua acção junto de cada aluno, para o ajudar a dominar a escrita” (Azevedo, 2000, p.65). Os erros podem realmente funcionar como pistas para intervenções didáticas diferenciadas que levem os alunos a refletir sobre as convenções ortográficas.

Posto isto, os erros infantis demonstram toda a exploração cognitiva que as crianças efetivamente vivenciam enquanto constroem a sua competência ortográfica. Assim, a produção escrita da criança pode ser um indício do quanto conseguiu apropriar-se do sistema ortográfico, entendendo os erros como etapas de apropriação.

Considerando-se, assim, a aprendizagem da escrita como um processo de formação de conhecimentos, os erros que surgem na produção gráfica das crianças podem ser reveladores da apropriação de uma nova linguagem e surgiriam como indicadores das possíveis hipóteses ortográficas que elas estariam utilizando para a escrita. Ou seja, os erros podem corresponder a tentativas de compreender e dar sentido às propriedades características do sistema de escrita. (Zorzi, 1998, p.20)

Inúmeros são os fatores que podem contribuir para que os alunos errem ao escrever. A descoberta das causas dos erros ajudará o professor na sua intervenção, pois “só localizando a origem do erro, a sua identificação e denominação, se poderiam prever exercícios de correcção adequados” (Figueiredo, 1994, citado por Azevedo, 2000, p.68).

Nunes (1992, citado por Real & Roazzi, 2005), na busca de compreender os motivos dos erros na grafia de palavras cometidos pelas crianças, apresentou resultados de estudos onde percebeu que mais do que memorizar a escrita de palavras isoladas, as crianças erravam ou acertavam por conhecerem ou desconhecerem princípios do sistema ortográfico. Ao analisar os erros, a autora refere que a criança apoia-se em informações e hipóteses, e os erros refletem as lógicas por elas utilizadas e o desconhecimento de princípios ortográficos específicos.

Porém, há dificuldades que podem não situar-se apenas no nível linguístico, mas encontrar origens mais profundas, através de diversas perturbações. Gomes (1989, citado por Carvalho, 1999, p.72) refere as seguintes causas do erro ortográfico:

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as de natureza psicológica relacionadas com a memória, a atenção, a perceção; as derivadas dos métodos de leitura seguidos; as que têm a ver com o meio social em que o aluno se insere; as que resultam de um contacto frequente com situações predominantemente orais; as que derivam da complexidade da própria língua; a interferência de outras línguas.

Focando nas causas que podem derivar dos métodos de leitura e escrita seguidos, e não tendo como intenção questionar a sua viabilidade, penso que é importante referir que o método das 28 palavras aplicado na turma deste projeto de investigação, apresenta, tal como todos os outros, aspetos menos positivos: a forma como são feitas e testadas as predições, os tempos de leitura e as próprias predições e o facto da via visual não poder ser a única via utilizada na leitura (Martins & Niza, 1998). Estes aspetos podem contribuir para o aparecimento de dificuldades na aquisição da leitura e da escrita. Todavia, estes podem ser retificados, se o professor se aperceber destas características e adaptar e melhorar o método, recorrendo a diferentes estratégias.

Frith (2002, citado por Barbeiro, 2007) indica que o percurso de desenvolvimento pode ser dificultado pelo contributo de fatores adicionais, situados em três categorias: fatores ambientais (condições das escolas, formação dos docentes, atitudes culturais para com a leitura e a escrita, condições socioeconómicas do aluno), fatores biológicos (aspetos genéticos e neuro-anatómicos) e fatores cognitivos (mecanismos de processamento de informação). A autora citada, no seu estudo, coloca em relevo a ação dos fatores ambientais sobre três níveis relevantes para o desenvolvimento de competências de leitura e escrita: nível biológico (podem existir ou não anomalias, designadamente cerebrais), nível cognitivo (existência ou não de défices no processamento relativos à realização das funções envolvidas na aprendizagem) e nível comportamental (nível a que normalmente se tem acesso, correspondente ao desempenho/manifestações do aluno). Esta perspetiva de Uta Frith alerta-nos para o facto de o nível comportamental não ser o único a ser tido em conta. Os fatores ambientais podem mesmo sobrepor-se aos fatores cognitivos e biológicos que condicionam a aprendizagem da leitura e da escrita (Barbeiro, 2007).

Para além disso, os problemas associados a essa aprendizagem podem também surgir ligados a duas vertentes. Por um lado, ligados aos casos de deficiências sensoriais e motoras, como a paralisia cerebral, deficiências intelectuais e emocionais graves como o autismo; por outro lado, também podem estar associados aos problemas de aprendizagem conhecidos por “distúrbios”, cujas causas são intra-individuais e atribuídas a disfunções cerebrais mínimas ou a

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disfunções neurológicas, que interferem na perceção e no processamento linguístico, onde se incluem a dislexia e a disortografia (Rebelo, 1993, citado por Barbeiro, 2007).

Há outros estudos que atribuem também, como causas dos erros, razões de ordem psicológica (interesses, sentimentos, precipitações, cansaço, falta de atenção,…) e de ordem lógica (falácias, sofismas, razões aparentes) (Torre, 1993, citado por Azevedo, 2000).

Caso estivéssemos perante uma criança que ao fim de um certo tempo e após a realização de observações sistemáticas, mantivesse ou aumentasse a frequência e a variedade de alterações ao código escrito, poderíamos supor que a apropriação do sistema ortográfico não se estaria a proporcionar de forma adequada.

Em casos como este poderíamos pensar em possíveis distúrbios. Mas nem sempre a presença de dificuldades significa a presença de um distúrbio. Além disso, essas dificuldades podem não estar centradas nas crianças, uma vez que o não aprender pode também ser consequência de um ensino deficiente ou ineficaz. Mesmo que se trate de um distúrbio de aprendizagem, isso não significa uma incapacidade para aprender ou, mais concretamente, para se apropriar do sistema ortográfico. (Pereira & Azevedo, 2005, pp.50-51)

O papel da escola perante estes casos é, em vez de diagnosticar, o de acompanhar atentamente a evolução do processo de apropriação para poder compreender realmente o que podem significar as dificuldades das crianças. Igualmente deve encontrar soluções que contribuam para uma aprendizagem mais efetiva e não encaminhar as crianças para alguma forma de tratamento, excluindo a escola de responsabilidades (Zorzi, 1998). Portanto, embora possam ser parte integrante da aprendizagem, os erros não podem ser simplesmente aceites, indiscriminadamente, como algo natural que acabará por ser admitido. Algumas crianças podem mesmo necessitar de estratégias diferenciadas ou mesmo requerer mais tempo para adquirir certas competências.

Por isso, é necessário compreender de forma mais adequada o processo gradual de construção do sistema ortográfico, assim como as dificuldades que lhe são inerentes, para se distinguir as dificuldades que fazem parte da aprendizagem daquelas que podem constituir distúrbios (Pereira & Azevedo, 2005).

Perante o que foi apresentado, posso concluir que as causas dos erros são muitas, de diferente natureza e nem sempre são fáceis de identificar. Da mesma forma não existe uma relação automática entre o erro identificado, a causa descoberta e a intervenção remediativa.

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Estas causas devem ser vistas no âmbito das competências que são afetadas, perspetivando a procura de estratégias pedagógicas que permitam aos alunos ultrapassar as dificuldades e alcançar uma competência ortográfica eficiente.

2.2. O erro ortográfico: tipologias e intervenção