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Capítulo I – Conceptualização do abuso sexual infantil

1.3. Caracterização das vítimas e de agressores

1.3.2. Os abusadores sexuais

independentemente do seu sexo, idade ou história passada, sentem-se sexualmente atraídas por crianças (Child Abuse Prevention Programme, n.d.). Estes tendem a abusar delas para

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sentir poder e controlo que não sentem nas relações com outros adultos sendo que, em alguns casos, são pessoas abusadas ou vítimas de violência e mau trato na própria infância (Stop it now, 2008). Importa destacar que esta forma de violência pode ocorrer, tal como referido na Introdução, dentro ou fora do ambiente familiar da criança sendo que, na maioria dos casos, o abuso é cometido por pessoas conhecidas desta, não apresentando um perfil típico (Canadian Centre for Child Protection, 2014; Habigzang et al., 2005; Stop it now, 2008).

Como mencionado nos dados acerca da prevalência das situações de abuso, conclui-se que a maioria dos abusadores sexuais de crianças é do sexo masculino (Sistema de Segurança Interna, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017). Alguns destes foram vítimas de violência durante a sua própria infância (Stop it now, 2008). A este respeito, destaca-se um estudo com 91 homens agressores sexuais, em que 87 responderam a questões sobre as suas experiências sexuais enquanto crianças, concluindo-se que dois terços (68%) foram abusados durante a sua infância, quando tinham em média 9,75 anos (Elliott, Browne, & Kilcoyne, 1995). Também Martins e Jorge (2010), no seu estudo feito no Brasil, anteriormente referido, apontam para o facto de 97,3% dos agressores da sua amostra serem do sexo masculino. Relativamente às faixas etárias, verificou-se que alguns dos agressores masculinos eram menores – 9,9% dos agressores tinham menos de 15 anos de idade e 11,6% tinham 15 a 19 anos. Relativamente aos adultos, as maiores taxas de incidência encontraram-se nos mais de 40 anos (25,4%) e nos 30 a 34 anos (21,5%). Já no caso das agressoras femininas, 50,0% (N=2) tinham entre 20 a 24 anos e as restantes duas agressoras tinham ou 35 a 39 anos ou 40 e mais anos.

Como se verifica, apesar da maioria dos abusadores ser do sexo masculino, este tipo de crime também é cometido por mulheres. No entanto, os dados relativos ao abuso sexual cometido por mulheres são escassos e a sua incidência parece ser inferior a 5% dos casos (Sistema de Segurança Interna, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017). De acordo com a literatura, nestas situações a vítima é mais frequentemente do sexo feminino e é também, mais provavelmente, uma criança com quem o abusador tem uma relação de grande proximidade afetiva e relacional. As mulheres tendem também a abusar de crianças mais novas

(especialmente na idade pré-escolar ou escolar) e algumas abusam de mais de uma criança. Por serem figuras que, de forma estereotipada, a comunidade associa à prestação de cuidados à criança, o abuso cometido tende a ser mais discreto e dissimulado, ocorrendo

frequentemente na prestação desses mesmos cuidados (Elliott, 1993; Grayston & De Luca,1999; McLeod, 2015).

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Independentemente do sexo ou idade do agressor, geralmente o abuso sexual é iniciado pela sedução da criança através de um processo denominado como “grooming”. Neste processo, o abusador começa por estabelecer uma relação de confiança com a criança (e também restante família), como forma de conseguir subtilmente aceder à mesma e estar sozinho com ela. Este processo tem, assim, como objetivo chegar à criança, que geralmente é alguém vulnerável e que passa algum tempo sem uma adequada supervisão das figuras

cuidadoras, sendo a aproximação do agressor vista de forma positiva, sem levantar suspeitas e de forma a que a criança não se aperceba do perigo (Canadian Centre for Child Protection, 2014). Mais concretamente, o processo de “grooming” tem sido descrito na literatura como envolvendo sete passos: identificação da criança (potencial vítima); acesso à criança e ganho da sua confiança (atendendo às suas fragilidades, o agressor procura conquistar a sua amizade e estabelecer uma relação de confiança); manipulação da relação estabelecida, de forma a que o agressor seja sentido como alguém que compreende a criança, com quem esta empatiza e que satisfaz as suas necessidades; isolamento da criança, por forma a potenciar momentos de exclusividade, sem possíveis testemunhas da situação abusiva; desenvolvimento de uma relação especial e privada, reforçando a ideia de que esta deve ser mantida em segredo (nesta fase podem começar as primeiras ameaças), e início gradual do contacto sexual, com toques progressivamente mais sexualizados, assumindo o controlo da relação (mantendo o segredo e fazendo a criança acreditar que se revelar não será acreditada; o abusador tende a fazer

ameaças para que não haja uma revelação) (The National Center for Victims of Crime, 2012). Existem diversos modelos teóricos que explicam o comportamento sexualmente agressivo dos abusadores. Das teorias existentes na literatura serão abordadas, seguidamente, uma teoria clássica e uma teoria mais recente, que permitem perceber quais as crenças dos abusadores sexuais que os levam a iniciar estes processos de “grooming”. O modelo das pré- condições de Finkelhor (1984, cit. in Agulhas & Anciães, 2013; Finkelhor, 1986; Ward, & Hudson, 2001) constitui-se como um modelo clássico, que tem como premissas base dos agressores a congruência emocional (contacto sexual emocionalmente satisfatório), ativação emocional (excitação sexual com as crianças), bloqueio (dificuldade em satisfazer

adequadamente as suas necessidades sexuais) e desinibição (agem de forma contrária ao normal com base no seu à vontade), sendo que as três primeiras (relacionadas com a primeira pré-condição) explicam a existência de uma quarta (que se relaciona com a segunda pré- condição). As pré-condições são: (1) o agressor estar motivado para abusar da criança, (2) ultrapassa as inibições internas, (3) aumenta a probabilidade de agredir e (4) ultrapassa a

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resistência da criança ao abuso. A teoria integrativa da agressão sexual é uma outra teoria, mais recente, de Ward e Beech (2006), onde se assume que existem fatores biológicos

(genéticos e de desenvolvimento cerebral), ecológicos (meio social e cultural em que a pessoa se insere) e neuropsicológicos (controlo das motivações e emoções, sistema de perceção e memória ou sistema de controlo e ações). A interação destes fatores permite-nos entender as distorções cognitivas relativas à sexualidade, problemas emocionais e relacionais que são apresentados pelo sujeito. Desta forma, o comportamento sexualmente agressivo é mantido ou agravado com o tempo, sendo necessário modificar os fatores do ambiente e modificar o funcionamento psicológico do agressor para o combater.

Assim, e com base nestes modelos, surgem as distorções cognitivas que fazem o agressor acreditar que o contacto sexual entre uma criança e um adulto não tem quaisquer consequências negativas, nem para o próprio, nem para a criança (Abel, Becker, &

Cunningham-Rathner, 1984). Para Abel e colaboradores (1984), as crenças dos abusadores podem ser agrupadas em sete categorias: a falta de resistência física da criança à situação de abuso demonstra que esta está disposta a ter uma relação sexual; os comportamentos sexuais com as crianças são educativos; a criança gosta das relações sexuais e por isso é que mantém o segredo e não revela aos outros; futuramente, a sociedade vai começar a aceitar as relações sexuais entre adultos e crianças; as carícias não magoam as crianças; as crianças fazem perguntas sobre sexo porque querem que lhes demonstrem ou desejam experimentar (sendo que alguns acreditam, ainda, que as crianças são seres sexuais que gostam e procuram relações sexuais com adultos), e ter relações sexuais com as crianças aproxima o adulto e a criança. Por outro lado, Ward (2000), numa perspetiva mais recente, defende que estas distorções cognitivas são o resultado de acontecimentos negativos e pouco típicos, como um passado de violência ou negligência, sendo que disfuncionalidade dessas vivências pode ganhar um cariz sexualizado com a puberdade, originando diversas distorções cognitivas: as crianças são seres sexuais que gostam e procuram o contacto sexual continuamente de forma extremamente intrusiva ou violenta; o mundo é um lugar cruel e hostil e, como tal, só o podem conter se dominarem e controlarem o outro, fazendo-o como demonstração do amor sentido pela criança; o desejo sentido é incontrolável, pois a criança provoca o adulto, sendo a culpa dela; e são seres superiores à criança, tendo o direito a um contacto sexual com esta quando o desejam, até porque foi a vítima que o provocou.

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