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Toda a discussão sobre maior ou menor agressividade do homem já vem de longa data. Os Ambientalistas, por exemplo, defendiam a tese onde "o comportamento do homem é moldado apenas pela influência do meio-ambiente, ou seja, por fatores sociais e culturais, enquanto opostos aos fatores 'inatos'."(FROMM, 1979, p.63) Em outras palavras, para os Ambientalistas, tirando os fatores ambientais, o homem não é um ser fundamentalmente agressivo.

Teses semelhantes foram defendidas pelos lluministas do século XVIII como Jean Jacques Rousseau (1712-1778), que já discutiam a temática sobre a bondade

humana. A filosofia do lluminismo iniciada na Inglaterra por volta de 1680, teve sua manifestação suprema na França. Acreditavam aqueles filósofos, com exceção de Rousseau4, que a sabedoria estava fundada na razão. Só assim, o homem poderia atingir a plenitude de uma vida melhor. O homem, afirmavam os lluministas, não é congenitamente ruim, mas é levado a cometer atos de crueldade por influência dos detentores do poder. Em outras palavras, os lluministas partiam do princípio de que o homem é bom, mas a sociedade ou uma instituição distorcida torna-o mau ou predisposto à agressividade.

Dentre as contribuições anotadas enquanto fundamentos explicativos da agressividade, o conceito de cultura elaborado pela Antropologia, também merece atenção.

O conceito de cultura, no geral, representa a totalidade de realizações efetivas de um povo. Desse modo, o referido conceito afasta-se da forma comum de se encarar a cultura, subentendida como significando erudição ou saber. Assim, um homem culto é aquele que tem um vasto cabedal de conhecimentos, fala diversas línguas, conhece filosofia e outros campos do conhecimento. Em Ciências Sociais, o termo cultura adquiriu uma forma conceituai e, portanto, com um significado mais profundo.

O conceito de cultura, com o sentido que tem hoje, surgiu no interior da Antropologia e tornou-se a base teórica da assim denominada Antropologia Cultural a partir, principalmente, do século XIX.

Com efeito, foi a partir da época dos chamados descobrimentos, que os europeus entraram em contato com uma imensa variedade de povos com hábitos de

4 Embora o anti-racionalismo de Rousseau não tivesse defendido as teorias do lluminismo, de um modo geral, concordava com as concepções filosóficas daquele movimento.

vida e costumes os mais diferenciados. Povos vivendo praticamente na Idade da Pedra, tirando a sua subsistência da caça e da coleta. Outros com sociedades altamente civilizadas que surpreendiam os conquistadores como os impérios americanos dos Incas, Maias e Astecas. Essa rica variedade de modos de vida ampliou-se significativamente, quando, os europeus no século XIX, conquistaram a África e submeteram os povos ali existentes ao seu domínio. A partir daí não só a Antropologia firmou-se como ciência, ensinada inclusive nas universidades, como, também, elaborou-se o conceito de cultura, esquema teórico necessário para dar conta e poder interpretar a rica diversidade cultural existente nos diversos continentes. Procedeu-se, por meio de muitos estudos, o mapeamento e catalogação dos mais variados povos espalhados pela terra com designações específicas, fartamente encontrada na literatura antropológica: cultura alemã, francesa, guarani, tupinambá, mapuche, massai, entre outras.

Dos comentários anteriormente realizados, pode-se concluir, portanto, que a cultura é uma característica básica do gênero humano e que indistintamente todos os povos a possuem, independente da soma de conhecimentos já adquiridos. No interior da Antropologia e em todos os campos das Ciências Sociais encontramos diversas definições para o termo cultura. CABRAL, em sua obra, "Cultura e Folclore", apresenta as seguintes:

Edward B. Tylor: A cultura é um todo complexo que inclui os conhecimentos, as crenças, a arte, a moral, as leis, os costumes e todas as demais disposições e hábitos adquiridos pelo Homem, como membro de uma sociedade.

- Melwille J. Herskovits: Cultura é aquilo que, em o meio, é devido ao homem - 'é o modo de vida de um povo' - 'é o elemento derivado do comportamento humano'.

- Robert Lowie: Cultura é o conjunto de tradições sociais. - Ralph Linton: Cultura é a herança social.

- Emílio Willems: Cultura é um sistema de idéias, conhecimentos, técnicos e artefatos, de padrões de comportamento e atitudes que caracteriza uma determinada sociedade.

- Edward Sapir: A palavra cultura é usada tecnicamente pelo etnólogo e pelo historiador da cultura para abranger qualquer elemento socialmente herdado na vida material e espiritual do homem.

- Franz Boas: A cultura pode ser definida como a totalidade das reações e atitudes mentais e físicas que caracteriza a conduta dos indivíduos, compondo, coletiva e individualmente, um grupo social, em relação ao seu 'habitat' natural, a outros grupos, a membros do próprio grupo e de cada indivíduo em si mesmo.

- Gilberto Freyre: Cultura é a soma de atividades, de estilos de vida, de materiais elaborados por um grupo humano. Inclui invenções, instrumentos, todo o equipamento material do grupo; inclui ainda fatores imateriais como a língua, a arte, a religião." (1954, p.37)

As definições transcritas, permitem algumas generalizações. Em primeiro lugar, tal capacidade em elaborar elementos culturais, sempre em processo de transformação e crescimento é que distingue o homem de outros animais. Estes, por mais aperfeiçoados que sejam as suas sociedades como as dos grandes macacos, abelhas ou formigas, não têm condições de alterar as suas condutas e nem as formas de organização social que permanecem sempre as mesmas, independente do fator tempo. Em sua luta pela sobrevivência os animais utilizam muito mais os seus equipamentos instintivos do que o homem. Na verdade, a cultura é um patrimônio insubstituível das sociedades humanas e como muito bem acentuou Edward B. Tylor, esta é adquirida e nunca repassada a um indivíduo ou grupo social, por intermédio de mecanismos genéticos ou de hereditariedade.

Um indivíduo, independente de seu equipamento biológico, em tudo semelhante a outros indivíduos naquilo que é o básico, é sempre produto de uma determinada cultura que o condiciona, que sempre lhe oferece os meios necessários à sua sobrevivência, permite-lhe estabelecer relações sociais concretas e lhe dá, através de complexos sistemas de crenças, conforto espiritual.

O condicionamento cultural determina para os indivíduos, segundo o antropólogo LARAIA, "o modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada cultura." (1989, p.70)

É neste contexto que a Antropologia procura oferecer sugestões sobre a agressividade humana. Se como vimos, a cultura é a base da socialização dos indivíduos, o comportamento agressivo só pode ser subentendido dentro de um universo cultural específico. Em síntese, o que define uma sociedade mais ou menos agressiva são os padrões culturais de um determinado grupo social.

Uma cultura específica, por exemplo, pode transmitir valores mais ou menos agressivos. Numa sociedade em que vizinhos belicosos ameaçam a sua estabilidade ou sobrevivência pode estabelecer esquemas valorativos onde a agressividade de seus membros passa a ter, no universo cultural daquela comunidade, uma carga maior de positividade. Assim, no âmbito do conceito de cultura a agressividade ou violência pode ser resolvida por critérios culturais. Uma sociedade que enfatiza a brandura de seus atos, terá entre os seus membros uma postura não agressiva. E, numa sociedade onde se exalta o contrário, teremos membros belicosos ou predispostos para a luta e o combate.

Em sua obra já citada, FROMM, no Capítulo VIII, descreve com riqueza de detalhes exemplos culturais de sociedades agressivas e de universos culturais não agressivos.

Os Manus, citado pelo autor, constituem um exemplo de sociedade não- agressiva. "Os Manus não são essencialmente violentos, destrutivos ou sádicos, nem são perversos ou traiçoeiros." (1979, p.237) Vivem na Ilha do Almirantado (?) e dedicam-se à pesca constituindo suas casas sobre estacas. Vivem da troca com seus vizinhos e conseguem com isso os produtos manufaturados que não fabricam. Gostam de viver do sucesso pessoal e quase não toleram o fracasso. É vergonha para eles ficarem endividados. Possuem um grande respeito pela propriedade privada, pela eficiência física e pela vergonha.

As regras de casamento são rígidas, em tudo se assemelhando aos valores da classe média européia do século XIX. Geralmente a vida dos adolescentes entre os Manus é cheia de compensações. Os rapazes vivem uma vida de lazer, são alegres e de divertimentos ruidosos. Após o casamento do jovem, suas energias são canalizadas para a formação do seu patrimônio, de tal sorte que sentimentos como ódio, por exemplo, é bloqueado.

Já os Debuanos, o outro exemplo oferecido por FROMM, vivem num processo cultural quase que diametralmente oposto. De início, o que chama a atenção é a sua periculosidade. Vivem mais ou menos em círculos concêntricos, no interior dos quais registram-se formas de hostilidade específicas.

As relações sociais entre os Debuanos caracterizam-se por forte desconfiança de qualquer pessoa passando a considerá-la, eventualmente, como um virtual inimigo. Nem mesmo relações matrimoniais apaziguam as relações entre

a família do noivo e da noiva, a tal ponto que o relacionamento entre parentes ser marcado pela hostilidade muitas vezes flagrante.

Os Debuanos, a exemplo dos Manus, também cultivam a propriedade privada e acreditam nos poderes de bruxas malignas. A propriedade privada é um valor tão marcante naquela sociedade que sua defesa é marcada pela ferocidade e brutalidade.

Toda a existência de um Debuano é determinada pela competição encarniçada e as vantagens quase sempre são conseguidas sobre o rival vencido.

Pelo visto, a posição da Antropologia oferece contribuições importantes na análise da temática que ora estamos a discutir.

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