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Os anos 1940 e a consolidação do mercado fonográfico

CAPÍTULO 2 FOLKWAYS RECORDS: PLURALISMO NA “ENCICLOPÉDIA

2.2 Os anos 1940 e a consolidação do mercado fonográfico

O restabelecimento da economia nos Estados Unidos após a irrupção da Segunda Grande Guerra foi acompanhado pelo restabelecimento da indústria fonográfica. Se por um lado havia uma escassez de matérias primas para a produção dos discos, principalmente da goma-laca, por outro lado havia uma grande demanda por entretenimento, o que estimulou a gravação de música popular. Andre Millard nos esclarece que os anos da guerra foram marcados por uma invasão de gravações musicais na vida cotidiana, porque a música popular teve a importante função de manter a moral durante a guerra; em suas palavras:

A Primeira Guerra Mundial mostrou que a guerra aumentava a demanda por música, e assim que os Estados Unidos entraram na Segunda Guerra Mundial, as gravadoras lançaram uma torrente de canções patrióticas e sentimentais: “Remember Pearl Harbor”, “I’ll Be Seeing You” e “God Bless America”, que foram escritas em uma guerra anterior, mas que se tornaram uma instituição nacional depois que Kate Smith as gravou para a Columbia em 1939. 9

Millard continua, afirmando que a música era utilizada não apenas para entretenimento, mas também para informar e educar a população no sentido de manter-se devota aos esforços de guerra. Neste sentido, os registros fonográficos foram incentivados pelo governo federal por dois motivos principais: o entretenimento e o jornalismo. A Segunda Grande Guerra foi a primeira guerra a ter seus sons gravados, devido às novas tecnologias como o gravador portátil, que começou uma “revolução no jornalismo localizado.” 10 A

9 MILLARD, Andre. America on record: a history of recorded sound. Cambridge: Cambridge University, 1995.

p.186. Original: “The war years marked even greater inroads of recorded sound in everyday life because popular music played an important role in maintaining morale on the war and home fronts. World War I had shown that war increased the demand for music, and as son as the United States entered World War II, the record companies released a stream of patriotic and sentimental songs: “Remember Pearl Harbor”, “I’ll Be seeing You”, and “God Bless America”, which had been written for an earlier war but bécame a national institution after Kate Smith recorded it for Columbia in 1939”.

agência governamental responsável pela propaganda e informação durante a guerra, a Office of War Information – OWI, criada em 1942, inovou no uso das novas tecnologias. 11

Entre as transformações do período da guerra que continuaram no pós-guerra está a introdução de inovações tecnológicas como o gravador portátil, a gravação em fita magnética, a gravação em vinil com microssulcos, a reprodução estereofônica de sons, o incentivo estatal para a utilização das gravações fonográficas como produto de consumo, tanto das pessoas em seus lares, como para utilização nos programas de rádio, e o uso de gravações no jornalismo. O estabelecimento dos Estados Unidos como a grande potência mundial ajudou a consolidar sua liderança no mercado fonográfico, após 1945. As grandes empresas fonográficas iniciaram um período de prosperidade econômica e muito contribuiu para isso o aumento no consumo de produtos eletroeletrônicos relacionados ao lar. Tenhamos em mente que neste período grande parte da população vivia em áreas urbanas e tinha acesso a tais bens. No campo do entretenimento, sem dúvida, a televisão foi o produto com maior procura, mas ainda competia com o rádio e os fonógrafos.

Acreditamos que no campo musical a principal inovação do pós-guerra foi o lançamento do disco de longa duração – LP - pela Columbia, em 1948. Em um primeiro momento ele dividiu o mercado com outros suportes já existentes, como o disco de 78 rotações por minuto (rpm), mas, com o passar dos anos, o LP se tornou a principal mídia para circulação de música. Sobre as diferenças entre o LP e o 78rpm, recorremos às palavras de David Morton:

O LP, como ficou conhecido, incorporou muitas melhorias nas gravações em disco que estavam disponíveis, porém inativas, desde os anos 1930. Ele possuía ranhuras mais finas e reduzidas do que o dos antigos discos de 78rpm, que demandavam uma captação sonora mais sensitiva e uma ponta de agulha microscópica, mas que tornaram as gravações mais práticas. Os discos tinham 12 polegadas de diâmetro para comportar uma longa gravação e eram feitos de vinil, ao invés do composto de goma-laca usado desde os dias de Berliner. O vinil, combinado com ambientes de gravação mais limpos e um equipamento de reprodução hi-fi, produzia gravações com muito menos ruídos de fundo. O novo LP da Columbia refletia não apenas preocupações técnicas, mas o interesse em ouvintes de música clássica, particularmente por parte do diretor do projeto, o engenheiro e gerente chamado Peter Goldmark. O disco de 12 polegadas de diâmetro, ranhuras mais finas e rotação mais lenta de 33 1/3 de velocidade, somavam para uma gravação que podia facilmente comportar cerca de 20 minutos de música de cada lado. O engenheiro da Columbia, Edward Wallerstein, calculou que com 20 minutos de tempo de gravação, os discos podiam comportar quase

qualquer movimento existente nas gravações clássicas da Columbia em um único lado. 12

O LP lançado pela Columbia em 1948 não foi uma criação própria, uma vez que a tecnologia utilizada para produzi-lo começou a ser desenvolvida pela Western Electric nos anos 1920, e na década seguinte já existia a ideia das 33 1/3 rotações por minuto e do disco de 12 polegadas. Contudo, como afirma Andre Millard, a Columbia teve sucesso onde a Edison e a RCA Victor falharam porque “realizou um plano de marketing que incluiu a provisão de gravações e toca discos,” 13 ou seja, além de lançar o novo suporte, a Columbia se associou à Philco Company para lançar um novo aparelho reprodutor de músicas, bem como criou uma coleção de novas gravações para serem lançadas em LP. Millard defende que o principal desafio da Columbia não foi o lançamento da tecnologia do disco em si, mas o processo de persuadir as outras gravadoras a adotá-lo. 14

Um concorrente para o LP da Columbia foi o disco de 45rpm da RCA-Victor, que também apresentava melhor qualidade das gravações e também foi lançado junto com um novo aparelho reprodutor, mais barato do que o da Columbia (U$ 29,95 o da Columbia e U$ 12,95 o da RCA). 15

Deste modo, a partir da década de 1950, os consumidores de aparelhos reprodutores de música e consumidores de discos tinham quatro opções de suporte musical à venda no mercado: 78, 33 1/3, 45 e 16rpm. Apenas em meados dos anos 1960 o LP de vinil se estabeleceu como suporte para circulação de música, dividindo o mercado com as fitas cassetes, a partir da segunda metade dessa década.

Concordamos com Andre Millard ao afirmar que uma das transformações tecnológicas que mais impactou o mercado musical após 1945 foi o processo de gravação magnética, que barateou e tornou mais acessível o processo de gravação, uma vez que qualquer amador era

12 MORTON JÚNIOR, 2006, p. 135-136. Original: “The LP, as it was known, incorporated many of the

improvements in disc recording that had been available but idle since the 1930s. It used a finer, narrower groove than the old 78rpm disc, which demanded a more sensitive pickup and a virtually microscopic stylus tip, but which made wide-range recordings more practical. The discs themselves were 12 inches in diameter to hold a longer recording, and were made of vinyl plastic rather than the grit-filled shellac compound used since Berliner’s day. The vinyl, combined with cleaner recording rooms and hi-fi playback equipment, produced recordings with much less background noise. The new Columbia LP reflected not only technical concerns but also the interests of classical music listeners, particularly the project’s director, an engineer and manager named Peter Goldmark. The disc’s 12-inch diameter, finer groove, and slower 33 1/3 speed added up to a record that could easily hold about 20 minutes of music per side. Columbia engineer Edward Wallerstein had earlier calculated that with 20-minute playing time, the discs could hold nearly any movement of existing Columbia classical recordings on a single side”.

13 MILLARD, 1995, p. 204. 14 Ibid., p. 205.

capaz de manusear os novos gravadores. Tal transformação facilitou a atuação das gravadoras menores e independentes, que passaram a ter mais condições de competir com as grandes gravadoras, como nos esclarece Millard:

Não há dúvidas que as companhias independentes foram o veículo de uma nova música popular para os americanos. Por serem pequenas, com preocupações locais, elas gravaram para um público local. Elas adotaram a política de gravar música “étnica”, que era originalmente gravada pelas grandes companhias nos anos 1920, e foram abandonadas durante os 1930. Ainda que elas não fossem organizações de alta tecnologia que rapidamente adotavam as últimas tecnologias. Ao contrário, elas eram de baixa renda, baixa tecnologia, operando com equipamento antigo. 16

O autor continua, afirmando que o grande problema dos negócios das gravadoras independentes não era no estúdio de gravação, mas na distribuição, pois as grandes empresas geralmente eram proprietárias da sua própria imprensa, de depósitos, e tinham contato com vendedores atacadistas e diversos revendedores locais. As grandes gravadoras tinham conexões corporativas para promover suas canções nos distintos meios de circulação musical, enquanto os produtores das independentes tinham que colocar os discos no porta-malas do carro e ir oferecendo nas lojas e rádios. 17 A interdependência entre fonogramas e rádios, iniciada nos anos 1930, continuava em voga, uma vez que elas eram cruciais para a divulgação dos discos e shows.

As primeiras gravações de rock foram lançadas por gravadoras independentes, e seu sucesso comercial contribuiu para uma mudança do centro da indústria fonográfica para além de Nova Iorque, já que muitas gravadoras pequenas se localizavam no Sul do país.

No período pós-guerra, havia gravadoras independentes dedicadas a diversos gêneros como country, jazz, música de concerto, blues, gospel, Be Bop, R&B, rock’n’roll e música folk, esta última representada pela Vanguard e pela Folkways.

16 MILLARD, 1995, p. 224. Original: “There can be no doubt that independent companies were the vehicles to

bring a new popular music to Americans. As small, locally run concerns, they recorded for a local audience. They adopted the policy of recording “ethnic” Music that was originated by the big companies in the 1920s and abandoned by them during the 1930s. Yet they were not high-tech organizations that quickly adopted the latest technology. On the contrary, they were distinctly low-rent, low-tech operations that made do with old

equipment”.