• Nenhum resultado encontrado

1. COOPERAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO INTERNACIONAL

1.3 Contexto Histórico da Cooperação para o Desenvolvimento

1.3.2 Os anos 1970 e 1980: entre a dimensão social e econômica da

Se a ideia de que era a cooperação a variável que levaria ao desenvolvimento no pensamento instituído entre os anos 1950 e 1960, a década seguinte vai desmistificar essa assertiva. A constatação de que os países subdesenvolvidos não tinham alcançado o seu desenvolvimento econômico autossustentável, mesmo tendo recebido grandes influxos de capitais estrangeiros na década anterior, trazem à tona o questionamento sobre a forma como foi executada essa política de ajuda (PUENTE, 2010: 44)

Puente (2010: 44) vai chamar os anos 1970 de fase da dimensão social, e os anos 1980 de fase do ajuste estrutural, ressaltando para o primeiro período, o questionamento das causas da falha do período do preenchimento das lacunas, e para o segundo, as modificações no padrão de fluxo da ajuda em decorrência da crise político-econômica, secundária aos dois choques do petróleo, e o estabelecimento do Consenso de Washington.

Quanto às falhas do período compreendido entre 1950 e 1960 e que, nos anos 1970, poderiam justificar a não melhora efetiva do crescimento e do desenvolvimento econômico dos países subdesenvolvidos, faz-se a observação de que, apesar do influxo de capitais naquele período, a depender do ator que tenta justificar o insucesso da forma como a iniciativa da cooperação foi estabelecida, surgiram explicações talvez reducionistas para o fato, tais como uma quantidade insuficiente de capitais aplicados, ou má aplicação ou aproveitamento dos recursos ou ainda, a falta de condições inerentes ao próprio país recipiendário, como ressalta Puente (Puente, 2010: 44).

Independentemente das justificativas, o que se observou no período seguinte (anos 1970), foi que não houve maior crescimento e desenvolvimento econômico dos países que receberam ajuda externa nos anos anteriores (PUENTE, 2010: 44). O fator melhor redistribuição de renda como contribuinte para o desenvolvimento começa a aflorar, tanto para a visão dessa perspectiva em nível nacional como internacional. Se nos anos 1950 e 1960 a ideia era a de que desenvolvimento e crescimento econômico deveriam caminhar juntos, os anos 1970 introduzem o pensamento da finalidade desse desenvolvimento, incorporando a dimensão social nessa análise. Melhorar a qualidade

de vida das populações deveria também ser incorporado à perspectiva de desenvolvimento (PUENTE, 2010: 44)

Lancaster (2007: 33-44) faz um retrospecto histórico do contexto mundial mostrando o panorama político e econômico nesse período, e que iria influenciar, na década seguinte, o padrão da cooperação internacional. O período da “Deténte”, em que ocorre uma “redução da tensão” da guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética, inicia-se no final dos anos 1960. Rodrigues (2004) vai ressaltar que a ascensão do Presidente Richard Nixon ao governo americano, pôs em prática a iniciativa de maior aproximação entre Estados Unidos e União Soviética. O SALT I (Strategics Arms Limitations Talks) acordo assinado em 1972, limitando significativamente o número de mísseis balísticos intercontinentais ofensivos possuídos pelos Estados Unidos e pela União Soviética, constituiu-se como exemplo da tentativa de aproximação entre esses países durante esse período (RODRIGUES, 2004).

Os choques do petróleo que ocorreram nos anos 1970 exerceram papel relevante, no contexto político-econômico da época. O impacto econômico tanto para os países industrializados como para os países subdesenvolvidos, decorrente do embargo da Organização dos Países Produtores de Petróleo aos países que davam suporte à Israel, no conflito entre Síria e Egito contra Israel, em 1973, levaram ao aumento do preço dos barris de petróleo em quatro vezes o valor estabelecido para a época. Esses preços permaneceram elevados até o final dos anos 1970, quando dobraram novamente em decorrência da Guerra Irã-Iraque (LANCASTER, 2007: 35).

A economia americana na época entrava em um período de recessão, agravada ainda mais pelo desgaste econômico da Guerra do Vietnã. As desvalorizações seguidas do Dólar em 1971 e 1973 produziram impacto econômico negativo imediato nas economias mundiais que, de uma forma geral, tinham as suas reservas em dólares. A decisão unilateral do governo americano de romper o acordo de Bretton Woods, na tentativa de salvar a sua economia, levou a extinção definitiva do acordo em 1976 (ARISTIZÁBAL, 2010: 23).

Os anos 1980 são considerados por Puente (2010: 45) como a fase do ajuste estrutural. É um período marcado pelos efeitos das crises do Petróleo na década anterior e da recessão dos países desenvolvidos. A Cooperação para o Desenvolvimento é afetada então pela diminuição da ajuda por parte dos países doadores, inseridos no contexto da recessão econômica, bem como pelos ajustes fiscais implementados pelo Fundo Monetário Internacional, como medida para equilibrar a balança de pagamento dos países em desenvolvimento.

A “Década Perdida” foi um termo que designou o período de estagnação não só da economia brasileira, mas também da América Latina, em decorrência dos dois choques do petróleo nos anos 1970, e que levou à consequente elevação dos juros externos e a superinflação dentro do contexto da decadência do regime autoritário no Brasil (SOUZA, 2009: 25). A consequência dessas medidas, cuja ênfase foi colocada na estabilidade macroeconômica com intervenção estatal mínima como medida para salvar o sistema financeiro internacional, passa a ser visualizada por meio da deterioração das condições sociais nos países em desenvolvimento. Diante desse contexto surge um novo ator no cenário internacional, as Organizações Não Governamentais. Atuando inicialmente no campo da assistência humanitária, essas organizações vão ganhando espaço e se multiplicando, atuando posteriormente em outros campos da cooperação internacional (PUENTE, 2010: 46-47).

Lancaster (2007: 36) faz referência às crises de alimentos e de fome que ocorreram nos anos 1970 e 1980 em países africanos em decorrência da seca na Etiópia e das enchentes, em Bangladesh, e que ocasionaram elevações dos níveis de ajuda como resposta temporária ao alívio da fome nestas populações. Lancaster (2007) ressalta também o crescimento do número de Organizações Não Governamentais (ONG) em países desenvolvidos, que vão trabalhar com questões relacionadas ao desenvolvimento, alívio de sofrimento de pessoas que vivem em condições sub-humanas, pobreza, doenças, desastres naturais, dentre outras questões.

A expansão da ajuda externa não se fez notar apenas pelas questões assinaladas anteriormente. Ocorreu também, nesse período, o entendimento de que outros atores tais como, as agencias multilaterais de ajuda, deveriam participar desse processo. É dentro dessa concepção que iniciativas estabelecidas pelo Banco Mundial, pelo Fundo de Desenvolvimento Europeu e pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), por exemplo, passaram a ser desenvolvidas e expandidas (LANCASTER, 2007: 42)

Em um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), abordando a questão dos níveis de pobreza e indigência no Brasil entre 1977 e 1999, Barros et al (2001) observaram o aumento do número percentual de pessoas consideradas pobres18, que em 1990 atingiu, para esse intervalo, seu percentual mais elevado 43,8 % e de

18

Por pobreza, os autores do estudo entendem que: “refere-se a situações de carência em que os indivíduos não conseguem manter um padrão mínimo de vida condizente com as referências socialmente estabelecidas em cada contexto histórico. [...] e linha de pobreza pretende ser o parâmetro que permite, a uma sociedade específica, considerar como pobres todos aqueles indivíduos que se encontrem abaixo do seu valor” (BARROS ET AL, 2001: 2).

indigentes19, 21,4% para o mesmo período. Esses percentuais mantiveram-se elevados até o ano de 1995, quando começam então o seu declínio, atingindo no final dos anos 1990 os percentuais de pobreza e indigência de 34,1% e 14,5% respectivamente. Os autores atribuem as explicações para esse fato ao impacto econômico ocasionado pelo Plano Real. Nesse sentido, o estudo do IPEA demonstrou que os ajustes estruturais efetuados a partir das diretrizes do Consenso de Washington repercutiram sobre as condições sociais da população, ao serem analisadas as informações sobre número percentual de pobres e indigentes durante esse período e as modificações que ocorreram quando se correlacionam esses dados, com a implantação dos planos econômicos brasileiros para esse período.

A efetividade da cooperação para o desenvolvimento passa então a ser questionada tanto pelos países doadores quanto recipientes de ajuda, a partir do momento em que os primeiros superpuseram e priorizaram o saneamento da economia mundial, sobre a melhoria das condições sociais das populações.