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1.1 A gênese do movimento de RSE

1.1.1 Os anos 70 e 80: sobre as mudanças políticas e econômicas

Ao longo dos anos de 1970 e 1980, o cenário internacional – marcado por uma grave crise econômica caracterizada pelo aumento da dívida externa e pela aceleração do processo inflacionário – vivenciou um processo de inflexão na história das sociedades capitalistas, principalmente das latino-americanas. Portanto, neste período os processos históricos de modernização capitalista em países como o Brasil – construídos por meio das estratégias nacional-desenvolvimentistas32 - estavam sendo questionados e seus mais ferrenhos opositores buscavam decretar a falência do modelo de industrialização por substituição de importações e redefinir o papel do Estado em busca da retomada do desenvolvimento. Somando-se a essas dúvidas que pairavam sobre a capacidade de o estado desenvolvimentista responder à crise, a progressiva ascensão hegemônica da agenda neoliberal nos países de capitalismo avançado foi fundamental para a retomada, também por aqui, da crença na eficácia do livre jogo do mercado e na centralidade do interesse individual no âmbito da dinâmica econômica, o que reforçou a rejeição ao Estado ativo e intervencionista (DINIZ e BOSCHI, 2004).

Segundo Diniz e Boschi (2004), a afirmação e propagação desta orientação neoliberal foram amplamente difundidas pelos dirigentes e pela alta burocracia dos organismos

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O que caracteriza esse projeto desenvolvimentista é a transferência da iniciativa industrializante para o Estado. A presença de um Estado desenvolvimentista se deu praticamente em todos os países de industrialização tardia, guardadas as particularidades de cada um deles. Sobre o nacional-desenvolvimentismo latino-americano podemos dizer que este foi construído com bases nas reflexões teóricas produzidas no âmbito da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), sobretudo, nos pensamentos dos economistas Raúl Prebisch e Celso Furtado. No Brasil, o intervencionismo estatal com vistas à expansão do potencial produtivo começou a ganhar impulso ainda durante o Estado Novo com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional. A partir do segundo governo de Vargas (1951-1954) tal projeto se fortaleceu com as fundações da Petrobrás e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Foi, entretanto, com o Plano de Metas do governo de Juscelino Kubstchek (1956-1960) que a industrialização brasileira deu verdadeiramente um salto qualitativo (BIANCHI, 2001; FIORI, 1992).

multilaterais (notadamente o FMI e o Banco Mundial), que no decorrer dos anos 80 enfatizaram insistentemente a supremacia do mercado, em contraposição à deficiência do Estado. Já anos de 1990, tal visão pró-mercado se traduziria em um receituário homogêneo – que traria entre as suas prioridades a desregulamentação, a abertura econômica, a liberalização comercial e financeira e a reforma do Estado – consagrado durante o chamado Consenso de Washington33 (1991). Em suma, para os orquestradores da virada neoliberal, a globalização implicaria a internacionalização das economias e o enfraquecimento dos Estados nacionais, ou seja, a conformação de um mundo sem fronteiras, cada vez mais integrado e homogêneo. Tal fato com certeza não ocorreu – na medida em que as assimetrias de poder entre os países e suas economias apenas se aprofundaram – mas o ideário neoliberal marcado pelo legado nefasto do jogo de soma zero (a dicotomia Estado versus mercado, Estado versus sociedade) conseguiu se disseminar. A caracterização do Estado e da sociedade como dois pólos opostos, isto é, o fortalecimento de um dos termos implicando necessariamente o enfraquecimento do outro, dominou durante algum tempo o cenário das reflexões sobre os modelos de desenvolvimento. Contudo, o fracasso das políticas neoliberais desmascarou a falsa dicotomia, abrindo espaço para a proposição de novas concepções de desenvolvimento, nas quais a relação Estado/sociedade é muito mais interdependente do que antagônica (EVANS, 1997).

No cenário nacional, o fim do chamado “milagre econômico” por volta de 1974 – período em que as taxas de crescimento econômico do Brasil alcançaram os maiores índices de sua história – deu início a crise econômica brasileira cujos principais sintomas foram o declínio da taxa de acumulação e a aceleração da inflação. Tal conjuntura combinou-se com a crise da economia mundial que se processava desde o início da década e atingiu seu ápice com o “choque do petróleo” dando também início a um período de intensa agitação política que favoreceria a renovação das formas de ação política por aqui.

Entre meados dos anos de 1970 e ao longo da década de 1980, mais precisamente no período de transição do regime militar para a ditadura (1974-1985), a sociedade brasileira como um todo experimentou novas formas de participação. O envolvimento da Igreja Católica – contrariando seu governismo secular – na organização popular, a emergência das associações de moradores de favelas e bairros de classe média e o surgimento das ONGs se

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Por meio de uma análise do conteúdo das políticas recomendadas pelo Consenso de Washington, o economista Chang (2004) nos mostra – com uma abordagem histórica das políticas desenvolvimentistas adotadas pelos países atualmente desenvolvidos – como as reformas neoliberais levam os países em desenvolvimento a criarem instituições e práticas econômicas que nada tem a ver com aquelas adotadas pelos países atualmente desenvolvidos quando buscavam se desenvolver. Assim, este autor tentou refutar a idéia, ostentada pelos teóricos e políticos neoclássicos, de que só há um caminho para o desenvolvimento.

colocavam como grandes esperanças de uma transformação da vida política34. Houve também neste momento uma grande renovação do sindicalismo brasileiro, caracterizada pelas greves que se iniciaram no ABC paulista no final da década de 1970, um amplo movimento contra a exploração do trabalho e a legislação repressiva, que ao atrelar sindicatos ao Estado dificultava a construção efetiva da representação dos trabalhadores. Ainda no final dos anos de 1970, o próprio sistema formal de representação política começava a sofrer mudanças com o fim do bipartidarismo artificial implantado pelo regime militar e o surgimento de novos partidos, inclusive o Partido dos Trabalhadores (FICO, 1999).

O período também se revelou transformador para as bases representativas do empresariado nacional, já que setores deste, a partir de meados dos anos de 1970, reagiram ao desgaste do modelo desenvolvimentista sustentado pelo governo militar, reação marcada em seus primórdios pela campanha contra a estatização35 (BIANCHI, 2001). Com o aumento paulatino da instabilidade política e da total indecisão quanto ao futuro do regime militar, o conflito dentro da mais significativa das associações patronais no Brasil, a FIESP, refletia a postura bastante imprecisa do empresariado como um todo, que naquele momento tentava de forma ainda tímida, sem grandes rupturas, reforçar o seu poder de barganha frente ao governo federal. De acordo com Bianchi (2001), foi em meio a essas conturbações que se iniciou uma tentativa de formulação por parte de setores do empresariado de um novo projeto nacional, que começaria então a superar o patamar econômico-corporativo das reivindicações empresariais.

Foi também ao longo da “década perdida”, assim ficaram conhecidos os anos de 1980, que a estrutura corporativa oficial de representação do empresariado – montada ainda durante o primeiro Governo Vargas (1930-1945) e integrada pelos sindicatos, federações e confederações36 - entrou definitivamente em crise. Seu sinal mais evidente foi a multiplicação

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Para o desenvolvimento desse novo tipo de participação foi essencial a volta dos exilados políticos após a campanha pela anistia de 1979. Fora do Brasil muitos deles tiveram a oportunidade de repensar sua experiência anterior e de conhecer novas modalidades de participação política, menos centrada no estado e mais voltada para a ação coletiva independente (FICO, 1999, pág.13). Para entender melhor a questão do florescimento do associativismo neste período ver: BOSCHI, R. A arte da associação: política de base e democracia no Brasil. São Paulo: Vértice; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1987.

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A campanha criticava o crescimento do aparato estatal e os excessos da intervenção deste, principalmente, nos setores de transportes, mineração, comunicação e siderurgia. Os empresários também questionavam a centralização excessiva de poder e a autonomia decisória que os tecnocratas responsáveis pela definição da política econômica haviam adquirido.

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Dentre as quais podemos citar algumas mais conhecidas: Confederação Nacional das Indústrias; Federação das Indústrias do Estado de São Paulo e Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro. Estas, a partir dos anos 50, passaram a funcionar paralelamente às associações setoriais que foram surgindo ao longo dos anos. Dentre as mais conhecidas estão a Abidib (Associação Brasileira das Indústrias de base), a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Eletro-eletrônica) e a Anfavea (Associação Nacional da Indústria de Veículos Automotores).

de entidades empresariais37 e as permanentes crises ocorridas nas antigas federações e confederações. Abaixo destacaremos três tipos diferentes de instituições representativas do empresariado, que surgiram nesse momento de crise da representação, na medida em que uma delas reuniu o grupo de empresários que, posteriormente, buscaria consolidar a RSE no seio da classe empresarial brasileira (DINIZ e BOSCHI, 2004).

1.1.2 OS ANOS DE 1980: NOVAS INSTITUIÇÕES EMPRESARIAIS E PROPOSTAS