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Os antecedentes da Convenção de Viena de 1980: breves notas sobre as

2 A Convenção de Viena de 1980

2.1 Os antecedentes da Convenção de Viena de 1980: breves notas sobre as

A Convenção de Viena é o resultado de um longo processo de unificação legislativa91, considerado essencial pela doutrina92, tendo a mesma sido elaborada sob a

égide do Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (abreviadamente

89 Vide LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Comercial Internacional…, cit., p. 105, referindo que é

pelo facto de a lex mercatoria não ser uma ordem jurídica, “e de o Direito objetivo do comércio internacional ser fragmentário e tendencialmente limitado a determinados sectores do comércio

internacional que pode obstar à equiparação da lex mercatoria às ordens jurídicas estaduais como objeto

de designação conflitual”.

90 Cfr. LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Comercial Internacional…, cit., p. 102, referindo que “a

escolha da lex mercatoria só pode valer como referência material, no quadro delimitado pelo Direito imperativo da ordem jurídica estadual chamada a título de lex contractus”.

91 Cfr. PAUL B. STEPHAN - The Futility of Unification and Harmonization in International Commercial Law, in University of Virginia School of Law, Legal Studies Working Paper No. 99-10, June

1999, p. 2, disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=169209, consultado pela última vez em 02.12.2016, critica o esforço de harmonização ao referir que “grande parte do esforço dedicado a unificar estas leis é desnecessário, e algumas produzem regras que impedem o comércio internacional, em vez de o promoverem. (...) Dever-se-ia perder menos tempo a regular os direitos e deveres substantivos das partes envolvidas numa transação, e mais na criação de meios para incentivar os Estados a facilitar as escolhas contratuais feitas pelas partes no decurso das transações, bem como encorajar os Estados a revelarem o modo como estes se propõem lidar com litígios privados decorrentes do comércio internacional.”

92 Cfr. ISABEL DE MAGALHÃES COLLAÇO, Da Compra e Venda…, cit., p. 7, na qual refere, à data,

que “não parece provada a existência de qualquer norma costumeira de direito internacional que dite aos Estados uma conduta obrigatória na disciplina dos contratos ou obrigações internacionais, só de um tratado ou convenção poderá resultar tal uniformidade.”

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designado pela sigla “UNIDROIT”), através da criação, em 1926, de um comité para a redação de uma proposta de Lei Uniforme sobre a Venda, publicada em 1935. Os esforços de unificação foram interrompidos durante a II Guerra Mundial, tendo sido retomados aquando da apresentação em Haia, em 1951, de um novo projeto de lei uniforme nessa matéria.

A Convenção de Viena de 1980 possui como antecedentes históricos, as duas Convenções de Haia de 1 de Julho de 1964, aprovadas numa conferência diplomática realizada em Haia, contendo em anexo a Lei Uniforme sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias, e a Lei Uniforme sobre a Formação dos Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. De acordo com os seus artigos 99,º e 101.º, o risco incumbia ao comprador a partir do momento em que a mercadoria lhe fosse entregue, sendo irrelevante o momento da transferência da propriedade. O artigo 103.º atribuía ainda o risco a cada um dos adquirentes em termos proporcionais, a partir da comunicação pelo vendedor de que o carregamento tinha sido efetuado, estabelecendo o artigo 109.º que a regra da transmissão do risco ocorria com a entrega da coisa, efetuada nas condições legal e contratualmente estabelecidas.

Estas Convenções foram ratificadas por apenas nove Estados, entrando em vigor em Agosto de 1972, tendo a sua inserção fracassado nos países emergentes do processo de descolonização e nos países de inspiração socialista93.

Na sequência das tentativas frustradas de unificação através das Convenções de Haia, a Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional (doravante, abreviadamente designado por "CNUDCI"), criada em 1966 por uma Resolução da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, procedeu à reelaboração dos textos constantes nas Convenções de Haia e preparou duas novas leis uniformes, tendo em 1978 adotado um projeto de Convenção sobre os contratos de venda internacional, resultado da junção desses dois textos. Este projeto resultou na aprovação de um diploma de direito material uniforme no dia 11 de Abril de 1980, que se passou a designar Convenção de Viena sobre a Compra e Venda Internacional de Mercadorias

93 Cfr. DÁRIO MOURA VICENTE, “A Convenção de Viena sobre a compra e venda internacional de

mercadorias: características gerais e âmbito de aplicação”, Separata da obra “Estudos de Direito

Comercial Internacional, vol. I, Almedina: Coimbra, 2004, p. 272; LUÍS DE LIMA PINHEIRO,Direito

Comercial Internacional, p. 259; NUNO AURELIANO, O risco nos contratos de alienação: contributo para

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(“CVCVIM”) e em inglês Convention of International Sales of Goods (abreviadamente designada pela sigla “CISG”).

Neste sentido, este diploma postula como objetivos94 gerais, o desenvolvimento

do comércio internacional, o aumento da eficiência das transações comerciais, uma tentativa de eliminação dos obstáculos jurídicos às trocas internacionais e a redução da incerteza quanto ao regime ao qual se subordinam os contratos de compra e venda internacional, de modo a ultrapassar dificuldades suscitadas pela determinação da lei aplicável, bem como o frequente desconhecimento da lei pelas partes no contrato. Consagra também princípios que a maior parte dos ordenamentos jurídicos também consagram, como é o caso da autonomia privada (que vem sagrada no artigo 6.º CVCVIM), a boa-fé (artigo 7.º, n.º 1), a liberdade de forma (artigo 11.º), a tutela da confiança (prevista, por exemplo, nos artigos 16.º, n.º 2, al. b); 29.º, n.º 2; 35.º, n.º 2, al. b) e 42.º, n.º 2, al. b)).

A CVCVIM constitui, bem assim, Direito material uniforme, traduzindo “o mínimo denominador comum entre os interesses geralmente conflituantes dos países exportadores e importadores de produtos industriais”95 e revelando-se, contrariamente aos

seus precedentes, de enorme sucesso96, uma vez que entrou em vigor a 1 de Janeiro de

1988, e vigorando atualmente em 83 (oitenta e três) Estados97. No entanto, a CVCVIM

94 Os principais objetivos são referidos no preâmbulo da própria Convenção, “a adoção de regras uniformes aplicáveis aos contratos de compra e venda internacional de mercadorias e compatíveis com os diferentes sistemas sociais, econômicos e jurídicos, contribuirá para a eliminação dos obstáculos jurídicos às trocas internacionais e favorecerá o desenvolvimento do comércio internacional”, disponível em: http://www.globalsaleslaw.org/__temp/CISG_portugues.pdf

95 Cfr. DÁRIO MOURA VICENTE ,“A convenção de Viena …”, cit., p. 287.

96 Cfr. FERRARI, FRANCO, International Sale of Goods: Applicability and Applications of the United Nations Convention on Contracts for the International Sale of Goods, Basle: Helbing &

Lichtenhahn, 1999, pp. 19-20: “It is already possible to assert that, unlike its predecessor, the Hague

Uniform Sales Law(s), i tis not a failure. On the contrary, it can be considered to be one of the most successful efforts towards the creation of a uniform (international) commercial law, as evidenced not only by the large number of Contracting States (…)”.

97 São partes da CVCVIM a Albânia, Alemanha, Argentina, Arménia, Austrália, Áustria, Bahrein,

Bélgica, Benim, Bielorrússia, Bósnia-Herzegovina, Brasil, Bulgária, Burundi, Canadá, Chile, China, Chipre, Colômbia, Congo, Croácia, Cuba, Dinamarca, Egipto, El Salvador, Equador, Eslováquia, Eslovénia, Espanha, Estados Unidos da América, Estónia, Federação Russa, Finlândia, França, Gabão, Geórgia, Gana, Grécia, Guiné, Guiana, Holanda, Honduras, Hungria, Iraque, Islândia, Israel, Itália, Japão, Letónia, Lesoto, Líbano, Libéria, Lituânia, Luxemburgo, Madagáscar, Macedónia, Mauritânia, México, Mongólia, Moldávia, Montenegro, Nova Zelândia, Noruega, Paraguai, Peru, Polónia, Quirguistão, República Checa, República Dominicana, República da Coreia, Roménia, San Marino, São Vicente e Granadinas, Sérvia, Singapura, Suécia, Suíça, Síria, Turquia, Ucrânia, Uganda, Uruguai, Uzbequistão, Venezuela, e Zâmbia (cfr. www.uncitral.org). Dos 27 Estados Membros da União Europeia, apenas 4 não aderiram ainda à CISG, sendo eles a Irlanda, Malta, Portugal e Reino Unido.

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ainda não foi ratificada pelo Estado português98,99, podendo apenas ser aplicada por

tribunais portugueses, em virtude do funcionamento de normas de Direito Internacional Privado, isto é, quando as regras de DIP remetam para a lei de um Estado contratante que tenha ratificado a Convenção, ou simplesmente por referência material das partes, ao abrigo da sua autonomia privada100.

O motivo pelo qual Portugal ainda não aderiu à CVCVIM, quase 30 anos depois da sua entrada em vigor (!) é desconhecida pela doutrina. Parece-nos que a adesão a este instrumento contribuiria para a harmonização da matéria aplicável aos contratos internacionais, colocando Portugal no mesmo patamar de quase todos os outros Estados- Membros, que já aderiram à Convenção, aumentando a segurança jurídica nas trocas comerciais internacionais.101

2.2 Pressupostos para a aplicação da Convenção de Viena de 1980 sobre a