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1.3 A Responsabilidade Civil na Teoria Geral do Direito

1.3.2 Como classificar o fato ilícito?

1.3.2.3 Os atos ilícitos

Dentre as categorias acima citadas, é a dos atos ilícitos a categoria mais importante ao presente estudo. Afinal, o que a difere das demais é justamente a “relevância da

vontade determinante da conduta, que é inexistente no fato stricto sensu ilícito e irrelevante no ato-fato ilícito”65.

Nesta categoria, a contrariedade a direito pode resultar tanto de ação quanto de omissão, e embora a culpa seja mencionada pela maioria dos autores como elemento caracterizador dos atos ilícitos, já se demonstrou acima a existência de situações que embora não sejam culposas, podem perfeitamente ser qualificadas como ilícitas. Sobre o tema, MARCOS BERNARDES DE MELLO afirma que

a arraigada ideia de que a culpa seria um componente essencial da ilicitude levou a doutrina a adotar soluções técnicas para justificar sua presença onde, na realidade, não existe. Assim é que se fala em culpa objetiva, culpa presumida, fictícia, ou mesmo em inversão do ônus da prova, dentre outras propostas com que, tecnicamente, se procura contornar a realidade do ato ilícito sem culpa, para fazê-lo culposo66.

A exigência da existência de danos e consequentemente do dever de reparação para a configuração do ilícito também já foi objeto de análise nos itens anteriores. Assim como ocorre com a culpa, existem atos ilícitos que não apresentam caráter indenizativo. Veja- se, por exemplo, o rol de condutas consideradas nulas pelo sistema jurídico no art. 16667, ou ainda o disposto no art. 1.63868 do Código Civil, que tratam respectivamente de ilícitos invalidantes e caducificantes.

Para melhor compreensão do tema, cumpre delimitar as diversas espécies de ato ilícito disciplinadas em nosso sistema jurídico. Se para realizar tal tarefa, analisa-se o suporte fático de cada uma das situações acima descritas, é possível enquadrá-las, no que concerne ao

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MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 243.

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MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico. Plano da Existência, 14ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 244-5.

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Art. 166: “é nulo o negócio jurídico quando: I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir- lhe a prática, sem cominar sanção”.

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Art. 1.638: “perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente”.

campo do direito civil, em dois grupos: (a) atos ilícitos absolutos e (b) atos ilícitos relativos. Por outro lado, se o critério a ser empregado considerar a eficácia jurídica dos fatos em análise, eles podem ser classificados em atos ilícitos indenizativos, caducificantes ou

invalidades.

Inicia-se com o ato jurídico ilícito em sentido estrito, ou simplesmente, ato ilícito absoluto. Esta espécie encontra-se disciplinada no art. 186 do Código Civil e retrata situações onde não existem relações jurídicas de direito relativo entre o ofensor e o ofendido. Como particularidade, pode-se anotar que o dano, em qualquer de duas espécies, seja patrimonial (dano emergente ou lucro cessante) ou extrapatrimonial (moral ou estético), é elemento completante do núcleo do suporte fático do ato ilícito absoluto, assim como o dever de reparar o prejuízo causado à vítima.

A segunda espécie acima mencionada, o ato ilícito relativo, costuma ser denominada de ilícito contratual, pois sua configuração depende da violação de deveres resultantes de relações jurídicas de direito relativo. No entanto, enquadram-se nessa categoria situações de descumprimento de atos unilaterais, como ocorre, por exemplo, na gestão de negócios, razão pela qual seria mais adequado denominá-lo de ilícito negocial, expressão mais ampla do que ilícito contratual, limitado àquelas relações nascidas de negócios jurídicos ou atos jurídicos em sentido estrito.

No campo do ato ilícito relativo (ilícito negocial) distinguem-se situações nas quais o devedor, culposamente, impossibilita a prestação, outras nas quais incide em mora (art. 39769, CC/02) e, por fim, situações onde ocorre o denominado adimplemento ruim, uma vez que o cumprimento da obrigação por parte do devedor não se deu de modo satisfatório ao credor.

Importante anotar, assim como se verificou na categoria anterior, que nem sempre do ato ilícito relativo nasce pretensão indenizatória70. O Código Civil, por exemplo, disciplina situações nas quais o descumprimento dos deveres contratuais implica

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Art. 397: “o inadimplemento da obrigação, positiva e líquida, no seu termo, constitui de pleno direito em mora o devedor”.

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Veja-se a esse respeito o disposto no art. 251 do Código Civil. O descumprimento de uma obrigação de não fazer acarreta o direito de exigir o seu desfazimento, independentemente de autorização judicial em caso de urgência.

desconstituição do negócio jurídico celebrado ou a possibilidade de exigir o cumprimento do avençado em juízo (art. 47571, CC/02).

Quanto à classificação dos atos ilícitos em relação a sua eficácia, deve-se apenas registrar que o ilícito caducificante tem por objetivo a perda de um direito em face da conduta ilícita culposa praticada por alguém imputável, diferentemente dos ilícitos invalidantes, que se restringem às hipóteses de ilícitos relativos e se caracterizam por retirar dos atos praticados sua utilidade prática, como forma de sanção72 do sistema àqueles atos praticados sem observância do regramento legal73.