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2.3. Os Cadernos do Professor do Currículo da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo

2.3.3. Os Cadernos do Professor na Educação Física

Pretendendo atender entre 5.000 e 6.000 escolas e mais de 15.000 professores, os 28 Cadernos do Professor (CP) para a Educação Física foram elaborados pelos professores Adalberto dos Santos Souza, Jocimar Daolio, Luciana Venâncio, Luiz Sanches Neto, Mauro Betti e Sérgio Roberto Silveira, todos eles professores e estudiosos da Educação Física escolar, mestres ou doutores na área, envolvidos com pesquisas, publicações, formação profissional, sendo alguns já bastante renomados na área e outros com significativa experiência na Educação Básica.

O CEF explicita a “perspectiva cultural” como a concepção de Educação Física que permeia a disciplina e se apoiar no conceito de “cultura de movimento”, no qual entende-se que no ensino da Educação Física escolar:

[...] pode-se partir do variado repertório de conhecimentos que os alunos já possuem sobre diferentes manifestações corporais e de movimento, e buscar ampliá-los, aprofundá-los e qualificá-los criticamente. Desse modo, espera-se levar o aluno, ao longo de sua escolarização e após, a melhores oportunidades de participação e usufruto no jogo, esporte, ginástica, luta e atividades rítmicas, assim como a possibilidades concretas de intervenção e transformação desse patrimônio humano relacionado à dimensão corporal e ao movimentar-se. (SEE-SP, 2008, p. 04)

Esse documento utiliza a expressão “Se Movimentar”, esclarecendo que ela tem sido empregada para destacar o fato de que se trata de sujeitos que se movimentam em contextos concretos, com significações e intencionalidades, por isso, o “Se”, colocado antes do verbo de forma proposital, tem a intenção de enfatizar o fato de que o sujeito (aluno) é autor dos próprios movimentos, que são carregados de suas emoções, desejos e possibilidades, não resultando apenas de referências externas, como as técnicas esportivas. O “Se”, refere-se ao movimento próprio de cada aluno.

[...] a expressão individual e/ou grupal no âmbito de uma cultura de movimento; é a relação que o sujeito estabelece com essa cultura a partir de seu repertório (informações/ conhecimentos, movimentos, condutas etc.), de sua história de vida, de suas vinculações socioculturais e de seus desejos. (SEE-SP, 2008, p. 05)

São raros na área os estudos mais aprofundados envolvendo “os usos” dos CP e dos CA. Isso pode ser facilmente percebido no levantamento de literatura, seja nos periódicos de destaque, livros, bancos de dissertações ou teses das faculdades renomadas. Betti (2009) relembra que não é possível chegar a uma avaliação consistente sem que haja investigações sobre como os professores de Educação Física lidam com as novas propostas em suas aulas, como seus saberes profissionais intervém nesse processo e em que direção, e como essas inovações têm melhorado as aprendizagens dos alunos.

Quanto à estruturação, estes cadernos seguem a mesma lógica daquelas dos cadernos das demais disciplinas.

Ladeira et al. (2008) realizaram estudo sobre o impacto do CSP na opinião dos professores de Educação Física. Entre os resultados, destacaram como a principal vantagem a sua contribuição para a organização do trabalho escolar, enquanto que as principais desvantagens se referiram à falta de liberdade para a unidade escolar e a falta de uma adequada formação profissional para utilização do material. Quanto às vantagens para os alunos, elas aparecem concentradas na necessidade do professor ter uma organização dos conteúdos, facilitando o trabalho pedagógico, devido a uma sequência a ser seguida, o que instiga ao aluno pesquisar e assim, ampliar seus conhecimentos. As desvantagens se concentram na adaptação a um novo modelo, o que tem provocado conflitos com as práticas existentes, com o professor não se sentindo livre para as suas escolhas e muita teoria para o aluno que não está acostumado às reflexões nas aulas de Educação Física, além do vocabulário difícil com termos novos.

Betti (2009) reconhecendo as críticas em torno da CSP relacionadas a possibilidade de ferirem a autonomia dos professores e das escolas, padronizando conteúdos e desconsiderando os contextos locais, afirma que para as mudanças realmente acontecerem no cotidiano das aulas de Educação Física, é preciso o entendimento, concordância e adesão dos professores. No entanto, o autor lembra que a Educação Física tem se caracterizado pelo “laissez-faire” e que as novas propostas curriculares estaduais podem estar provocando um impacto positivo, definindo claramente para a comunidade o papel da Educação Física escolar.

Para Neira (2011), os materiais de apoio do Programa “São Paulo Faz Escola”, incluindo os CP, suplantaram o documento norteador, sendo estes muitas vezes vistos de forma dissociada pelos professores, entendendo estes, que os CP é que materializam o currículo por meio das instruções apresentadas, instrumentalizando e norteando as suas ações didáticas, dispensando a compreensão do referencial que o alicerça. Suas análises também evidenciam a apreciação dos professores pelo rol de conteúdos contido nos CP, sendo apontado por eles como o fator de maior impacto dentro do CSP, denotando assim, uma mudança em relação à tradição curricular da área, que primava pela modificação de métodos e estratégias de ensino e não dos conteúdos. Neste sentido o autor destaca que os educadores da escola oficial paulista viram-se diante do compromisso de ensinar desde as técnicas e táticas do boxe até os tipos de hipertrofia.

Neira (2011) vê importância nos CP diante da falta de condições que os professores dispõem para investigar sobre os conteúdos para a preparação das aulas, e refuta as ideias de que é possível ensinar o que não se sabe e que o método suplanta o conteúdo. Para ele, o fato de professores utilizarem o material como receita, decorre da deficiência dos saberes docentes para a concretização do currículo, limitações estas relacionadas ao pouco conhecimento dos conteúdos a serem trabalhados e a um distanciamento destes conteúdos das atuais demandas sociais, incluindo a diversidade cultural e formação de identidades democráticas. O autor destaca a importância do domínio dos conteúdos pelo professor afirmando que:

[...] as representações mais úteis dos conteúdos ensinados, analogias mais poderosas, exemplos e ilustrações que tornam a compreensão de tópicos específicos mais fácil. Este é o único conhecimento cuja autoria pertence ao professor, já que é aprendido durante o exercício profissional. (NEIRA, 2011, p. 24)

Se por um lado Neira (2011) reconhece o valor de um material de apoio como os CP, por outro, baseado em uma concepção relativista de cultura, discorda veementemente dos conteúdos que neles são apresentados, entendendo que:

a) Representam novidade no currículo escolar, sem que tenha sido dada ao professor, oportunidades suficientes para o aprofundamento nos conteúdos; b) São abordados superficialmente e de forma fragmentada, num tom

informativo e instrumental;

d) Enfatizam aspectos técnicos, táticos e biológicos das práticas corporais. e) Desconsideram as abordagens de características multiculturais e

democráticas.

Enfim, para Neira (2011) os conteúdos dos CP não propiciam a formação de um sujeito crítico capaz de lutar por transformações na sociedade, estando as competências e habilidades a serem desenvolvidas, relacionadas aos significados e sentidos pertencentes aos grupos dominantes, disseminando visões hegemônicas de mundo e reduzindo possibilidades para a manifestação de outras concepções, exercendo o professor o papel de mero transmissor de conhecimentos poucos tradicionais e utilizando uma abordagem superficial e sem qualquer espaço para a crítica ou para o reconhecimento dos seus saberes. Segundo o autor, isso ocorre, por exemplo, na ênfase dada aos conteúdos decorrentes da cultura hegemônica (práticas esportivas brancas, burguesas, cristãs e euro-americanas), em detrimento das manifestações das minorias culturais.

Concordamos com as análises de Neira (2011) quanto ao reconhecimento de possíveis contribuições de um material de apoio e a necessidade de condições para que o professor possa ressignificar os conteúdos nele presentes, no entanto, ainda nos resta analisar os conteúdos dos CP no decorrer desta pesquisa, para firmarmos posições quanto às críticas por ele apontadas. Também preliminarmente, fazemos eco à importância da formação profissional para que o professor esteja mais bem preparado, e que isso deva ocorrer desde a formação inicial. No momento permanece aguçada nossa curiosidade por saber quais significados os professores comprometidos com a educação de qualidade atribuem a esse material didático e se seriam eles desqualificados para reelaborar, ampliar e aprofundar o conteúdo do CP de acordo com as necessidades do cotidiano de sua prática pedagógica.

Ressalta-se como ponto de partida para esse estudo, o entendimento de que seja imprescindível que a cultura mais imediata do aluno seja contemplada nos conteúdos, mas que também se faça presente no material didático, conteúdos de uma cultura mais abrangente. Sobre isso, não ficou claro na posição de Neira (2011) a forma com que os CP contemplariam as manifestações culturais de cada comunidade escolar do Estado. Seria por meio de cadernos elaborados especificamente para cada classe, escola, bairro, cidade? Muitas destas considerações serão retomadas e ampliadas no decorrer desse estudo.

A partir da terminologia, sem pretensão de aprofundamentos, passa-se a apresentar um importante esclarecimento sobre o uso comum de mais de um termo para se referir ao mesmo assunto, apresentar a nossa opção e então avançar na conceitualização da organização dos conteúdos.