• Nenhum resultado encontrado

OS CALOUROS E AS CHACRETES

No documento Cleber Vanderlei Rohrer.pdf (páginas 44-49)

“Vai para o trono ou não vai?”

Nos programas de auditório, calouro é um candidato à estrela, normalmente cantor, inexperiente ou não, pouco ou totalmente conhecido do público e apresenta suas aptidões artísticas, sendo avaliado ao término de sua apresentação, por uma júri ou pelo próprio público. É muito comum haver premiações nas competições, ou a possibilidade mais interessante para os cantores: gravar um disco (mais recentemente um CD) e ser conhecido do público.

Os calouros da televisão brasileira são, assim como os próprios programas de auditório, heranças diretas da programação do rádio. Já na década de 1930, havia no rádio vários programas de calouros, sendo os mais famosos Papel Carbono, apresentado por Renato Murce, A Hora do Pato, apresentado por Heber Boscoli, e A

Hora do Calouro, apresentado por Ary Barroso. Estes programas, como já foi

mencionado, foram grandes referências para Chacrinha.

Logo nos primeiros anos, os calouros começam a invadir a grade de programação das emissoras. Nesta época o apresentador Ary Barroso apresenta o seu programa Os Calouros do Ary na TV Tupi, sendo um dos primeiros programas onde “gongava” (batia em um gongo) os candidatos mais fracos que acreditavam ter condições de ser uma estrela artística.

No início da década de 1960, Chacrinha, sempre atento ao cenário artístico, inclui em seu programa um quadro com calouros. O apresentador não se cansava de dizer que adorava ouvir quando adolescente o programa de Ary Barroso, na Rádio Nacional e, portanto apenas utilizou uma fórmula já conhecida, adicionando um toque pessoal.

Em 1961, quando apresentava o programa Rancho Alegre, na TV Tupi, o humorista Tião Macalé participava do quadro Cuidado com o telefone, onde atendia o telefone e gongava o candidato a calouro. Como achava muito complicado, Péricles do Amaral diretor do programa pediu Chacrinha utilizasse uma buzina, ao invés de gongar o candidato, sendo que a buzina que seria sua marca registrada.

Chacrinha tinha um carinho muito grande por seus calouros e os considerava a razão do sucesso de seu programa, donde o apelido dado por ele de “Os

Intocáveis”. Ele mesmo fazia questão de escolher vários candidatos e embora

parecesse tudo arranjado, não havia nada combinado entre o apresentador e os candidatos, como ele mesmo relatou:

Não trabalho com cartas marcadas. O povo pensa que é combinado, mas não é não. Os calouros vão para o programa porque acreditam realmente que cantam bem, tanto que quando os buzino eles põem a culpa no pianista! O povo quer ver os mais engraçados. Um bom calouro é aplaudido, mas, se ele chega fazendo besteira, cantando mal e é buzinado, o povo se esbalda (TV CULTURA, 1999).

Na década de 1970 era comum a seleção dos calouros durarem quatro horas, pois havia mais de quatrocentos candidatos por semana. Os calouros, em sua maioria, tinham sempre características bem marcantes: feios, banguelos, muito idosos, obesos, usando roupas extravagantes, gritando, berrando, tudo menos cantando bem, embora eles realmente acreditassem estar ali para serem candidatos a estrelas, porém quando eram buzinados, alguns não aceitavam tão facilmente sua derrota. Em depoimento para esta pesquisa o diretor Nelson Hoineff fez o seguinte comentário:

Chacrinha buzinava um calouro e para ele e para nós, esta buzinada dura poucos segundos, mas para alguns calouros, que não conseguiram vencer na vida artística profissional, a buzinada durou 40 anos7.

Para avaliar os calouros, Chacrinha escolheu um júri que tinha membros tão extravagantes quanto os calouros como, Carlos Imperial, a travesti Rogéria, Pedro de Lara, um ex-vendedor ambulante, Elke Maravilha com suas roupas e cabelos exóticos e a grande cantora Aracy de Almeida (intérprete das músicas de Noel Rosa) sempre mal-humorada e que dava as piores notas aos candidatos e fazendo críticas pesadas aos candidatos a cantores. O apresentador sabia que o júri deveria ter um impacto muito forte sobre os calouros, sobretudo ao lidar com o auditório, mas essa era a função principal dos jurados.

O meu júri tem uma influência capital, assim como o público tem uma influência capital. Mas o meu júri tem a finalidade de mostrar que jurado nenhum sabe de nada... Eles pensam que sabe mas não sabe... Só quem pode julgar músico é maestro (BARBOSA, 1972).

Porém vários cantores realmente bons deram seus primeiros passos como calouros nos programas do Chacrinha, como Elis Regina, Jair Rodrigues, Sônia Santos, Perla, Paulo Sérgio, Wanderley Cardoso, Celly Campelo, e Fábio Júnior entre tantos outros.

Chacrinha tinha outro ponto importante em seus programas: as famosas chacretes. Herdeiras diretas do teatro de revista, popularmente chamado de teatro de rebolado, as dançarinas já não eram uma novidade na televisão, mas Chacrinha sem dúvida as tornou estrelas artísticas.

Em 1963, a TV Excelsior inovou, colocando algumas dançarinas para se apresentarem tanto na abertura da programação da emissora, como no encerramento de alguns programas. Durante o programa A Hora da Buzina de

Chacrinha, estas dançarinas continuaram a dançar no fundo do palco. Começava ali a era das dançarinas de palco na televisão brasileira.

Fig. 1: Chacrete Loira Sinistra na Discoteca do Chacrinha TV Tupi - 1974

Fonte: Documentário Alô Alô Terezinha

Em 1967, quando retorna para a TV Rio, Chacrinha aceita a sugestão do diretor Boni para incluir algumas mulheres consideradas boazudas (conforme o padrão de beleza da época) para dançar e incrementar o programa. Quando o Carnet Fartura começa a patrocinar o programa, as dançarinas passam a ser chamadas de vitaminas. Quando se transferiu para a TV Globo, Chacrinha manteve o mesmo formato do programa e um pouco mais tarde, em 1970, a imprensa e o público começam a se referir às dançarinas como chacretes (XAVIER, 2000, p 61).

Fazer parte do time das chacretes era o sonho de várias meninas. O público masculino as adoravam, parte do feminino as achavam vulgares, inclusive Chacrinha é apontado como um dos iniciadores do conceito de mulher objeto em nossa televisão. No entanto, diferente do que acontecia em outros programas na época, e mesmo atualmente, Chacrinha valorizava suas chacretes. Programas como

Domingão do Faustão apresentado por Fausto Silva, o Faustão, ou Domingo Legal,

que foi apresentado por Augusto Liberato, o Gugu, além de outros programas do gênero têm suas dançarinas quase incógnitas.

Fig. 2: Chacretes e as suas coreografias eram destaques dos programas

Fonte: Programa Cassino do Chacrinha, Acervo TV Globo

Já as chacretes eram todas carinhosamente apelidadas pelo apresentador, tornando-se conhecidas como Rita Cadillac, Regina Polivalente, Leda Zepelim, Sarita Catatau, Cida Cleópatra, Valéria Mon Amour, Lucinha Apache, Fátima Boa Viagem, Esther Bem-Me-Quer, Vera Furacão, Vera Flamengo, Índia Amazonenze, Gracinha Copacabana, Angélica Corujinha Loira, Cristina Azul, entre tantas outras.

Esta mistura de elementos foi um ponto fundamental para o apresentador sentir como deveria conduzir seu programa. Chacrinha com sua grande percepção sabia conduzir todos esses elementos para que seu público não sentisse que no programa uma mesmice ou ainda que estava imperando a monotonia. Ele observava muito como seu auditório estava se comportando e como as atrações estavam agradando ou não, assim ele podia estender a apresentação de um calouro, ou mesmo finalizar abruptamente a apresentação de outro. O auditório era outro ponto fundamental, que Chacrinha fazia questão de tratar com um dos elementos principais do seu programa e pode-se verificar a seguir.

No documento Cleber Vanderlei Rohrer.pdf (páginas 44-49)