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A partir dos Clubes de Mães as mulheres participaram de várias lutas nos bairros, desde reivindicações de serviços públicos, como água, esgoto, telefone, creche, posto de saúde, hospital, educação, limpeza pública etc., até reivindicações mais amplas, como, movimento do custo de vida, luta contra o desemprego, solidariedade e apoio aos trabalhadores, crianças, ao movimento negro, às famílias carentes, integravam a pauta.

Uma das lutas que tomou ampla proporção foi a do custo de vida38, que surgiu por iniciativa dos Clubes de Mães da Zona Sul e se estendeu à Zona leste. Começou em 1972 quando foi enviada uma carta dos clubes de mães às autoridades, denunciando a alta dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Foram produzidas várias cartas e a primeira delas foi publicada no jornal “O S. Paulo”, e lida na “Voz do Brasil” e na Rádio Nove de Julho, quando, então, esta foi fechada. Em 1975, as mulheres, através dos Clubes, fizeram uma pesquisa sobre o custo de vida em mais de 2000 casas. Nas palavras de uma integrante:

Essa pesquisa foi feita pelas mulheres do bairro. A gente se dividia geralmente por ruas. Então, fulana e cicrana se responsabilizavam por tal rua, outras por outra rua. E a gente coordenava os trabalhos. Sempre tinha as coordenadoras dos grupos de mães escolhidas por votação. (informação verbal)

Esta participante fala das dificuldades:

Nós estávamos numa situação difícil, mas não se ouvia falar nada dessas coisas. Logo em seguida foram feitas uma pesquisa e um abaixo assinado com cerca de 1800 assinaturas. O próximo passo foi barrado pela repressão. Um bocado de gente foi presa e não tivemos condição de levar em diante o nosso trabalho. (informação verbal)

A partir dessa pesquisa, o movimento cresceu e passou a desenvolver diferentes formas de luta, como abaixo-assinados, assembleias, reuniões de representantes de vários bairros. Nas palavras de outra integrante:

Os maridos levavam os abaixo-assinados para as fábricas e lá discutiam com os companheiros. Era uma coisa muito bonita! Você mexia com a consciência dos maridos, dos chefes e de todo mundo. Para refletir a gente organizava dias de estudo e convidava economistas e um monte de gente. E eles ficavam o dia inteiro fazendo reflexões com a gente; e o grupo foi se ampliando a nível de todo o Brasil. (informação verbal)

As exigências ao governo foram: congelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade, aumento do salário acima do custo de vida, abono salarial etc. O ponto marcante do movimento foi uma assembleia popular de 20 mil pessoas na Praça da Sé (em agosto de

1978), para entregar às autoridades um abaixo-assinado com um milhão e trezentas mil assinaturas. As autoridades não compareceram e houve intensa repressão policial. Em setembro deste mesmo ano, uma comissão foi à Brasília entregar o documento ao Presidente da República, mas não foi recebida. Em outubro, o movimento se descentralizou para outras regiões de São Paulo e Campinas, realizando assembleias que ficaram conhecidas como “assembleia das panelas vazias”.

Com o desenvolvimento do movimento ele se apropria de outras esferas, além dos Clubes de Mães. Mas em todas as suas etapas, as mulheres dos Clubes de Mães tiveram participação de destaque. Segundo a afirmação de uma integrante: “Muita gente criticava, achava que era um movimento errado. Mas foi um movimento nascido do povo. Não nasceu de nenhum movimento político, nasceu de um grupo de mulheres que viu a necessidade de alguma saída”. (informação verbal)

Outro movimento importante na Zona Leste nascido da iniciativa dos Clubes de Mães foi o Movimento de Educação da Zona Leste, organização popular que desde 1980 se mobilizava em torno do direito à educação. Sua estratégia básica era exigir do Estado o cumprimento da obrigação de realizar a manutenção do sistema de ensino. Mobilizando a população, elaborando suas reivindicações, denunciando e exigindo respostas das Secretarias da Educação, o Movimento conquistou mais escolas de Primeiro Grau para a região, a ampliação dos cursos de Segundo Grau e da rede de educação infantil, além de incluir na reponsabilidade do Estado, através da abertura de cursos supletivos, a educação básica para adultos e jovens expulsos do sistema de ensino regular, além da necessidade de ter aulas no período noturno, ausente na região39.

Esse movimento começa com as mães que se reuniam na capela do Monte Santo em Ermelino Matarazzo. Para além da reza, elas discutiam sobre a rua cheia de lama, o lixo que, quando não era queimado, ficava todo amontoado, bem como, a necessidade de telefone público. Como havia esses assuntos e muitos outros, as mães faziam um planejamento todo fim de ano, elencando os principais problemas que teriam que resolver aquele ano. Para o ano de 1980, as mães selecionaram o problema do asfalto que teria que vir de graça da prefeitura, já que uma empresa queria cobrar o serviço; o “orelhão” e a taxa da Associação de Pais e Mestres (APM).

A APM também foi objeto de questionamento. A APM era uma taxa cobrada nas escolas. Segundo a lei 12.983 que estabelecia o Estatuto Padrão das Associações de Pais e

Mestres, essa taxa poderia existir, mas era voluntária. Nas escolas passaram a cobrar a taxa obrigatoriamente, e a consequência foi discriminação aos alunos que não podiam pagar. Então, essas mães resolveram visitar outras mães que conheciam, que viviam em vilas mais próximas. Segundo uma participante: “Começava colocando a questão da APM e a mulherada desatava a falar uma, mais do que a outra. Não era só a APM, atrás dela vinha um monte de problemas que estavam acontecendo nas escolas públicas do bairro”40

. As escolas cobravam ilegalmente a taxa da APM na hora da matrícula. Para impedir isso, o grupo de mães da comunidade de Monte Santo organizou sua primeira luta no setor de educação, a qual se estendeu para outros bairros da Zona leste.

O movimento cresceu em tamanho e importância agitando a região. Nos meses de outubro, novembro e dezembro daquele ano, ele saiu quase toda semana no jornal. As mães distribuíram panfletos, publicaram boletins com denúncias e lançaram um abaixo-assinado41. Foi marcada uma grande assembleia para o dia 7 de dezembro, quando foi entregue o abaixo- assinado aos secretários. Isso também gerou reações contrárias, principalmente das diretoras das escolas que não entendiam que as críticas não eram para elas. Assim informa uma participante: “A maioria das diretoras não se acostumavam a ver as mães tendo alguma coisa a dizer sobre a escola. As mães, elas chamavam de analfabetas, e as escolas, elas pensavam que eram delas”42

.

Discutindo em suas comunidades, elas perceberam que o discurso do governo “de escola pública para todos não era verdade, os moradores da região é que sabiam o que lhes faltava”. Assim, elas e outros segmentos que se juntaram ao movimento, como os jovens, trabalhadores e crianças, elaboraram uma pesquisa para saber o que havia de errado na escola. Distribuiu-se a pesquisa em todas as comunidades. A maioria foi feita nos Clubes de Mães. A pesquisa apresentou e comprovou a precariedade da escola. Dessa maneira, as mães conseguiram que seus filhos fossem matriculados nas escolas sem pagar a taxa da APM. Na luta aprenderam muitas coisas e descobriram o quanto havia por ser feito pela escola.

Além desse movimento, identificamos outros exemplos de como as mulheres da periferia se organizavam. O movimento de creche tem sido o mais lembrado dentre os liderados pelas mulheres, provavelmente pela ligação da luta com a maternidade; os outros movimentos continuam sendo assexuados, ou seja, não são apresentados com autoria das mulheres. No movimento por creche, além de reivindicarem a construção de creches para a

40 Idem.

41 Idem. 42 Idem.

região, também reivindicavam a contratação de pessoas do próprio bairro para trabalhar nas creches e quando as mães iam inscrever os filhos, eram convidadas a participar das reuniões. Era importante que soubessem que a creche foi uma vitória da luta dos Clubes de Mães.

Os movimentos citados, além de outros que não será possível mencionar neste trabalho, foram importantes para desconstruir a característica do modelo social vigente na época, cujo autoritarismo impedia uma forma de sociabilidade política que reconhecesse o sentido da ação coletiva como forma de participação na vida social. (TELLES, 1994). Cynthia Sarti (2004), ao discutir o movimento de mulheres a partir dos anos 1970, observa que estes movimentos sociais urbanos organizaram-se em bases locais, considerando a experiência cotidiana dos moradores das periferias pobres e dirigindo suas demandas ao Estado como promotor de bem-estar social, tendo como parâmetro o mundo cotidiano da reprodução – a família, a localidade e as condições de vida – que compõe a forma tradicional de identificação social da mulher. Diríamos que este é o espaço que sobra à mulher pobre, mas quais outros espaços lhe seriam possíveis participar? Mesmo hoje é esse espaço que lhe é permitido estar e que ela irá buscar transformar.

Foram nesses breves registros históricos, considerados os “novos movimentos sociais” que politizaram espaços públicos antes silenciados na esfera privada. Dos bairros segregados, segundo Sader (1988, p. 36) “onde ninguém esperava, pareciam emergir novos sujeitos coletivos, que criavam seu próprio espaço e requeriam novas categorias para sua inteligibilidade”. Algumas autoras (SARTI, 2004; PINTO, 1992; OLIVEIRA, 1990) observaram como a participação das mulheres nos movimentos de bairro produziu a emergência de um novo sujeito político; ao sair do confinamento doméstico e ao questionar a condição da mulher, colocou em debate a identidade de gênero, que mesmo não sendo o foco, aparecia.