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A maioria dos/as entrevistados/as relataram que aprenderam sobre as plantas com os pais, com 21 indicações, seguida de 10 indicações para familiares próximos (tios, avós, sogros), depois com nove citações para pessoas da comunidade (especialistas locais que trabalham com biosaúde22, freiras, pessoas que trabalham com outros tratamentos naturais), a conversa com outras pessoas (amigos, vizinhos e conhecidos) apresentou seis indicações, a Pastoral da Criança e o estudo em livros apresentou cinco e duas indicações, respectivamente.

As categorias pais e familiares próximos representam 54% da transmissão dos conhecimentos. Para a agricultora CAMÉLIA “[...] professor melhor é o pai e a mãe, nesse sentido”, ao se referir como aprendeu a usar as plantas.

Dona MARGARIDA ao ser entrevistada conta como aprende com a família, principalmente com a mãe sobre o uso das plantas:

22 A biosaúde ou bioenergia consiste na cura das doenças a partir das plantas medicinais e outras terapias

naturais, as doenças alteram a energia dos órgãos afetados e através do teste bioenergético essas alterações são detectadas (ABRASP, 2016).

[...] minha mãe lida com as erva, meu vô era muito assim das erva, tomava muita erva, daí eu cheguei lá [na casa dos pais], meu pai comeu um sorvete diz que fez muito mal né? Daí ela [mãe] tava raspando um pedaço de madeira, digo: mas o que será que minha mãe ta fazendo né? [a mãe responde:] I esse home foi no médico hoje, ta com a diabete muito arta. Ele tava mal mesmo, e ela colocando aqueles farelinho daquele pau [pau amargo] dentro de um copo de água bem gelada, daí eu disse o que que é isso mãe? Nunca tinha visto também fazê aquele tipo de remédio, aquele tipo de chá. Ela disse: não minha filha, esse é o tar de pau-amargo, é muito bão prá diabete. E ele tava tão mal, tomou uns gole daquela água e dentro de um minuto já tava bão [...] (MARGARIDA).

E assim, nas situações do dia a dia é que esse conhecimento construído ao longo do tempo por várias gerações é repassado principalmente através da convivência familiar em condições reais.

Em um estudo etnobotânico Silva, Dreveck e Zeni (2009) em uma comunidade rural em Indaial/SC, constataram que a principal forma de transmissão desse conhecimento também ocorre principalmente pela família (87,5%), seguida pela influência da igreja (6,25%) e por livros e revistas (6,25%).

Destaca-se que das 21 citações sobre o aprendizado com os pais, nove disseram ter aprendido com os dois, porém mais com a mãe do que com o pai, somente um disse que aprendeu com os dois a mesma proporção e 11 disseram que aprenderam somente com a mãe. Isso demonstra a importância do conhecimento das mulheres sobre as plantas, e que são as principais responsáveis por repassar grande parte desse conhecimento. O mesmo foi observado por Freire (2008) e Badke (2008), que concluíram que maior parte do conhecimento adquirido sobre as plantas medicinais é através das mulheres, avós, tias, irmãs mais velhas e principalmente as mães.

Geralmente durante as entrevistas quem respondia mais sobre as plantas medicinais e plantas alimentícias não convencionais (PANC) foram as mulheres, muitas vezes somente elas ficavam para entrevista. Nas famílias em que eles estavam presentes, alguns admitiam que suas esposas sabiam mais, como no caso do agricultor MANJERICÃO que disse: “eu conheço várias qualidades de ervas, só que a mulher que sabe mais esse é tal serve prá isso, eu não sei muito prá que serve, pelo nome, conheço mas não é grandes coisa.”

Mulheres e homens possuem conhecimentos distintos acerca da biodiversidade local e manejada, bem como das técnicas de cultivos, como explicam Toledo e Barrera-Bassols (2015, p. 93) “o conhecimento é compartilhado e matizado de acordo com o sexo e a idade,

sendo que cada membro da casa realiza atividades específicas que conferem ao conhecimento sua própria particularidade.”

Os livros e cartilhas sobre plantas medicinais apesar de serem citados com menos frequência, também são utilizados, como demonstra a agricultora MARGARIDA ao falar “[...] o livrinho tá feio, vivo com ele na mão.”

Quando indagados/as sobre a participação em cursos, houveram 21 indicações para as formações (cursos, palestras, oficinas), destaca-se principalmente a formação no período em que algumas famílias estiveram acampadas, com freiras, pastoral da criança e especialistas locais. A formação foi realizada por intermédio de organizações como a Associação de Estudos, Orientação e Assistência Rural (ASSESOAR) e o CEAGRO. Também participaram de cursos nas Jornadas de Agroecologia e na Escola de Mulheres do MST23, e aperfeiçoamento anual realizado pelos especialistas locais.

Quando perguntados/as se têm interesse em participar de formações sobre o tema, 13 entrevistados manifestaram interesse, conforme descreve Dona SALVÍNIA “a gente não sabe nada da natureza, era bem importante uns cursos prá saber lidar com os remédios.”

Apesar de ter um número expressivo na participação das mulheres, principalmente aquelas que estão participando a mais tempo dos encontros de agroecologia. No entanto, percebe-se que as mulheres que estão articuladas a menos tempo ainda não conseguiram se ‘libertar’ de certas amarras do cotidiano. Como relata a senhora BELDROEGA que diz nunca participado de nenhuma formação, e quando perguntada se gostaria de participar diz que sim, porém afirma“[...] só que eu não posso sou muito atarefada, se sair e daí como é que fica?”

Esta afirmação define a situação de muitas mulheres rurais, que acumulam muito trabalho, que não é compartilhado com os demais membros da família, e quando tem alguma reunião ou palestra quem vai é sempre o homem (isso é refletido nos encontros ampliados do Núcleo Luta Camponesa, onde a participação feminina é pouca). Portanto, para Burg e Lovato (2007) o excesso de trabalho nas unidades produtivas familiares é o principal motivo que impede as mulheres de participarem de formações

Muitos/as entrevistados descrevem com preocupação o desinteresse das gerações mais novas sobre os conhecimentos com as plantas medicinais. Nesse sentido, de acordo com Battisti et al. (2013) são as gerações mais antigas que conservam o conhecimento tradicional da utilização de espécies vegetais para o tratamento de problemas de saúde.

23 A Escola de Mulheres surge em 2006, coordenada por uma equipe do CEAGRO, que é composta por

dirigentes do MST, do MPA e das mulheres indígenas, que atua na formação das mulheres do campo (MARQUES, 2013).

Por outro lado, algumas famílias relataram que ensinam para os mais novos sobre as plantas medicinais e remédios alternativos, como relata dona MALVA “[...] até com as crianças (netos) a gente conseguiu criar na cabeça deles uma resistência contra os remédios químicos, o meu neto tem quatro aninhos, se ele sente qualquer coisa estranha já pede própolis”. E ainda como descreve o senhor CEDRO se referindo à mesma criança “[...] ou se ele cortar o dedo ele já fala prá mãe dele me arruma um paninho prá fazer xixi prá botar aqui em cima”.

Outra questão que preocupa é com a detenção dos conhecimentos por parte das multinacionais, com o patenteamento de determinadas substâncias “[...] patentiá uma medicina natural, uma empresa patentiou e diz que aquilo lá tem dono, e nóis que esses conhecimentos que o povo tem, o conhecimento do povo é do povo, não tem que ninguém ser dono do conhecimento do povo” (JASMIM).

Nesse sentido, a lei 13.123 protege os conhecimentos tradicionais associados ao patrimônio genético das populações indígenas, comunidades tradicionais e agricultores tradicionais (BRASIL, 2015). Essa lei também prevê que sejam repartidos os benefícios resultantes, de forma justa e equitativa. Tornou mais flexível o acesso à biodiversidade e aos conhecimentos tradicionais, que impulsiona o desenvolvimento de pesquisas sobre a biodiversidade brasileira, porém pode provocar a imposição dos interesses econômicos sobre as questões sociais e culturais (BOFF, 2015).

Portanto, a principal forma de transmissão de conhecimento é através do convívio familiar, os mais velhos, principalmente as avós, tias e mães repassam os conhecimentos aos mais jovens. Observou-se uma certa preocupação quanto à perca dos conhecimentos tradicionais, ao desinteresse dos mais novos e à apropriação por parte das multinacionais.