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3 EDUCAÇÃO E FILOSOFIA: UMA LEITURA BENJAMINIANA DA

3.1 Os des-caminhos do sujeito na modernidade

Desse modo, nesta parte da pesquisa trata-se de compreender essa matriz teórica, a saber, o pensamento de Walter Benjamin, dialogando com algumas de suas obras mais

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importantes, bem como com outros autores e críticos. E ao final, focando a discussão acerca do papel pedagógico da narrativa, enquanto expressão autêntica da busca por uma verdadeira experiência do sujeito do campo, a partir da escola do campo, que redescobre a si mesmo e a realidade presente, mediante o confronto (choque) com o passado, através da narrativa que se insurge como afirmação de uma realidade anti-hegemônica, diante de um cenário de ataques ao trabalhador do campo, e de um projeto de educação e formação propostas pelo Governo Federal, onde o agronegócio figura como “senhor do campo” em quase todas as regiões do país, indo na contramão de um projeto de sociedade, e de um projeto emancipatório de educação, pondo em risco a vida e a cultura do povo.

A teoria crítica de Benjamin surge no contexto no qual a burguesia já havia se consolidado, enquanto modo de produção hegemônico e força política e cultural dominante (NOBRE, 2004). Até o final do século XIX, as esperanças do mundo voltavam-se para o projeto iluminista e positivista que acreditava que a ascensão e melhoramento do universo tecnológico e por tanto, da ciência, especialmente, das ciências exatas que poderiam por si só emancipar os homens de todas as suas ilusões, de todos os mitos, até mesmo das crenças religiosas, basta lermos o catecismo positivista de Augusto Comte e notaremos que trata-se da substituição de todas as outras crenças e visões de mundo pela crença na ciência que tem como modelo a matemática (visão descarteana). Analisemos tal contexto, a partir das experiências do próprio Benjamin e de algumas conexões com correntes de pensamento que nos influenciam desde então. A decepção dos desdobramentos do sonho de emancipação iluminista faz-se presente através da História que

[...] veio nos provar exatamente o contrário, que estes aspectos, tais como a razão tecnocrata que se insurge na modernidade, em certa medida, tem apontado para o inverso da emancipação, ou seja, para a barbárie. As Primeiras e Segundas Guerras mundiais são a materialização de um projeto de sociedade em crise, de uma razão desumanizadora. A dimensão de seu caráter destrutivo se dar no sequestro de mentes e corpos, sua reificação e dilaceração, e o que mais nos preocupa, isso acontece até mesmo sob a tutela do estado como legitimadora da violência calculada e planejada. (NUNES e MENEZES, 2017, p. 3)

O início do século XX viu o surgimento de grandes centros urbanos, na Europa e nos países mais desenvolvidos, do ponto de vista da evolução dos meios de produção; viu paralelamente a acentuação dos contrastes entre as classes sociais com a ascensão da miséria, da exclusão e da violência, o que, por sua vez, exigiu dos trabalhadores que se organizassem em torno de entidades representativas, tais como sindicatos e associações, que pudessem lhes

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garantir a sobrevivência em meio a uma exploração brutal de sua força de trabalho. É no bojo de tais transformações que a Europa, em efervescência, traz consigo também novos movimentos culturais – as vanguardas artísticas – que serão sintomáticos da crise, ou poderíamos dizer a primeira grande crise generalizada do capital que culmina na Primeira Guerra Mundial.

A não aceitação daquele estado de coisas (que de algum modo perdura até nossos dias) tinha no poeta Francês – Charles Baudelaire – e em sua obra o retrato do homem “perdido” na modernidade, do homem jogado em um mundo materialista e cruel no qual a mercadoria se faz senhora da vida de todos. E é em meio a cidade, lugar privilegiado, no qual impera a mercadoria, que nosso poeta atravessa consciente de sua miséria:

[...] escreveu Baudelaire em 1851, "é impossível não ficar emocionado com o espetáculo desta população doentia, que engole a poeira das fábricas, que inala partículas de algodão, que deixa penetrar seus tecidos pelo alvaiade, pelo mercúrio e por todos os venenos necessários à realização das obras-primas... Esta população espera os milagres a que o mundo lhe parece dar direito; sente correr sangue purpúreo nas veias e lança um longo olhar carregado de tristeza à luz do sol e às sombras dos grandes parques". Esta população é o pano de fundo, no qual se destaca a silhueta do herói. (BENJAMIN, Walter. 2000, p.10)

O império fantasmagórico da mercadoria não se dar de modo separado da exploração do trabalho e da difusão cultural dos valores burgueses, através da cultura de massa. Baudelaire, o herói moderno, vivia a aflição de ser um poeta, ao tempo em que denunciava o capitalismo, via-se obrigado a produzir sua arte para essa mesma classe consumidora, e tal qual qualquer trabalhador, tinha que vender sua força de trabalho. Benjamin (2000) vê certo lirismo nos versos, muitas vezes cortantes, do poeta em seu realismo, em relação a perda da aura e do seu encontro com a arte como produto de consumo, mas que busca pintar de modo crítico as imagens da decadência de uma arte que se produz, tal qual, um esgrimista em sua luta com as palavras que não parecem conseguir exprimir o que designavam outrora:

Nos artifícios da sua prosódia, Baudelaire, poeta, imita os choques que suas preocupações lhe provocam e centenas de ideias com que as contra-atacava. O trabalho que Baudelaire dedicou aos seus poemas, visível na imagem do combate de esgrima, significa uma sequência ininterrupta das menores improvisações. As variantes dos seus poemas testemunham a constância do trabalho e a preocupação pelos mínimos detalhes. Aqueles passeios em que reencontrava seus problemas [...] (BENJAMIN, Walter. 2000, p.7)

A modernidade, nos termos em que está posta, tal como se figura, apresenta-se para a classe trabalhadora como um inferno em terra. Um inferno em sentido literal. Se as contradições

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são uma característica ou traço destes nossos tempos, seus efeitos, mais negativos, mais catastróficos, como atesta Dussel (1979):

Estamos em guerra. Guerra fria para os que a fazem; Guerra quente para os que a sofrem. Coexistência pacífica para os que fabricam armas; existência sangrenta para aqueles que são obrigados a comprá-las ou usá-las. O espaço como campo de batalha, como geografia estudada para vencer estratégica ou taticamente, como âmbito limitado por fronteiras, é algo muito diferente da abstrata idealização do espaço vazio da física de Newton, ou do espaço existencial da fenomenologia (1979, p. 8)

Na geografia do grande capital, as nações modernas não estão no centro, enquanto detentores de parques industriais e, como detentores de capital financeiro, ficam às margens do “progresso” e têm problemas sociais de toda ordem. Dussel (1979) nos ajuda a pensar numa filosofia que parte da periferia que somos em relação ao mundo, América do Sul e Central, ou seja, a América Latina, tão explorada há séculos por europeus e mais recentemente pelos ditames de Washington, para pensarmos em alternativas populares que emanem da própria periferia, pois como já afirmava Paulo Freire, “ninguém educa ninguém, ninguém se educa sozinho, nos educamos juntos”. Nenhum governo concederá liberdade, trabalho, dignidade aos trabalhadores, por mais progressista que alguns possam parecer, pois o Estado sempre será um espaço em disputa num “jogo de xadrez” com regras criadas pela própria burguesia e seus soberanos.

Alguns pensadores de correntes distintas advogam o fim da história; a vitória do capitalismo e da técnica; outros ainda olham para o futuro de modo pessimista ou catastrófico, esquecendo que o passado não está morto, que o presente está sendo jogado (disputado) e que o futuro está aberto a inúmeras possibilidades que se gestam, não no próprio futuro, mas no tempo de agora. Se pensarmos na realidade brasileira, na qual a renda per capita nos coloca na 72ª posição do mapa mundi, poderíamos afirmar que de fato somos um país para lá de pobre, verdadeiramente em estado de miséria. E o caos velado que encerra na periferia dos grandes centros e nas zonas rurais, onde a presença do latifúndio e do agronegócio se impõe, a exemplo das terras alagoanas, onde a renda per capita é menor do que um salário-mínimo. Nessas condições de alienação e miséria, somos chamados a viver de modo heróico, a buscar sobreviver a esse modo de vida imposto pelo capital. Tal como nas obras de Bertold Brecht ou Balzac, o herói na modernidade vem do seio do próprio povo:

64 [...] O herói é o verdadeiro tema da modernité. Isto significa que para viver a modernidade é preciso uma formação heroica. Esta era também a opinião de Balzac. Assim, Balzac e Baudelaire se opõem ao romantismo. Sublimam as paixões e as forças de decisão; o romantismo sublima a renúncia e a dedicação. Essa nova concepção é muito mais complexa e rica no poeta do que no romancista. (BENJAMIN, Walter. 2000, p.10)

A modernidade sob a égide capitalista é anunciada ou professada como um modelo societário fracassado, cuja insistência arrastará cada vez mais a humanidade à barbárie. A modernidade ao tempo que desumaniza as pessoas e as tornam coisas, contribui para que essas mesmas se desprendam e se lancem para um futuro incerto. Não é à toa que esse período é marcado pelo espectro do suicídio. O mesmo se apresenta em determinados momentos como uma solução à falta de perspectiva, apresentada pelo modelo de sociedade na qual estamos mergulhados. Lembro-me do período em que os usineiros entraram em crise, quebraram o banco do Estado e arrastaram, a já devastada, economia de Alagoas para o caos, o que se refletiu diretamente na ausência de pagamento dos funcionários públicos, em especial, professores e policiais, que não tendo coragem de roubar ou saquear, acabavam tirando suas próprias vidas e às vezes também da família. É bom que isso não caia no esquecimento. O quadro em geral era o seguinte:

O governo alagoano quebrou e começa a arrastar o resto do Estado. Após décadas de crescimento superior à média nacional, o PIB (Produto Interno Bruto) de Alagoas teve o pior desempenho do Nordeste em 1996: aumentou 3%. Só de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) da Prefeitura de Maceió, foram cerca de R$ 3 bilhões que deixaram de ser repassados este ano, segundo o secretário municipal das Finanças, José Gama. (FOLHA UOL, 1997)

O suicídio era um tema frequente entre algumas correntes de vanguarda artísticas, em especial, simbolistas e surrealistas, e Baudelaire, poeta exemplar que simboliza a modernidade, traz consigo tais influências, dentre outras. Benjamin também “namorava” com a temática e em algumas obras temos passagens que indicam isso:

Os obstáculos que a modernidade opõe ao élan produtivo natural do indivíduo encontram-se em desproporção com as forças dele. É compreensível que o indivíduo fraqueje, procurando a sorte. A modernidade deve estar sob o signo do suicídio que sela uma vantagem heroica que nada concede à atitude que lhe é hostil. Esse suicídio não é renúncia, mas paixão heróica [...] (BENJAMIN, Walter. 2000, p.12)

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Mesmo em países mais ricos, com melhores condições de vida para sua população, pois o mal-estar da sociedade capitalista é intrínseco a sua própria natureza. Lembremos dos poetas românticos, em sua maioria filhos de pais abastados (capitalistas em ascensão), não se davam bem, ou não viam com bons olhos o tipo de sociedade que a geração anterior e a sua geração estavam produzindo: uma sociedade que transformava todas as relações sociais em relações monetárias32 e interesseiras. Até mesmo a família tradicional e demais instituições não tem como ao processo de reificação do homem e das relações sociais. De problemas sociais a distúrbios mentais de toda sorte, poderia se imaginar como desdobramento de um modelo civilizatório que não tem outra coisa a oferecer senão guerra contra os homens (força de trabalho) e a natureza (recursos naturais limitados).