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4. AS TRANSFORMAÇÕES DO SISTEMA DE PRODUÇÃO E COMERCIALIZAÇÃO

4.5. OS DESAFIOS DA CONSTRUÇÃO SOCIAL DOS MERCADOS NA ILHA DO

ESPECÍFICA DA LOCALIDADE

A trajetória histórica das relações econômicas na Ilha do Capim implicou na existência atual de problemas na comercialização e, consequentemente, um conjunto de desafios a serem enfrentados pelos moradores. Mas quais problemas e desafios são esses? Qual a relação destes problemas e desafios com a gestão do território? Essas questões podem ser respondidas pela trajetória histórica de comercialização da produção.

O primeiro problema é a ausência, em toda a história da localidade, de organização coletiva para realizar a comercialização. Isso pode ser resultado de fatores como: a manutenção prolongada do controle dos recursos naturais por grupos locais considerados historicamente como os donos da ilha; a distância dos centros urbanos; a dificuldade de acesso à infraestrutura necessária; e a inclinação histórica das

organizações locais para outras temáticas (saúde, educação) desvinculadas da comercialização da produção. Esta ausência organizacional representou uma abertura histórica da gestão do território para a presença de relações de expropriação da riqueza por agentes mercantis externos, mantendo a maioria das famílias em situação de pobreza. Nesse sentido, para Petersen (2013), é fundamental a construção de nichos de inovação local, ou seja, a construção de espaços sociais de aprendizagem sobre novas formas de comercialização que superem as barreiras impostas pela atual configuração das relações mercantis. A venda dos recursos da reserva representa o surgimento de um nicho de inovação que pode alavancar o fortalecimento de processos de aprendizagem na comercialização, de forma fortalecedora da gestão do território. Neste caso, o desafio está no fortalecimento dos nichos de inovação emergentes e na construção de novos espaços sociais de aprendizagem.

O segundo problema resulta do primeiro e caracteriza-se pela significativa dependência das famílias em relação aos marreteiros. A principal consequência é a elevada transferência do valor agregado (totalidade da riqueza produzida no estabelecimento durante um ano) para agentes mercantis dispostos ao longo da cadeia produtiva. Por causa deste fator, estão surgindo situações em que os moradores têm dificuldades de manter sua renda no final do processo produtivo. Todos os agentes da cadeia produtiva criaram organizações para garantir maiores lucros, com exceção dos agricultores. Essa situação torna os moradores cada vez mais vulneráveis diante das relações de poder no âmbito das relações mercantis. O desafio para a organização dos moradores está em construir iniciativas que aumentem o valor agregado (riqueza) da produção de forma alinhada ao fortalecimento da gestão do território. Nesse sentido, para Ploeg (2008) o desafio está na imersão diferenciada dos produtores no mercado sem perder sua autonomia relativa. É possível observar que a maior parte da riqueza produzida pelos moradores da Ilha do Capim não está ficando no território, ou seja, está sendo transferida para agentes mercantis externos ao território, principalmente os processadores que estão concentrando a maior parte da riqueza. Superar estes desafios pode contribuir significativamente na gestão do território pelos moradores.

O terceiro problema resultante da trajetória histórica de comercialização de produtos extrativistas na localidade é a redução das relações de confiança. Isso ocorreu em função da maior imersão das atividades produtivas nas relações mercantis e a consequente redução das relações de reciprocidade. Atualmente as relações econômicas

na Ilha do Capim possuem sistemas mistos (SABOURIN, 2014). Para Ostrom (1990) a redução das relações de confiança torna inviável a construção de experiências através da informalidade. Para esta autora, um tecido social com relações de confiança frágeis exige que as inovações sejam realizadas através de instituições. Por isso, a construção de nichos de inovação na comercialização dos produtos locais necessita da criação de arranjos institucionais que permitam superar a fragilidade das relações de confiança.

O quarto problema é o bloqueio da diversidade de produtos comercializáveis para o mercado. Devido a organização local não ter construído experiências de comercialização coletiva, a venda dos produtos se reduz ao pescado, ao camarão e ao açaí, mas principalmente este último. A ilha possui uma diversidade de produtos que não são mobilizados para o mercado devido aos bloqueios criados pela configuração atual do processo de comercialização. A resolução deste problema é fundamental. Para Ploeg (2008) a diversificação da comercialização representa um mecanismo de recampenização, visto que reduz as relações de dependência de determinados agentes de mercado. Neste sentido, a diversificação da comercialização representa o aumento das margens de liberdade em relação a agentes externos, tornando possível a maior capacidade de negociação e fuga de relações de dependência. O desafio é criar canais de escoamento para comercializar a maior diversidade possível de recursos disponíveis no território.

Outra implicação das mudanças históricas nas relações econômicas na Ilha do Capim foi a crescente redução de relações de reciprocidade e a intensificação das trocas mercantis que provocou uma dinâmica crescente de simplificação dos processos produtivos nas áreas de várzea. Isso ocorreu principalmente pela influência da configuração dos mercados como cadeias longas exportadoras, demandantes de um único produto das florestas de várzea. Na Ilha do Capim, este produto é o açaí.

No próximo capítulo, mostrarei a atual situação dos sistemas de produção provocada pelas mudanças históricas, buscando responder às questões: Qual o potencial da diversidade local? Quais os efeitos da estruturação dos mercados de produtos extrativistas nos sistemas produtivos e nas paisagens da Ilha? Quais as dificuldades de construção social dos mercados, na diversidade dos sistemas de produção? Desta forma, busco demonstrar que a construção social dos mercados é um processo premente para fortalecer a gestão do território e redirecionar a dinâmica de simplificação da paisagem,

assim como conservar as bondades da natureza31 essenciais à reprodução da comunidade local.

5. AS IMPLICAÇÕES DA TRAJETÓRIA HISTÓRICA NA DIVERSIDADE