• Nenhum resultado encontrado

2 A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO SOCIAL DA MODERNIDADE LÍQUIDA

2.4 OS DESAFIOS EDUCACIONAIS NA MODERNIDADE LÍQUIDA

As transformações sociais, culturais, políticas, econômicas e epistemológicas impulsionadas pela transição da fase sólida de modernidade para a fase líquida, desdobram-se profundamente nas diferentes esferas educacionais (familiar, institucional, informal). O quadro 01 demonstra e recupera alguns dos elementos-chave diagnosticados por Bauman em sua leitura do contexto social contemporâneo e que foram discutidos nos tópicos anteriores deste capítulo. Para refletirmos em relação à educação (física) no atual momento social, é fundamental retomarmos parte destes elementos, intencionando discutir os desafios que emergem nas práticas pedagógicas situadas em uma estrutura social “liquefeita”.

Na leitura de Bauman (1999a), o projeto social da modernidade sólida tinha como principal objetivo a instauração da ordem. Para tanto, a administração, planejamento e controle social ficavam a cargo, essencialmente, das políticas com “P” maiúsculo dos Estados-nação. As grandes estruturas solidificadas no imaginário social agiam diretamente sobre os indivíduos, influenciando para a manutenção do status quo instituído pelos legisladores. Para o autor, a fase sólida da modernidade influenciava e administrava as formas-de-ser dos indivíduos, em grande parte, gerenciadas pelo poder dos Estados-nação. Neste viés, o poder era enraizado no espaço-tempo determinando e interpelando os indivíduos, ainda que em grande medida através da coerção, ao engajamento social.

50

Quadro 01 - Elementos das fases sólida e líquida da modernidade

MODERNIDADE SÓLIDA MODERNIDADE LÍQUIDA

Peso Leveza

Controle do Estado-nação Controle do Estado-nação enfraquece frente à globalização

Sociedade de produtores Sociedade de consumidores

Política global Políticas da vida

Segurança Liberdade

Vida normativamente regulada Vida organizada em torno do consumo

Rigidez Flexibilidade

Abstração, simplificação e ordenamento dos fundamentos científicos

Desconstrução dos fundamentos científicos

Fonte: Adaptado de Bauman (1998, 1999a, 2000a, 2001, 2009a, 2010a).

O trabalho, conforme Bauman (2000a, 2000b, 2001, 2002a, 2009a), é um dos conceitos chave para a constituição identitária dos indivíduos. No período sólido-moderno, com base no arranjo social de uma sociedade engajada para a produção de bens e serviços, a característica predominante no tipo de representações e disposições sociais dos indivíduos era vinculada à “ética do trabalho”22 (BAUMAN, 2000b). Dessa forma, a procrastinação dos

prazeres individuais era fundamental para se pensar num projeto de vida vinculado ao enraizamento a um determinado tipo de trabalho, o qual se encaixava e possuía uma determinada função na arquitetura social (BAUMAN, 2001).

Contudo, em decorrência das reformulações políticas e econômicas impulsionadas pelo advento da globalização, ou mais especificamente pelo avanço e aceitação do modelo neoliberal, profundas transformações sociais são instauradas. As estruturas ou instituições responsáveis pela normatividade social nas diferentes instâncias da vida (trabalho, cultura, educação etc.) se liquefazem e, ao contrário da modernidade sólida em que eram remodeladas

22 Bauman (2000b, p. 17) sintetiza o significado da expressão “ética do trabalho” em duas premissas: “La primera premisa dice que, si se quiere conseguir lo necesario para vivir y ser feliz, hay que hacer algo que los demás consideren valioso y digno de un pago. Nada es gratis: se trata siempre de un quid pro quo, de un ‘doy algo para que me des’; es preciso dar primero para recibir después. La segunda premisa afirma que está mal, que es necio y moralmente dañino, conformarse con lo ya conseguido y quedarse con menos en lugar de buscar más; que es absurdo e irracional dejar de esforzarse después de haber alcanzado la satisfacción; que no es decoroso descansar, salvo para reunir fuerzas y seguir trabajando. Dicho de otro modo: trabajar es un valor en sí mismo, una actividad noble y jerarquizadora”.

com uma forma ainda mais sólida, se mantém líquidas e cambiantes à mercê da responsabilidade e da ação individual (BAUMAN, 2001). Essa remodelação política, cultural e econômica da arquitetura social implica no deslocamento dos papéis-sociais contemporâneos da “ética do trabalho” para a “estética do consumo” (BAUMAN, 2000a, 2000b, 2001, 2008).

Seguindo essa linha interpretativa, segundo Bauman (2008a), passamos de uma sociedade sólido-moderna, que poderia ser denominada de “sociedade de produtores”, para uma sociedade líquido-moderna, compreendida como uma “sociedade de consumidores”. É importante salientar que o termo “consumo” assume uma perspectiva mais ampla do que quando é contextualizado sob a ótica da esfera natural/biológica do indivíduo. Na reflexão de Bauman (2008, p. 41) o consumo assume uma conceituação referente à esfera macrossocial, tornando-se “[...] um tipo de arranjo social resultante da reciclagem de vontades, desejos e anseios humanos rotineiros, permanentes e, por assim dizer, ‘neutros quanto ao regime’, transformado-os na principal força propulsora e operativa da sociedade”.

O tipo de arranjo social da sociedade líquido-moderna impele aos indivíduos a necessidade permanente de se ressignificarem em um ambiente extremamente cambiante e volátil. Ao contrário da “sociedade de produtores” sólido-moderna em que características como a acumulação, o engajamento social e o adiamento dos prazeres individuais predominavam no tecido do imaginário social; a “sociedade de consumidores” líquido- moderna incita aos sujeitos seguirem as regras do mercado, ou seja, impele ao permanente descarte, privatização, individualismo e a busca do prazer instantâneo e episódico. Conforme Bauman (2001, 2002a), a política que antes poderia ser considerada “global” ou com “P” maiúsculo mas que, de certa forma, apagava o indivíduo, agora é considerada com “p” minúsculo e ocupa-se majoritariamente das políticas da vida, o que coloca todas as responsabilidades às custas do mérito individual (se você falhou, foi por culpa sua!).

Essas transformações da sociedade líquido-moderna são elementares no entendimento de Bauman sobre a educação. Em suas palavras “[...] a vida de consumo é uma vida de aprendizado rápido... e imediato esquecimento” (BAUMAN, 2011a, p. 151). O tipo de arranjo social consumista, acelerado, cambiante e emoldurado para a expansão do progresso econômico da sociedade líquido-moderna, difere profundamente do arranjo social de administração das identidades, de ordenamento social e acumulação da sociedade sólido- moderna, no qual foi formatado as instituições educacionais na modernidade. Frente as novas identidades moldadas pela esfera da “estética do consumo”, qualquer dimensão que vislumbre

52

um processo lento e gradativo é considerada uma tarefa inóspita pelos indivíduos ávidos pela novidade e pela vivência de diferentes possibilidades.

Para Bauman (2009b, 2011a, 2013a, 2013c, 2015b) a ideia de educação (bildung) planejada e arquitetada no princípio da modernidade sólida, possuía equivalências com a perspectiva educacional (ou de certo modo pretendia ser) da paideia grega. Isto é, apesar das crises que emergiam nos diferentes tempos históricos, a educação mantinha como seu principal objetivo a ideia da “educação para toda a vida”. Essa “promessa” educacional da durabilidade do conhecimento era parte essencial para que cada sujeito criasse uma espécie de “projeto de vida”, o que auxiliaria para que cada pessoa pudesse exercer um papel positivo no convívio social’, o que, consequentemente, contribuiria para a edificação de uma sociedade republicana e democrática.

Contudo, para Bauman (2009a, 2009b, 2010, 2011a, 2013c), a educação – no sentido amplo do termo, ou seja, institucionalizada e não-institucionaliza – enfrenta diante das metamorfoses sociais da modernidade líquida um desafio diferente das crises anteriores. O arranjo social líquido-moderno consumista e individualista, impulsionado pela globalização e pelo arranjo político neoliberal (voltado para a produção cultural do consumismo), não possui mais a intenção da valorização de características intrínsecas à ideia de educação para “toda a vida”.

Diante deste contexto, alguns dos fundamentos basilares da proposta educacional na modernidade – entre os quais: a memória, a atenção, o estudo aprofundado de uma temática, a densidade e fundamentação de um conceito, a descoberta gradual de conhecimentos (do simples para o complexo), a projeção da autonomia e da emancipação de todos os indivíduos das amarras metafísicas da Era Medieval – não fazem mais sentido, ou pelo menos, não são as prioridades para os indivíduos culturalmente inseridos e instituídos nos moldes da organização social globalizada e liquefeita. Essa nova condição, conforme definição de Costa (2011, p.132), ao interpretar a teoria de Bauman, “[...] significa reconhecer que uma das premissas universalmente aceitas, celebradas e difundidas acerca do valor durável da educação – “Ninguém poderá jamais tirar o que sabes” – caiu por terra.

A ordem (ou seria desordem?) cultural e política líquido-moderna se ancora na perspectiva da oferta massiva de informações e pelo permanente descarte e esquecimento destas. Nesse momento, a ambivalência com o desenvolvimento tecnológico e a preocupação com o novo tipo de indivíduo moldado na esfera deste arranjo social, são alvos das reflexões de Bauman. Por conseguinte, Bauman (2009b, p. 163) entende que

[...] o avassalador sentimento de crise sentido de igual forma pelos filósofos, teóricos e educadores, essa versão corrente do sentimento de “viver nas encruzilhadas”, a busca febril por uma nova autodefinição e, idealmente, também uma nova identidade, tem pouco a ver com as faltas, os erros e a negligência dos pedagogos profissionais, tampouco com os fracassos da teoria educacional. Estão relacionados com a dissolução universal das identidades, com a desregulamentação e a privatização dos processos de formação de identidade, com a dispersão das autoridades, a polifonia das mensagens de valor e a subseqüente fragmentação da vida que caracteriza o mundo em que vivemos.

É possível interpretar na leitura do autor, que a questão educacional é essencial para pensar as questões éticas e políticas, imprescindíveis para a edificação de um mundo-comum, justo e igualitário. Para tanto, pensar a educação em uma perspectiva crítica e reflexiva, pode se constituir como um importante elemento para o reconhecimento das ambivalências do contexto líquido-moderno, vislumbrando a continuidade dos pressupostos de uma sociedade democrática, pautada nas bases edificantes da modernidade – autonomia e emancipação. No entanto, o tom pessimista da reflexão de Bauman sobre a modernidade em sua fase líquida, perpassa pelo sentimento de uma sociedade que, em clara alusão à Cornelius Castoriadis “[...] deixou de se questionar” (BAUMAN, 2001, p. 30).

O envolvimento com a educação de uma maneira geral, isto é, a preocupação com a questão da política (o espaço da esfera pública) e da ética (no encontro com o Outro), vem se tornando vazio e sem sentido (já que não há um projeto de futuro, uma utopia) para as identidades instituídas na cultura de consumo líquido-moderna. Este cenário permite que oligarquias financeiras, empresariais e midiáticas ocupem o espaço educacional a serviço de benefícios privados, ou em outras palavras, para fins financeiros e instrumentais. Isto nos faz concordar com Castoriadis (1999, p. 82) ao interpretar que

[...] a população mergulha na privatização abandonando o domínio público às oligarquias burocráticas, empresariais e financeiras. Um novo tipo antropológico de indivíduo emerge, definido pela avidez, pela frustração, pelo conformismo

generalizado (o que, na esfera da cultura, denomina-se pomposamente pós-

modernismo). Tudo isso é materializado em estruturas pesadas: a corrida louca e potencialmente letal de uma tecnociência autonomizada, o onanismo consumista, televisual, publicitário, a autonomização da sociedade, a rápida obsolescência técnica e “moral” de todos os “produtos”, das “riquezas” que, crescendo sem cessar, se esvaem entre os dedos das mãos. O capitalismo parece ter enfim conseguido fabricar o tipo de indivíduo que lhe “corresponde”: perpetuamente distraído,

zapeando de uma “fruição” para a outra, sem memória e sem projeto, pronto a

responder a todas as solicitações de uma máquina econômica que, cada vez mais, destrói a biosfera do planeta para produzir ilusões denominadas mercadorias. Para Bauman, bem como como para Castoriadis, a crise da educação perpassa pelos próprios dilemas éticos e políticos da crise do capitalismo em sua fase tardia. De certa forma,

54

este é um dos grandes desafios educacionais que Bauman diagnostica na sociedade líquido- moderna. Os indivíduos não possuem mais “um projeto de vida” que perspective a construção de um mundo melhor, ou em outras palavras que fortaleça o bem-comum (que perfaça o envolvimento com as causas coletivas). Essa condição auxilia para que os indivíduos permaneçam a procura de momentos de felicidade cada vez mais episódicos e ambivalentes, desencaixados de um projeto macrossocial em que o encontro e respeito com o “outro” constitua a base para a convivência pautada em uma perspectiva democrática e republicana.

Nesse cenário, em que o espaço público está a cada dia mais abandonado, esvaziado, privatizado e acelerado, é que Bauman compreende a necessidade da educação se ressignificar e permanecer crítica. Os elementos da constituição sócio-cultural líquido-moderna, desafiam a ressignificação das tarefas e afazeres da educação. Essa ressignificação, não significa necessariamente reinventar as instituições educacionais ou as práticas pedagógicas, mas sim, com base na capacidade crítico-reflexiva dos sujeitos, reconhecer as ambivalências da formatação social líquido-moderna, fomentando a capacidade de percepção da necessidade envolvimento público para a permanente recriação da sociedade.

Em outras palavras o atual cenário líquido-moderno interpretado por Bauman, coloca para a educação o desafio da certificação autocrítica das dimensões sociais contemporâneas. Ou seja, por um lado, há a necessidade em ampliar o olhar para o presente e intensificar o sentimento de valorização dos novos elementos linguísticos que emergem com o reconhecimento e a valorização da pluralidade e complexidade das identidades – em especial do reconhecimento das juventudes. Por outro lado, necessita olhar para o passado, não esquecendo dos fundamentos elementares de qualquer processo de intervenção pedagógica, ou seja, auxiliando para a formação e constituição de indivíduos com autonomia para deliberar e ocupar os diferentes espaços públicos da sociedade. Isso sem esquecer que esses indivíduos necessitam tomar consciência que estão se inserindo em se um mundo já em movimento, com acordos políticos e éticos já instituídos, mas que permanente devem passar pelo crivo da intersubjetividade.

Essa argumentação fortalece o sentimento da necessidade dos docentes-profissionais tornarem-se intérpretes dos novos tempos (nas variadas temáticas que emergem) para as diferentes gerações que estão e serão inseridas na sociedade. Uma organização social, é importante enfatizar, que não perspectiva mais a ordenação imutável (sólida), mas que admite e incita as mudanças e incertezas (líquida). Nesse sentido, Gauthier e Tardif (2010) fortalecem o entendimento estabelecido por Betti (2009), Bracht (1997, 2003), Lovisolo (1995) em

relação à identidade do papel do docente-profissional de Educação Física (ou de maneira ampliada, o papel dos docentes em geral) como um “[...] profissional da intervenção

pedagógica” (GAUTHIER; TARDIF, 2010, p. 481). Seguindo essa linha interpretativa, os

autores argumentam que

Esse profissional, munido de certos saberes e enfrentando a situação complexa, sabe que não pode aplicar automaticamente esses saberes; deve assim deliberar, refletir sobre essa situação e decidir. [...] Não pode basear-se na ordem de um plano divino, nem ser um cientista da pedagogia, que aplica maquinalmente as suas leis. Pelo contrário, diante dos imprevistos de uma situação, deve refletir, julgar o que fazer e depois decidir, mesmo que tenha de modificar seus planos mais tarde e adaptar a sua ação às circunstâncias presentes. A ordem pedagógica não é mais dada, como em uma abordagem da pedagogia nova; é preciso construí-la (GAUTHIER; TARDIF, 2010, p. 481).

O termo “construir” mencionado na argumentação de Gauthier e Tardif para definir a ordem pedagógica contemporânea, expressa a amplitude do desafio da educação em tempos líquido-modernos. Outrossim, é possível compreender que a preocupação de Bauman sobre o atual “lugar” da educação se assemelha – apesar de suas particularidades conceituais – com as perspectivas de Arendt (2013) e de Castoriadis (1999) e Savater (2012). Essa aproximação se evidencia quando Bauman e Donskis (2014, p. 171) afirmam que a principal missão da educação foi e, em sua visão, continuará a ser “[...] a preparação de recém-chegados à sociedade para a vida social na qual estão se qualificando a fim de nela ingressar”. Esse pensamento define a sua preocupação com a necessidade de apresentar as construções históricas e as ambivalências presentes ao longo da linha do tempo da civilização, objetivando inserir as novas gerações na vida pública e no contato com os outros, em mundo antigo instituído e que precisa constantemente de indivíduos capazes de instituir uma nova sociedade. Em outras palavras, cabe a educação o desafio de através da intervenção pedagógica dos docentes, auxiliar para a “construção”, “reconstrução” e “criação” do mundo em que vivemos.

Interpretamos que a leitura de Bauman sobre os aspectos educacionais na transição da modernidade sólida para a modernidade líquida, não tem a pretensão de encontrar respostas ou soluções pedagógicas para a crise educacional na sociedade líquido-moderna. Além do mais, qualquer tentativa de prescrição de uma tendência pedagógica a ser seguida ou pretensão de verdade metafísica, contradiz o pensamento crítico pretendido pelo autor. Esta construção deve ser realizada através da ação política na interação intersubjetiva das diferentes “vozes” que constituem o debate educacional, especialmente exercendo a capacidade de reflexividade frente aos diferentes discursos que permearão o debate da

56

formação humana. Essa necessidade das sociedades democráticas, pode ser visualizada nas palavras de Bauman (2012, p. 28), quando faz alusão direta à Castoriadis, ao interpretar a democracia moderna

[...] como um “regime de reflexividade e autolimitação”, como uma sociedade que sabe, deve saber, que não tem significação garantida, que vive sobre o caos, que ela própria é o caos que precisa dar a si mesmo uma forma, forma esta que não pode ser estabelecida de uma vez por todas.

Essa condição desafia aos docentes a exercerem a capacidade reflexiva frente aos saberes sociais ainda mais mutantes da contemporaneidade. Se no contexto social administrado da modernidade sólida reinava a figura de um intelectual capaz de indicar o caminho correto a seguir para o progresso da sociedade, na modernidade líquida, é fundamental (para não dizer emergencial) que todos os sujeitos situados nas diferentes esferas educacionais se compreendam como intelectuais e participem do debate e da edificação das formas de pensar do conhecimento, constituindo-se em interpretes da herança social, cultural e histórica da humanidade para as novas gerações que estão se inserindo e serão (ou deverão ser) instituintes do mundo.

A leitura de Bauman agrega importantes elementos para pensar os desafios da constituição da intervenção pedagógica em Educação Física em tempos líquidos. Do mesmo modo, demonstra elementos que atravessaram as concepções da identidade da Educação Física (metamorfoses da sociedade, edificação do conhecimento e instauração das instituições educacionais) discutidas no primeiro capítulo. Assim sendo, a própria constituição da área, foi influenciada pela constituição política, cultural e econômica predominantes nos diferentes momentos da modernidade. Como bem expressa Fensterseifer (2001), a crise da Educação Física é advinda da própria crise da modernidade e do reconhecimento de suas ilusões e ambivalências.

O reconhecimento de Bauman da transformação de uma sociedade de produtores para uma sociedade de consumidores, diagnostica elementos marcadores das metamorfoses nas formas de compreensão do imaginário do corpo. Essa contextualização nos faz pensar de que maneira essa alteração na política, que passou da ênfase da “ética do trabalho” para a ênfase na estética do consumo, influência e modifica para a instauração de um novo imaginário corporal na constituição das identidades? Quais são os possíveis elementos que marcam essa alteração? E ainda, quais os desdobramentos e desafios desse novo modelo sócio-cultural para

a intervenção pedagógica da educação e especialmente na especificidade da Educação Física? São essas questões que guiam a discussão do próximo capítulo.

3 AS POLÍTICAS DO CORPO E OS DESAFIOS SOCIAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA