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Educação e políticas do corpo na modernidade líquida: Desafios sociais da educação física

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

DANIEL BARDINI DÜRKS

EDUCAÇÃO E POLÍTICAS DO CORPO NA MODERNIDADE LÍQUIDA: DESAFIOS SOCIAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Ijuí (RS) 2016

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DANIEL BARDINI DÜRKS

EDUCAÇÃO E POLÍTICAS DO CORPO NA MODERNIDADE LÍQUIDA: DESAFIOS SOCIAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Linha de pesquisa: Teorias pedagógicas e dimensões éticas e políticas da educação.

Orientador: Prof. Dr. Sidinei Pithan da Silva

Ijuí (RS) 2016

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D963e Dürks, Daniel Bardini.

Educação e políticas do corpo na modernidade líquida: desafios sociais da educação física / Daniel Bardini Dürks. – Ijuí, 2016.

93 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí e Santa Rosa). Educação nas Ciências.

“Orientador: Sidnei Pithan da Silva”.

1. Educação física. 2. Políticas do corpo. 3. Modernidade sólida. 4. Modernidade líquida. 5. Educação. I. Silva, Sidnei Pithan da. II. Título. III. Título: Desafios sociais da educação física.

CDU: 37:796

796:37

Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais Nelson e Marlene por tudo que fizeram em minha vida, especialmente pelo incondicional apoio em meu processo de formação. Agradeço pela insistência e “puxões de orelha”, mostrando-me a necessidade do comprometimento, da ética e da educação.

Agradeço ao meu irmão Rogério que, mesmo sem ter a intenção, me incentivou a buscar a formação em Educação Física.

Agradeço à Natália Horst, pelo companheirismo, carinho e incentivo. Sua paciência e seu afeto foram essenciais para a conclusão desta etapa em minha formação, além de alavancar o meu ânimo para buscar novas etapas.

Agradeço ao professor Sidinei Pithan da Silva. É quase impossível resumir em algumas palavras toda a sua importância em minha formação pessoal, acadêmica e profissional. Mais do que me inserir na pesquisa, mostrou-me a importância da leitura, do aprofundamento conceitual, da ética e do comprometimento com o campo educacional. A ele, saliento meu reconhecimento e meu profundo agradecimento por sua amizade, seriedade e comprometimento.

Agradeço ao professor Paulo Evaldo Fensterseifer por aceitar participar de todo o processo de qualificação e construção de minha dissertação. Necessito mencionar a sua importância em minha formação, seja na participação em suas aulas, na leitura de seus escritos ou simplesmente (e não menos importante!) nas conversas informais. Fica aqui meu reconhecimento e admiração, que inspira profundamente minha constituição profissional.

Agradeço a professora Maria Simone Vione Schwengber pela atenção dedicada desde a fase de qualificação do projeto de pesquisa. A seriedade e perspicácia de sua leitura possibilitou diferentes “caminhos” para a pesquisa. Muitas das perguntas que guiam este estudo, emergiram de suas reflexões, sugestões e orientações.

Agradeço ao professor Mauro Myskiw por ter aceito participar deste importante momento de minha vida. Sua leitura minuciosa e considerações tecidas na banca foram fundamentais para refletir sobre esta pesquisa e para fomentar novas questões para futuros estudos.

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Agradeço ao professor Fernando Jaime González. Lembro-me de seu apoio, ainda no início de minha graduação, e de suas palavras, que ainda ressoam em minha memória, incentivando-me a aprofundar meus estudos. Certamente, sem seu apoio e suas palavras, não teria chegado até aqui. Além do mais, nossas conversas no mestrado foram fundamentais para gerar dúvidas e reflexões acerca da temática desta pesquisa. Enfim, fica aqui o meu reconhecimento e agradecimento por ser parte de minha constituição acadêmica.

Um agradecimento especial a todos os docentes do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ. Em especial aos professores Celso José Martinazzo, José Pedro Boufleuer, Paulo Rudi Schneider e Paulo Alfredo Schönardie, os quais, com suas aulas ou momentos de diálogos, agregaram importantes elementos para minha formação.

Agradeço as secretárias do Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências, Carmen, Lígia, Laura e Thaís pelo auxilio e atenção frente as inúmeras dúvidas surgidas ao longo do mestrado.

Agradeço a todos os colegas do curso de mestrado, os quais foram essenciais para tornar este percurso ainda mais memorável. Seja nas reflexões expostas nas aulas, nas conversas nos “corredores” do campus ou até mesmo no compartilhamento das angústias que surgiam, os diferentes momentos de diálogo travados ao longo da convivência foram fundamentais para a construção deste percurso em minha vida.

Por fim, e não menos importante, agradeço ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq – pelo apoio financeiro concedido para a concretização desta pesquisa.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo principal compreender de que modo a constituição social e histórica da modernidade líquida, conforme prefigura Zygmunt Bauman, influencia na educação corporal e nas políticas do corpo, analisando os possíveis desafios sociais da Educação Física neste contexto. Para tanto, parte da conceituação da Educação Física como uma prática social de intervenção pedagógica que, com base em conceitos científicos de diferentes áreas e disciplinas, tematiza a cultura corporal de movimento. Ao compreender a Educação Física sob uma perspectiva sócio-cultural, que necessita permanentemente ressignificar sua identidade epistemológica e a sua legitimidade social, entende-se a pertinência de fomentar o diálogo referente à constituição das estruturas e dimensões que determinam o imaginário social em diferentes momentos sociais e históricos. Dessa forma, este estudo utiliza as elaborações do sociólogo Zygmunt Bauman para discutir as metamorfoses do campo epistemológico da Educação Física neste movimento de transformações sociais, denominadas pelo autor como a transição da modernidade de um estado sólido para um estado líquido. O diálogo com Bauman se ocupa em analisar, especialmente, os conceitos de educação e de políticas do corpo, os quais são considerados essenciais para pensar as práticas sociais da intervenção pedagógica em Educação Física. Neste viés, inicialmente, compreende-se alguns dos elementos do processo de constituição da identidade epistemológica da Educação Física brasileira ao longo do movimento social-histórico do século XX e início do século XXI. Posteriormente, a análise procura dialogar em relação aos desdobramentos da dinâmica sócio-cultural da modernidade líquida, marcada pela efemeridade e volatilidade de suas estruturas e instituições, com a edificação do imaginário relacionado à educação e às políticas do corpo. Ao pensar a educação, compreende-se, a partir da leitura de Bauman, que a dinâmica macrossocial líquido-moderna acelerada, volátil e incerta, desencadeia metamorfoses na edificação do conhecimento e na estruturação das instituições educacionais, ocasionando desafios na tarefa educacional de apresentar e inserir as novas gerações no convívio social. Ao pensar as políticas do corpo, Bauman interpreta que na modernidade sólida as políticas de “administração social” direcionavam a edificação de uma “sociedade de produtores”, o que em consequência, marcava a constituição identitária dos sujeitos, salientando a conformidade com as representações e imaginários de corpo proeminentes nos diferentes contextos. Já na modernidade líquida, as políticas marcadas pelo advento da globalização, potencializam a permanente busca pelas diferentes sensações e prazeres. Em outras palavras, o elemento que marca a organização social líquido-moderna é a “estética do consumo”. É importante salientar que constantemente a discussão das temáticas expostas é entrelaçada com os elementos específicos da intervenção pedagógica da Educação Física. Por conseguinte, destaca-se a necessidade da Educação Física manter a criticidade e a reflexividade, ressaltando a complexidade do conhecimento em um ambiente marcado pela ambivalência em suas dimensões sociais. Outrossim, salienta-se o desafio do campo de intervenção da Educação Física em ser um intérprete das diferentes possibilidades que emergem na cultura corporal de movimento, evitando “vender ilusões”, mas fortalecendo a capacidade reflexiva para os sujeitos tornarem-se instituintes de suas práticas corporais e cuidados de si, bem como preocuparem-se com a participação na construção coletiva dos rumos da sociedade, ou seja, com a política.

Palavras-chave: Educação Física. Políticas do corpo. Modernidade sólida. Modernidade

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EDUCATION AND POLITICS OF THE BODY IN THE LIQUID MODERNITY: SOCIAL CHALLENGES IN THE PHYSICAL EDUCATION

ABSTRACT

This research aims to understand how the social-historical constitution of the liquid modernity marks/influence the education and the politics of the body, comparing it to the possible social challenges in the Physical Education. For this, it starts giving a concept to the Physical Education as a social practice of pedagogical intervention that thematises the corporal movement culture, based in scientific concepts from different areas and subjects. Understanding Physical Education under a social-cultural perspective that permanently needs to reaffirm its epistemological identity and its social legitimacy, knowing the pertinence to foment the dialogue referent to the constitution of the structures and dimensions that determine the social imaginary in different circumstances of the social-historical movement. In this way, this research utilizes the elaborations of the sociologist Zygmunt Bauman to discuss the metamorphosis of the epistemological field of the Physical Education in this movement of social transformations, nominated by the author as the transition of the modernity from a solid state to a liquid state. The dialogues with Bauman’s theorizations are focused specially on analysis, the concepts of the education and the politics of the body, as they are considered essentials when thinking about the social practices of the pedagogical intervention in Physical Education. Initially in this bias is understood some of the elements in the epistemological identity constitution process of the Brazilian Physical Education during the social-historical movement of the 20th century. Afterwards, the analysis discuss the

social-cultural dynamic deployment of the liquid modernity, marked by the frailty and volatility in its structures and institutions, with the edification of the imaginary related to the education and the politics of the body. The education in Bauman’s opinion suggests that the liquid-modern dynamic macrosocial accelerated, volatile and uncertain, triggers metamorphosis in the edification of the knowledge and in the organization of the educational institutions, challenging the educational assignment of introducing and inserting the new generation to socializing. When thinking about the politics of the body, Bauman interprets that in the solid modernity the politics of the “social administration” directed the edification of a “society of producers” and, in consequence, marked the people identity constitution, determining the conformity with the representations and imaginaries of the body prominent in different contexts. In the liquid modernity, the politics marked by the globalization advent, potentiate the permanent pursue for the different sensations and pleasures. In other words, the element that marks the liquid-modern social organization is the “consumer aesthetics”. It is important to point that constantly the discussion of the themes exposed is interlaced with the specific elements of the pedagogical intervention of Physical Education. Consequently, stands out the necessity of the Physical Education to maintain the criticality and the reflexivity, highlighting the complexity of the knowledge in an environment marked by the ambivalence in its social dimensions. Furthermore, stresses a challenge to the intervention of the Physical Education field in being an interpreter of the different possibilities that emerge in the corporal culture of movement, avoiding “selling illusions”, but strengthening the reflexive capacity for people to become institutive of their own corporal practices and care of themselves, as well as to worry with the collective construction of the society.

Key words: Physical Education. Politics of the body. Solid modernity. Liquid modernity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9 1 EDUCAÇÃO FÍSICA, METAMORFOSES SOCIAIS E A IDENTIDADE DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA ... 18 2 A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO SOCIAL DA MODERNIDADE LÍQUIDA... 26 2.1 O PROJETO SOCIAL DA MODERNIDADE: DA SOLIDEZ À LIQUIDEZ ... 26 2.2 O CONHECIMENTO NA MODERNIDADE: A INEVITABILIDADE DA AMBIVALÊNCIA ... 35 2.3 A EMERGÊNCIA DA EDUCAÇÃO NA MODERNIDADE: AS INSTITUIÇÕES EDUCACIONAIS, OS INTELECTUAIS E O FAZER DOCENTE ... 43 2.4 OS DESAFIOS EDUCACIONAIS NA MODERNIDADE LÍQUIDA ... 49 3 AS POLÍTICAS DO CORPO E OS DESAFIOS SOCIAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA NA CONTEMPORANEIDADE: DO “CORPO PRODUTOR” AO “CORPO CONSUMIDOR” .... 58 3.1 O “CORPO PRODUTOR” DA MODERNIDADE SÓLIDA ... 59 3.2 O “CORPO CONSUMIDOR” DA MODERNIDADE LÍQUIDA ... 66 3.3 DESAFIOS SOCIAIS DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA NA MODERNIDADE LÍQUIDA ... 72 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 86

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INTRODUÇÃO

A Educação Física brasileira no final do século XX (especialmente nas décadas de 1980 e 1990) passou por um período de crise em suas instâncias políticas, epistemológicas e pedagógicas. A emergência desta crise1 refletia a necessidade de uma virada ideológica e

epistemológica da área, até então compreendida estritamente com as bases conceituais das “[...] áreas bioanatomofisiológicas com fortes matizes positivistas” (GONZÁLEZ; FENSTERSEIFER, 2014, p. 23). A partir deste movimento, compreendendo a grosso modo, a Educação Física começou a incorporar em sua identidade um volume cada vez maior de referenciais teóricos oriundos de disciplinas das ciências humanas, dialogando assim, com diferentes perspectivas antropológicas, filosóficas e sociológicas.

É possível compreender que na atualidade há um certo consenso acadêmico (mesmo que frágil) na caracterização da Educação Física como uma prática social de intervenção pedagógica, a qual opera com conceitos científicos de outras áreas e disciplinas, possuindo como objeto de estudo a cultura corporal de movimento2 (BETTI, 2009; BRACHT, 2003;

GALVÃO; RODRIGUES; SANCHES NETO, 2011; LOVISOLO, 1995; REZER, 2014). Nesta perspectiva, salientamos a interpretação de Bracht e Crisório (2003, p. 08), na conceituação de que o campo da Educação Física “[...] é uma construção socioistórica, em última instância, política, portanto não há identidade a ser descoberta, e sim, possibilidades de construção de sentidos, as quais são condicionadas socioculturalmente”.

Essa assertiva pode ser visualizada na inter-relação do movimento social-histórico com a constituição do universo simbólico da área (BRACHT, 2003). Se analisarmos as diferentes identidades que caracterizaram a Educação Física ao longo do século XX, observamos a influência do contexto macrossocial na dimensão de sua legitimidade social.

1 Inclusive, em 1985, João Paulo Medina escreve um ensaio proclamando que a Educação Física precisava entrar em crise. Compreendia ele, naquele momento, que “a crise é um instante decisivo, que traz à tona praticamente todas as anomalias que perturbam um organismo, uma instituição, um grupo ou mesmo uma pessoa. E esse é o momento crucial em que se exigem decisões e providências rápidas e sábias, se é que pretendemos debelar o mal que nos aflige. Muitas vezes, por trás de certas situações de aparente normalidade, escondem-se as mais variadas distorções ou patologias, que, em virtude daquela aparência, não são colocadas em questão” (MEDINA, 2011, p. 23).

2 Segundo Betti (2014, p. 239): “Por cultura corporal de movimento entende-se as formas culturais que se vêm historicamente produzindo, nos planos material e simbólico, mediante a exercitação intencionada e sistemática da motricidade humana”.

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Dessa forma, a Educação Física assumiu como base para sua intervenção pedagógica perspectivas ligadas ao higienismo, ao militarismo e ao esportivismo (CASTELLANI FILHO, 2013). Essas perspectivas abordavam práticas e conceitos referentes às formas de pensar a educação e ao imaginário de corpo, engendradas com bases sociais e científicas que determinavam a formatação das estruturas e das instituições no tempo social-histórico em que estavam inseridas.

Retomando o movimento das décadas de 1980 e 1990, a reflexão proposta em torno da identidade epistemológica da Educação Física possibilitou a abertura da área para diferentes perspectivas3, o que ampliou o horizonte interpretativo em relação à sua função social na

intervenção pedagógica na cultura corporal de movimento. Compreendemos que este movimento, apesar de gerar inevitáveis crises, foi fundamental para instaurar a criticidade do debate acadêmico frente aos diferentes elementos que constituem o campo, entre os quais, destacamos nesta pesquisa, o debate relacionado à compreensão do termo “corpo” quando contextualizado na dimensão educacional sob a perspectiva da aprendizagem social.

Nesta linha interpretativa, o avanço do debate relativo às bases conceituais para pensar a Educação Física, auxiliou para a superação do limite imposto pela compreensão do imaginário de corpo predominante nas ciências biológicas de matizes positivistas. Isso porque o corpo, que até então era reconhecido como uma “máquina passível de ser conhecida no seu funcionamento pelo método científico e, portanto, controlado e/ou aperfeiçoada” (BRACHT, 2001, p. 71), passa a ser compreendido como uma construção imaginária, inserida em um universo sócio-cultural mutante e influenciado pelo tempo histórico em que é (foi ou será) contextualizado.

Sant’Anna (1995, p. 12) define o corpo como uma “[...] palavra polissêmica, uma realidade multifacetada e, sobretudo, um objeto histórico”. A definição da autora parece convergir com a assertiva de Bracht e Crisório (2003) em relação a constituição sócio-cultural do imaginário de corpo, em que os autores argumentam a profunda influência do contexto político nos sentidos atribuídos às suas interfaces. Neste viés, Sant’Anna (1995, p. 12) compreende a relação do corpo com o universo sócio-cultural da seguinte maneira:

Memória mutante das leis e dos códigos de cada cultura, registro das soluções e dos limites científicos e tecnológicos de cada época, o corpo não cessa de ser

3 Destacamos algumas destas perspectivas que fomentaram o debate relacionado à identidade da área nas diferentes esferas de atuação: Betti (2009); Bracht (1997); Coletivo de Autores (1992); Fensterseifer (2001) Kunz (2001); Lovisolo (1995); Santin (2003).

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(re)fabricado ao longo do tempo. Seria, portanto, empobrecedor analisa-lo tomando-o ctomando-omtomando-o algtomando-o já prtomando-onttomando-o e ctomando-onstituídtomando-o para, em seguida, privilegiar suas representações ou o imaginário da época onde ele está submerso. [...] Pois o corpo é, ele próprio, um processo. Resultado provisório das convergências entre técnica e sociedade, sentimentos e objetos, ele pertence menos à natureza do que à história.

A interpretação de Sant’Anna (idem) em relação ao corpo, configura elementos que possuem confluências com as perspectivas de Betti (2009), Bracht (1999, 2003) e Lovisolo (1995), no sentido de compreender a constituição das formas-de-ser da Educação Física com a própria constituição do imaginário de corpo, instituída socialmente e culturalmente. As conceituações referidas englobam elementos filosóficos, sociológicos e antropológicos que evidenciam, especialmente, a necessidade de compreender a inter-relação entre o corpo, a cultura e a educação com as metamorfoses sociais que se desdobram em diferentes dimensões, as quais afetam e contribuem para constituir as representações e os sentidos atribuídos a esses elementos.

A abertura da identidade epistemológica da Educação Física para as demais ciências (em especial as ciências humanas), fomentou a necessidade de reinterpretar os elementos que marcam a intervenção pedagógica da área. Ao referenciarmos a Educação Física como uma prática social de intervenção pedagógica, em que o “olhar” para o corpo sob a ótica cultural pode ser considerado como um dos principais (se não o principal) objeto de estudo da área, entendemos ser imprescindível a constante reflexão em relação aos aspectos mutantes de sua compreensão no movimento social-histórico. Para realizar este exercício compreensivo, interpretamos ser pertinente que o debate se abra para a análise de diferentes teorizações que proponham o movimento de reflexão em relação à constituição das estruturas e dimensões sociais na contemporaneidade.

Partindo desta compreensão, um dos autores que pode nos auxiliar a pensar o atual momento social-histórico, e que cada vez mais vem sendo incorporado no debate educacional brasileiro, é o sociólogo Zygmunt Bauman. Apesar de ainda não haver uma tradição sistemática de estudos no Brasil4, é possível observar um movimento de aprofundamento e

discussão de suas obras para pensar a educação (e consequentemente a Educação Física). Isso fica evidente ao notarmos um volume crescente de livros que buscam aprofundar temáticas específicas das obras de Bauman (ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009; BRACHT; ALMEIDA, 2006; COSTA, 2009; OLIVEIRA, 2014), além de um volume considerável de

4 Apesar de ser um sociólogo com uma longa trajetória acadêmica, é possível afirmar que Bauman ganha notoriedade internacional após seus escritos em Modernidade Líquida. No Brasil, a tradução tardia de suas obras, e o potencial de seu diagnóstico referente a metáfora da liquidez para definir a contemporaneidade, ocasiona que o alcance de sua teoria ganhe corpo no início dos anos 2000.

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teses (GOMES, 2008; MATOS, 2015), dissertações (BARÔNIO, 2015; ZORZO, 2015) e artigos (ALMEIDA; BRACHT, 2010; BRACHT, 2011; BRACHT; GOMES; ALMEIDA, 2014; CAMOZZATO, 2015; SILVA, 2012a, 2012b)5 que utilizam como marco conceitual a

arquitetura teórica do autor.

O interesse em aprofundar as reflexões a partir dos escritos de Bauman, é parte de minha iniciação na pesquisa. Ainda durante minha graduação em Educação Física na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, tive a possibilidade de ser orientado pelo professor Dr. Sidinei Pithan da Silva em minha iniciação científica, momento em que fui contemplado com uma bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Nesta oportunidade, iniciei meus estudos nas obras de Bauman, sempre dialogando com questões relacionadas às especificidades da Educação Física, na tentativa de compreensão de imaginários sociais diagnosticados por Bauman ao longo do percurso social-histórico da modernidade. Esse momento, além de despertar interrogações, parte delas presentes nessa pesquisa, possibilitou a realização de estudos (DÜRKS; SILVA, 2011, 2012, 2013, 2014, 2015) que são parte do desenvolvimento das elaborações que serão expostas e discutidas nesta dissertação.

De maneira ampla, em sua teoria sociológica, Bauman (2001) faz uso das metáforas dos sólidos e dos líquidos para definir o processo de transição/continuidade da modernidade. Para o autor, ao se posicionar no debate modernidade/pós-modernidade, ainda estamos na modernidade, no entanto em um momento diferente, em que as suas bases sólidas (políticas e existenciais) perdem força e são substituídas por dimensões mutáveis e líquidas, capazes de transformarem-se e adaptarem-se constantemente aos diferentes contextos contemporâneos.

A dialética da modernidade sólida/modernidade líquida permite à Bauman discorrer sobre as metamorfoses sociais, em que as inúmeras facetas da relação entre sociedade e indivíduo são diagnosticadas, problematizadas e interpretadas permanentemente em seus escritos. Este momento é denominado como a fase mosaica6 do pensamento do autor

(ALMEIDA; GOMES; BRACHT, 2009). Nesta fase, Bauman enfatiza, problematiza e

5 As pesquisas citadas são apenas exemplificações do crescente aprofundamento teórico/conceitual referente aos escritos de Bauman. É importante salientar que estes estudos são desenvolvidos por pesquisadores de diferentes instituições de ensino superior brasileiras, o que demonstra o crescente interesse pelos conceitos do autor. 6 Segundo Almeida, Gomes e Bracht (2009) a fase mosaica do pensamento de Bauman é composta por escritos posteriores à década de 1980. Constituem essa fase, “o conjunto de livros e análises sobre os mais variados tópicos da modernidade líquida (globalização, comunidade, identidade, fragilidade dos laços humanos, refugiados, consumo, etc.) compõe, para Tester (2004) a atual fase mosaica da escrita de Bauman” (idem, p. 11). Essa fase do pensamento do autor sucedeu a chamada fase marxista predominante em sua produção das décadas de 1960 e 1970 (ibidem).

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interpreta as transformações sociais – as quais são consideradas líquidas – que são determinantes para impossibilitar a sedimentação de bases sólidas e “duráveis” tanto nas esferas públicas (estruturas e instituições), como nas esferas privadas (subjetividade e identidade).

Acreditamos que o diagnóstico e as reflexões de Bauman em relação às metamorfoses da sociedade, definidas por ele como líquidas, pode nos auxiliar na reflexão de dois elementos/conceitos fundamentais para compreender a prática social da intervenção pedagógica da Educação Física: a educação e as políticas do corpo. Ao se dirigir à educação, Bauman aponta que o sentimento de crise educacional na contemporaneidade, é mais um dos elementos influenciados pela constituição líquida das estruturas sociais. Se em uma fase sólida, o projeto social da modernidade equivalia-se à uma “sociedade administrada”, especialmente pelo controle do tempo e do espaço efetuado, sobretudo, pelas políticas do Estado-nação; na fase líquida, as diferentes facetas sociais se tornam voláteis, sendo influenciadas, fundamentalmente, pelo processo de globalização, em que o “mercado de consumo” assume grande influência na normatização das estruturas sociais.

Essa descontinuidade de projetos resulta em influências na edificação do conhecimento e na constituição das instituições e das identidades, determinando um descompasso entre a educação planejada para um ambiente social regular e ordenado (sólido), e o contexto inseguro, desordenado e acelerado contemporâneo (líquido). Outrossim, as políticas são afetadas pelas novas formas-de-ser das estruturas sociais, o que por consequência, geram metamorfoses constantes nas concepções sócio-culturais relacionadas ao entendimento dos elementos e representações que marcam o imaginário de corpo.

Dessa forma, a problemática que este estudo se propõe a refletir é guiada pelos seguintes questionamentos: de que modo a constituição sócio-cultural da modernidade líquida marca/influência a educação e as políticas do corpo? Quais são os possíveis desafios sociais da intervenção pedagógica na Educação Física em tempos líquidos? Para discutirmos em relação a estes questionamentos, optamos pela mediação entre a perspectiva sociológica de Bauman, mais especificamente da fase mosaica de seus escritos, e o debate que vem sendo proposto na especificidade da Educação Física para pensar nas dimensões de sua intervenção pedagógica na contemporaneidade. Portanto, ao levantarmos elementos advindos do diagnóstico sociológico de Bauman pretendemos contribuir para o debate da Educação Física, interpretando assim, alguns dos desafios educacionais da área em tempos de modernidade líquida. No entanto, é importante salientar, que a perspectiva de Bauman em relação às

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metamorfoses sociais é uma das interpretações possíveis em um universo de proposições advindas das ciências humanas. Neste viés, não pretendemos tomar a análise social de Bauman como a “verdade absoluta”, porém, compreendemos que ao revisar e debater dimensões de sua teoria, possamos agregar elementos reflexivos para a discussão dos desafios e dos sentidos da intervenção pedagógica em Educação Física na contemporaneidade.

Para tanto, no primeiro capítulo, nos posicionamos e realizamos alguns apontamentos em relação à compreensão e conceituação da Educação Física. Neste movimento, o reconhecimento da Educação Física como uma prática social de intervenção pedagógica que lida com a cultura corporal de movimento, nos faz refletir em relação ao entrelaçamento entre a Educação Física, as metamorfoses da sociedade e as bases do conhecimento que legitimaram e legitimam o campo de intervenção da área. Esses apontamentos permitem perceber os desdobramentos que o debate crítico-reflexivo relativo à identidade da área agregou para discutir os aspectos políticos, epistemológicos e culturais resultantes das formas de pensar e agir de um tempo social-histórico. Formas de pensar, que por sinal, influenciaram profundamente nas formas de compreensão da educação e do imaginário de corpo instituído socialmente nos diferentes tempos históricos.

No segundo capítulo, expomos e analisamos os elementos diagnosticados e refletidos por Bauman em relação às metamorfoses sociais, as quais desencadeiam novos elementos e desafios relacionados aos aspectos educacionais na sociedade líquido-moderna. Buscamos compreender, a partir dos escritos de Bauman, elementos para pensar a edificação do conhecimento na modernidade, bem como a maneira com que as instituições educacionais foram propostas para expandir uma nova forma de pensar, um novo paradigma. Esse exercício inicial tem a intenção de fornecer elementos reflexivos para pensar a seguinte questão: quais são os desafios da educação (física) em tempos líquido-modernos?

Nesse momento, é fundamental adentrarmos aos elementos gerais da leitura sociológica da modernidade proposta por Bauman, perpassando pela compreensão das metáforas da solidez e da liquidez. É a partir destes tipos ideais7 que o autor arquiteta seu

7 Bauman faz uso de diferentes metáforas ao longo de sua leitura sociológica. Essas metáforas são parte do que o autor, utilizando o método de análise de Max Weber, menciona como “tipos ideais”. Conforme Bauman (2008, p. 39-40) os tipos ideais são “[...] abstrações que tentam apreender a singularidade de uma configuração composta de ingredientes que não são absolutamente singulares, e que separam os padrões definidores dessa configuração da multiplicidade de aspectos que a configuração em questão compartilha com as outras. [...] Como sugeriu Weber, os ‘tipos ideias’ (se construídos de maneira adequada) são ferramentas cognitivas úteis, e também indispensáveis, ainda que (ou talvez porque) iluminem deliberadamente certos aspectos da realidade social descrita enquanto deixam na sombra outros aspectos considerados de menor ou escassa relevância para os traços essenciais e necessários de uma forma devida particular. ‘Tipos ideais’ não são descrições da realidade,

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arcabouço teórico para analisar as bases determinantes da realidade social contemporânea e, consequentemente, para diagnosticar tais influências no contexto educacional. Para evitar incorrer na simplificação da extração de uma categoria específica – neste caso, em relação aos escritos que o autor faz sobre a educação – do pensamento de Bauman, o capítulo é organizado em quatro momentos.

Inicialmente, concentramos o esforço compreensivo na análise macrossociológica que Bauman faz em relação à constituição dos fundamentos da modernidade. Partimos da menção à inflexão do pensamento do autor em relação à denominação modernidade/pós-modernidade, ao compreender que os fundamentos da modernidade passaram de um período de solidez para um período de liquidez. Com isso, é possível situar a posição epistemológica do autor no debate sobre a ruptura ou a continuidade dos elementos fundantes e constituintes da modernidade.

No segundo tópico, centramos a análise na compreensão dos elementos que edificaram os pilares do conhecimento na modernidade. Então, após situar a posição de Bauman no debate modernidade/pós-modernidade, aprofundamos o estudo na análise dos conceitos de ordem e ambivalência, os quais configuram importantes chaves de leitura para a compreensão dos elementos educacionais do período moderno. A dialética ordem/desordem (caos) é utilizada pelo autor para compreender os desdobramentos que a busca pela perfeição dos novos sólidos ocasionou para as diferentes facetas sociais. A perfeição, ordem e pureza pretendida pela normatividade de uma “sociedade administrada” ocasionou o seu efeito colateral, ou seja, a ambivalência. Quanto mais a engenharia social buscou a perfeição das estruturas com base no ordenamento coercitivo, maior foi a ambivalência gerada pelas novas classes linguísticas criadas. Esse paradoxo enreda a edificação do conhecimento na modernidade, mostrando que o conhecimento passou de um contexto em que se buscava a simplificação, para um contexto que necessita considerar a complexidade das diferentes facetas do conhecimento, superando qualquer pretensão de verdade metafísica (a verdade com “V” maiúsculo).

Após analisar o conceito de ambivalência e a sua influência na edificação do conhecimento na modernidade, no terceiro momento interpretamos, com base na leitura de Bauman, a forma com que a educação foi instituída na modernidade sólida. Com o advento de mas ferramentas usadas para analisa-la. São bons para pensar. Ou, razoável mas paradoxalmente, apesar de sua natureza abstrata, tornam a realidade social empírica, tal como se apresenta à experiência, descritível. Essas ferramentas são insubstituíveis em qualquer esforço com vistas a tornar inteligíveis os pensamentos e possibilitar uma narrativa coerente das evidências um tanto desordenadas da experiência humana”.

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um novo paradigma social que visava a solidez das instituições e das estruturas sociais, a educação foi compreendida pelos pensadores da nova ordem social (os philosophes) como uma forma de universalizar os pressupostos culturais, políticos, ético-morais e científicos da modernidade. Neste contexto, as instituições educacionais, bem como os mediadores do conhecimento (os professores), assumem a função de guiar e formar a população “inculta”, objetivando a criação de uma civilização autônoma e apta para compreender-se como responsável pela sua história. Contudo, retoma-se a interpretação da ambivalência que a compulsão excessiva pela ordem desencadeou na modernidade, vislumbrando um cenário político que os papéis sociais são pré-determinados pela sua posição ou classe social, intensificando a condição das desigualdades. Nos dias atuais, as metamorfoses sociais determinadas pelo atual tempo líquido-moderno não mantêm a crença em verdades universais ou em utopias, o que faz com que os intelectuais passem de um “papel” em que eram legisladores da ordem social, para um “papel” de intérpretes frente à pluralidade e complexidade de informações e conhecimentos provenientes das mais variadas instâncias na contemporaneidade.

Ao final do segundo capítulo, com base na exposição dos aspectos gerais da leitura que Bauman faz da modernidade, direcionamos nosso olhar para os elementos e dimensões que marcam os desafios educacionais da formação humana em tempos líquido-modernos. Portanto, discutimos os desafios da educação na volatilidade, incerteza e aceleração da fase líquida da modernidade, a qual é caracterizada por rejeitar o passado e desconsiderar o futuro.

No terceiro capítulo, a partir dos elementos levantados pela compreensão do contexto educacional em tempos de liquidez, discutimos os elementos políticos que marcam o imaginário de corpo na construção sócio-cultural do projeto social líquido-moderno. Na continuidade desta perspectiva, analisamos os possíveis desafios sociais da Educação Física e de sua intervenção pedagógica no contexto social da modernidade líquida. Para uma melhor organização desta discussão, organizamos o capítulo em três tópicos.

No primeiro tópico, abordamos os elementos discutidos por Bauman para definir a relação das políticas de “administração social” do projeto social sólido-moderno e os elementos marcadores que estas políticas buscavam designar na constituição identitária dos indivíduos, voltadas para a edificação de uma “sociedade de produtores”. Em outras palavras, nos ocupamos em revisar e discutir a relação das políticas do corpo com a busca sólido-moderna pela ordem, controle, perfeição e abstração característicos de uma “sociedade administrada” que visava a edificação de um novo paradigma sócio-cultural.

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No segundo tópico, direcionamos o olhar para as metamorfoses sociais influenciadas pelo contexto de globalização da política, que contribui para a instauração e ampliação de novas representações sociais referentes ao imaginário de corpo. Portanto, discutimos as políticas do corpo frente a um contexto de transição que engendra e estimula a instituição de uma organização social vinculada à “estética do consumo”.

Posteriormente, no terceiro tópico, discutimos os desdobramentos da leitura social de Bauman referente à concepção de educação e de políticas do corpo na modernidade líquida, na tentativa de compreender os elementos que marcam os desafios sociais da Educação Física. A discussão desses elementos, é importante enfatizar, busca refletir a necessidade da instauração crítico-reflexiva da mediação dos diferentes saberes da intervenção pedagógica em Educação Física, auxiliando para o desenvolvimento da capacidade autônoma dos indivíduos, no sentido de interpretar as informações sobre a cultura corporal de movimento em uma sociedade reconhecidamente ambivalente e complexa.

Por fim, nas considerações finais recuperamos algumas elaborações visando discuti-las novamente. Essa recuperação é parte do exercício reflexivo, o qual compreendemos ser fundamental para fomentar o debate e construir possibilidade de acordos comuns (ainda que sempre as reconhecemos como provisórios), necessários em tempos de incerteza e efemeridade próprios da constituição social da modernidade líquida.

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1 EDUCAÇÃO FÍSICA, METAMORFOSES SOCIAIS E A IDENTIDADE DA INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA

O ponto de partida deste estudo se pauta na compreensão da permanente plasticidade da sociedade. Esta condição representa um profundo e recorrente processo de transformação das relações sociais e das visões de mundo, que são interpretadas e determinadas em diferentes tempos históricos. O movimento histórico é engendrado por metamorfoses nas diferentes esferas políticas, culturais, sociais, filosóficas e epistemológicas, as quais influenciam na edificação de paradigmas nas formas de pensar e de ser das diferentes estruturas imaginárias instituídas na sociedade.

Pensar em relação aos desafios educacionais da Educação Física nas mais variadas interfaces da intervenção pedagógica na contemporaneidade, requer, primeiramente, compreender a constituição identitária da área, mesmo que de maneira simplificada, ao longo deste percurso social-histórico. Da mesma maneira, este exercício interpretativo necessita de uma tomada de posição em relação às diferentes conceituações e disputas políticas e epistemológicas, travadas no debate da especificidade do campo da Educação Física. Afinal, o que compreendemos quando nos referimos ao termo Educação Física? Quais as identidades assumidas pela Educação Física ao longo do percurso social-histórico? Certamente, é possível dizer que as questões postas desdobram-se em diferentes perspectivas e posições no debate acadêmico, caracterizando distintas “formas-de-ser” da Educação Física que representam “zonas de fronteira” em relação a sua identidade epistemológica (REZER, 2014).

A compreensão da especificidade da Educação Física aqui estabelecida se apoia nas perspectivas de Bracht (1997, 1999a, 2003), Betti (2005, 2013) e Lovisolo (1995). Apesar de não serem consenso, são perspectivas respeitadas no campo acadêmico da Educação Física brasileira (REZER, 2014) e apresentam confluências em suas elaborações. Neste viés, aprendemos com Bracht (1999a, p. 30) que a identidade da Educação Física pode ser conceituada “[...] como aquela prática pedagógica que trata/tematiza as manifestações da nossa cultura corporal e que essa prática busca fundamentar-se em conhecimentos científicos, oferecidos pelas abordagens das diferentes disciplinas”. Neste momento, Bracht (1999a, 42-43) identifica três esferas do saber próprias da intervenção pedagógica na área: a) “atividade física” ou “atividades físico-esportivas e recreativas”; b) “movimento humano” ou

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“movimento corporal humano”, “motricidade humana” ou “movimento humano consciente”; e c) “cultura corporal”, “cultura corporal de movimento” ou “cultura de movimento”. Ao analisar essa posição, Betti (2005, p. 147) compreende que tomar a cultura corporal de movimento como especificidade da área implicou o “[...] avançar do fazer corporal para um saber sobre o movimentar-se do ser humano, o qual deve ser incorporado pela Educação Física (na escola) como um saber a ser transmitido (aos alunos)”.

Na tentativa de ampliar e complementar a concepção do campo da Educação Física para além da intervenção pedagógica no contexto escolar proposta por Bracht, Betti (2005, 2013) propõe a abertura da área para os demais espaços sociais. Assim sendo, Betti (2001 apud BETTI, 2005, p. 147-146) define a Educação Física como uma “área de conhecimento e intervenção profissional-pedagógica, que lida com a cultura corporal de movimento, objetivando a melhoria qualitativa das práticas corporais constitutivas daquela cultura, mediante referenciais científicos, filosóficos e estéticos”. Além do mais, Betti (2013, p. 39) complementa a perspectiva de Bracht em relação à especificidade da Educação Física escolar, ao interpretar que a mesma deve

integrar e introduzir o aluno de 1º e 2º graus no mundo da cultura física, formando o cidadão que vai usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física (o jogo, o esporte, a dança, a ginástica...) [...] Deve-se ensinar o basquetebol, o voleibol (a dança, a ginástica, o jogo...) visando não apenas o aluno presente, mas o cidadão futuro, que vai partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física.

Outra concepção que se alinha, apesar de suas particularidades, com as perspectivas de Bracht e Betti é a proposta de Lovisolo (1995). O autor compreende que a Educação Física pode ser caracterizada pela figura do bricoleur pensada por Lévi-Strauss, o qual “[...] a partir de fragmentos de antigos objetos, guardados no porão, constrói um objeto novo no qual suas marcas não desaparecem” (idem, p. 20). A partir da metáfora do bricoleur, Lovisolo interpreta que a intervenção pedagógica da Educação Física é composta por conhecimentos e referenciais advindos de diferentes disciplinas científicas, as quais interagem no intuito de alcançar determinados objetivos sociais e educacionais.

Ao se referir aos objetivos sociais da Educação Física, Lovisolo (1995) elege cinco demandas que, segundo sua interpretação, são amplamente confrontadas no campo. Primeiramente, as demandas vinculadas à saúde, contexto em que em seu ver a área atua especialmente em quatro pontos: a) na prevenção de doenças e de patologias decorrentes do envelhecimento; b) na formação, recuperação e manutenção nos índices de aptidão ou

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disposição física em empresas que buscam a saúde do trabalhador; c) na compensação de desgastes neurológicos e psicológicos determinados pela “vida apressada” da contemporaneidade; d) na recuperação das funções corporais perdidas ou não desenvolvidas dos indivíduos. É importante ressaltar, segundo o autor, que estas demandas ainda são profundamente influenciadas pelo discurso das ciências biomédicas. A segunda demanda identificada por Lovisolo, se refere a um conjunto de significações imaginárias relacionados à estética, em especial aos padrões ou ideais corporais que emergem como “modelos”, e que influenciam na construção das identidades subjetivas. A terceira demanda destacada, refere-se às atividades de lazer, em que são abordados elementos sociológicos da relação trabalho-tempo livre, interagindo e enfatizando a necessidade dos corpos serem liberados dos domínios aos quais são submetidos. A quarta demanda aborda o esporte, considerado um campo significativo para a área, em que há a inserção de um grande número de profissionais nas diferentes modalidades e perspectivas de trabalho. Já a quinta demanda é focada nas discussões das atividades corporais na educação formal, espaço no qual a área dialoga diretamente com os educadores, pedagogos e docentes das demais disciplinas.

É importante situar que Lovisolo (1995) considera o papel de “bricolagem” da intervenção pedagógica em Educação Física como uma arte da mediação. Ou seja, a mediação nessa perspectiva é contextualizada como a “[...] mediação entre histórias, entre presente e futuro; mediação entre disciplinas; mediação entre ideologias ou demandas sociais na elaboração do programa de atividade corporal” (idem, p. 29).

Entendemos que o movimento de compreensão em relação à definição da identidade epistemológica da Educação Física, demonstra a complexidade envolta na dimensão da intervenção pedagógica da área frente às metamorfoses da sociedade. Nas interpretações de Betti, Bracht e Lovisolo em relação à identidade da Educação Física, observamos que a produção do conhecimento da área e a sua consequente intervenção social, requer o permanente “olhar” para a formatação social no tempo-espaço em que a prática pedagógica será realizada e refletida. Cabe a intervenção pedagógica no âmbito das práticas corporais da cultura corporal de movimento, também considerar a aprendizagem social dos sujeitos inseridos nos diferentes espaços de ação pedagógica-profissional.

Um elemento fundamental para discutirmos os desafios sociais da Educação Física no contexto sócio-cultural líquido-moderno consiste em realizar um movimento de retorno compreensivo em relação a sua constituição de intervenção pedagógica no percurso social-histórico. Dessa forma, realizando um breve recuo em relação à constituição do campo da

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Educação Física no Brasil, evidenciamos as influências da plasticidade das estruturas sociais na identidade epistemológica da área e os desdobramentos que esta condição agrega na intervenção pedagógica dos sujeitos situados no contexto educacional-profissional.

Com Betti (2005) aprendemos que o conceito moderno da Educação Física surgiu na Europa, entre os séculos XVII e XIX. As bases filosóficas, que emergiam pautadas pelos fundamentos refletidos na transição sócio-cultural da Era Medieval para a Era Moderna, lançadas por pensadores como F. Bacon, J. Locke e J. J. Rousseau, mostravam a importância que os cuidados com o corpo possuíam para a formação dos indivíduos. Estas salientavam a necessidade da prática recorrente de exercícios físicos para a “formação total” do ser humano na busca de um “completo bem-estar”, isto é, psíquico, físico e social.

Soares (2012) analisa que a inserção e legitimidade da Educação Física no Brasil, desde o século XIX, foi impulsionada pelas bases políticas, econômicas e sociais advindas da constituição do Estado burguês europeu. Neste contexto, em que havia a emergência da formação de um “homem novo” capaz de conviver harmonicamente com os fundamentos da modernidade (pensamento exposto anteriormente a partir da leitura de Betti), e especialmente, capaz de se inserir na ordem social capitalista, os cuidados com o corpo assumiam um caráter essencial para a formação humana. Dessa forma, a Educação Física, ancorada pelos conhecimentos da medicina e pela influência das instituições militares, se torna responsável pela educação do corpo. Neste momento, a área assume “[...] extrema importância para o forjar daquele indivíduo ‘forte’, ‘saudável’, indispensável à implementação do processo de desenvolvimento do país” (CASTELLANI FILHO, 2013, p. 30).

Com os estudos de Betti (2005), Castellani Filho (2013) e Soares (2012), é possível situar que ao final do século XIX e no início até meados do século XX, a Educação Física brasileira assumiu a perspectiva pedagógica como identidade que a legitimava socialmente. Neste período social-histórico, a intervenção da área foi calcada nos elementos pedagógicos de modelos de ensino da ginástica de diferentes escolas europeias (Escola Alemã, Escola Sueca e Escola Francesa), que apesar de suas particularidades, perspectivavam a construção de fundamentos vinculados à saúde, à disciplina e ao civismo. Ou seja, a Educação Física atuando como responsável pela educação do corpo, era determinada pela constituição das estruturas que a legitimavam socialmente: das ciências biomédicas e das instituições militares. Neste viés, na interpretação de Soares (2012, p. 43), os fundamentos educacionais destas intervenções visavam especialmente:

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[...] regenerar a raça (não nos esqueçamos do grande número de mortes e de doenças); promover a saúde (sem alterar as condições de vida); desenvolver a vontade, a coragem, a força, a energia de viver (para servir à pátria nas guerras e na indústria) e, finalmente, desenvolver a moral (que nada mais é do que uma intervenção nas tradições e nos costumes dos povos).

Direcionando o olhar para as décadas de 1960 e 1970, a tradição da intervenção pedagógica da Educação Física fundamentada pelos conhecimentos das ciências biomédicas e pela influência social das instituições militares, sofre uma ruptura ou um movimento de “despedagogização” (BRACHT, 1999a). Este foi um período em que diferentes perspectivas8,

que em grande medida eram oriundas da América do Norte e da Europa, buscaram fundamentar a Educação Física como uma disciplina científica com um estatuto próprio (BETTI, 2005). Bracht (1999a) compreende que neste contexto, o fenômeno esportivo ganha impulso e é absorvido ou até mesmo se impõe à área. Segundo Bracht (idem, p. 20):

É a importância social e política desse fenômeno que faz parecer legítimo o investimento em ciência neste campo. Por sua vez, aqueles que atuam no campo ou tem interfaces com ele privilegiam o tema do esporte porque é ele que oferece as melhores possibilidades de acumulação de capital simbólico por via do tratamento científico.

É neste contexto (a partir dos anos 1970) que o discurso pedagógico que legitimou socialmente a Educação Física é colocado em segundo plano. Com a busca por um estatuto científico próprio e a absorção do fenômeno esportivo como “eixo base”, a área é colocada a serviço do sistema esportivo se alinhando com as perspectivas do alto rendimento e da performance atlética, com o objetivo de elevar o nível de aptidão da população (BRACHT, 1999a).

Já no início da década de 1980, emerge um movimento de repedagogização do discurso acadêmico do campo da Educação Física brasileira (BRACHT, 1999a; BETTI, 2005). Esse movimento, conhecido como movimento renovador9, a partir de diferentes

8 Betti (2005, p. 145) destaca entre os percursores no debate sobre o estatuto epistemológico da área os franceses Le Boulch e Pierre Parlebas e o português Manuel Sérgio, os quais buscaram fundamentar epistemologicamente a “ciência da Motricidade Humana”, ou a “Cineantropologia”. Neste momento, “o termo ‘educação motora’ aparece como substituto de ‘Educação Física’, e é proposto como ramo pedagógico da Ciência da Motricidade Humana, procura o desenvolvimento das faculdades motoras e imanentes no indivíduo”.

9 Em relação ao movimento renovador da Educação Física brasileira, aprendemos com González e Fraga (2012, p. 41) que “Por volta do início da década de 1980, em meio à ampla mobilização social e política em prol da redemocratização do país, começa a surgir um movimento que pretendia criar as condições para uma ‘virada cultural’ na forma de entender a Educação Física na escola. O ‘movimento renovador’ da Educação Física, como anos mais tarde ficou conhecido, reunia uma série de pensadores que ambicionava ‘livrá-la’ da condição de mera atividade pedagógica. A maior dificuldade era fazer crer que o desenvolvimento da aptidão física em escolares, pressuposto firmemente legitimado no Decreto nº 69.450/71, publicado no auge da ditadura militar, em 1971, não deveria ser a finalidade principal das aulas de Educação Física. Não havia contestação direta aos possíveis benefícios da aptidão física para a população de um modo geral, pois esta não era em si um problema, mas sim à

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referenciais teóricos (em especial das perspectivas das ciências humanas), é composto por intelectuais que criticam a identidade predominante naquele momento na área. Com efeito, a crítica é endereçada, especialmente, ao discurso vinculado ao paradigma da aptidão física (em que os conhecimentos das ciências biológicas predominavam na ação pedagógica) e da aptidão esportiva. Bracht (1999b, p. 78) sintetiza que o eixo central desta crítica “[...] foi dado pela análise da função social da educação, e da Educação Física em particular, como elementos constituintes de uma sociedade capitalista marcada pela dominação das diferenças (injustas) de classe”.

Neste movimento dos anos de 1980 e 1990 de crise e profundo debate em relação à identidade epistemológica da Educação Física é que emerge as concepções de Betti, Bracht e Lovisolo, nas quais este estudo se pauta. Estas concepções aprofundam o debate do campo em perspectivas sociológicas, apontando possíveis desdobramentos desencadeados por influências políticas, econômicas e culturais na ação social da intervenção pedagógica em Educação Física.

É possível situar que esse breve recuo na constituição histórica de um campo recente como é a Educação Física, nos permite interpretar que a edificação das estruturas sociais e, por conseguinte, do conhecimento, influenciam profundamente na compreensão das formas-de-ser da área. Concordando com Bracht e Crisório (2003), a identidade da Educação Física é construída de acordo com a constituição social-histórica, sendo que não há uma “verdadeira” identidade, mas sim possibilidades de sentidos que refletem os aspectos culturais e políticos vigentes e, portanto, precisam ser criticamente analisados e contextualizados.

A caracterização da Educação Física como a área que trata/tematiza os elementos da cultura corporal de movimento, nos coloca o desafio de compreendermos e questionarmos permanentemente os sentidos atribuídos à educação e ao imaginário de “corpo”, instituídos socialmente e situados na pluralidade da constituição cultural. Pich (2005) analisa que o próprio conceito de cultura corporal de movimento remete a uma ruptura em relação ao imaginário de corpo que se pautava em uma perspectiva científica biologicista-mecanicista, influenciando profundamente na intervenção pedagógica da Educação Física. Ao reconhecer o corpo “[...] como o locus de inserção do homem na cultura” (idem, p. 109), se faz necessário pensar possibilidades de intervenção que considerem criticamente os aspectos pedagógico-políticos, superando a visão biológica que reduz as práticas corporais a aspectos naturais e adequação de uma proposta desta natureza em uma instituição que tem a finalidade de transmitir às futuras gerações parte da herança científica e cultural acumulada pela humanidade”.

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técno-científicos que, em grande medida, são descontextualizados dos aspectos históricos e sócio-culturais.

O horizonte da mutabilidade da constituição sócio-cultural e, por consequência, do imaginário de corpo, engloba o desafio de pensar e fomentar o debate permanente em relação às tarefas educacionais postas à Educação Física, nas diferentes etapas do percurso histórico. Neste viés, é importante nos questionarmos permanentemente em relação a questões como as aqui postas: em que tipo de sociedade estamos inseridos na contemporaneidade? Quais são as significações que emergem do imaginário de corpo? Quais são os possíveis desafios educacionais no âmbito do ensinar-aprender na cultura corporal de movimento na contemporaneidade?

O desafio de diagnosticar e pensar em relação à constituição social-cultural contemporânea, vem sendo uma tarefa amplamente aprofundada e debatida no campo das ciências humanas. Essa tarefa se ocupa, especialmente, em compreender a constituição dos fundamentos edificados no advento da modernidade e a ruptura oriunda das crises e aporias da estruturação social que foi engendrada neste período. Nesse movimento de pensamento, diferentes perspectivas buscam discutir as novas características da estruturação social e as possíveis rupturas com o conceito clássico da modernidade. Assim, emergem diferentes denominações do tempo contemporâneo, entre as quais: modernidade líquida (BAUMAN, 2001), hipermodernidade (LIPOVETSKY, 2004), modernidade tardia (GIDDENS, 2002), modernidade reflexiva (BECK, 2011) ou o termo mais recorrente, pós-modernidade; cada perspectiva busca diagnosticar e discutir a contemporaneidade, analisando as transformações das estruturas sociais e as influências destas na constituição das identidades dos sujeitos.

Uma destas perspectivas e que já vem sendo debatida por pesquisadores em estudos referentes ao campo da Educação Física (BRACHT; ALMEIDA, 2006; BRACHT, 2011; BRACHT; GOMES; ALMEIDA, 2014; GOMES; PICH; VAZ, 2006; GOMES, 2008; SILVA 2012a, 2012b) é a conceituação da modernidade líquida proposta por Bauman. A argumentação do diagnóstico de Bauman propõe que os fundamentos da modernidade, bem como a estruturação das sociedades ocidentais decorrentes das formas políticas instituídas neste tempo histórico, estão sofrendo profundas metamorfoses que influenciam na construção identitária dos sujeitos.

Em sua leitura sociológica, Bauman debate sobre as metamorfoses de diferentes estruturas em tempos de liquidez. Acreditamos que seu diagnóstico sobre o tempo contemporâneo, pode nos trazer importantes reflexões para pensar dois conceitos que

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identificamos como fundamentais no debate da identidade da intervenção pedagógica da Educação Física: educação e corpo. Entendemos que na perspectiva de uma intencionalidade pedagógica da área, ao se ocupar do processo ensino-aprendizagem das práticas corporais, são conceitos que se complementam e, da mesma forma, sofrem influências das diferentes perspectivas que edificam a construção do conhecimento, frente à complexidade e volatilidade sócio-cultural da modernidade líquida.

Com o intuito de ampliar os horizontes e agregar elementos para o debate de tais conceitos, nos ocupamos nos próximos dois capítulos na exposição e discussão dos elementos que marcam a constituição sócio-cultural do imaginário vinculado às políticas do corpo, bem como os desafios educacionais decorrentes da transição do projeto social da modernidade sólida para a líquida. Posteriormente, a partir da leitura de Bauman, retornamos a especificidade da identidade da Educação Física, discutindo alguns dos elementos levantados pela revisão, e que consideramos importantes para o exercício reflexivo da intervenção pedagógica da área em tempos de liquidez.

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2 A EDUCAÇÃO NO CONTEXTO SOCIAL DA MODERNIDADE LÍQUIDA

Este capítulo ocupa-se em expor, compreender e discutir a análise de Bauman em relação aos desafios educacionais na modernidade líquida. Para tanto, é organizado em quatro partes com os seguintes eixos temáticos: no primeiro momento, apresentamos a posição de Bauman no debate modernidade/pós-modernidade, auxiliando na visualização e compreensão da fundamentação do autor em relação ao processo de transição de uma organização social sólida, para uma organização social líquida. No segundo momento, discutimos a constituição do conhecimento ao longo do período histórico-social da modernidade, perspectivando a necessidade de uma nova forma de pensar em uma sociedade líquida e complexa. No terceiro momento, a discussão é organizada na tentativa de compreender os elementos elencados por Bauman em relação aos objetivos das instituições educacionais no advento da modernidade, observando de que forma o autor interpreta a influência dos intelectuais na edificação do conhecimento e os desdobramentos ocasionados no fazer docente. Por último, no quarto momento, recapitula e vincula os elementos anteriormente expostos (metamorfoses da modernidade, edificação do conhecimento e função das instituições educacionais e do fazer docente) na tentativa de compreender, a partir da perspectiva de Bauman, os desafios que a educação (física) enfrenta em tempos de liquidez da organização social.

2.1 O PROJETO SOCIAL DA MODERNIDADE: DA SOLIDEZ À LIQUIDEZ

A leitura sociológica que Bauman faz da modernidade é composta por uma inflexão na terminologia utilizada para refletir acerca da contemporaneidade. Até o livro Modernidade Líquida (2001)10, o autor denominava as metamorfoses do percurso social-histórico como

uma ruptura, passando de um período moderno para um período pós-moderno. A partir de seus escritos em Modernidade líquida, Bauman (2001) entende que a utilização do prefixo “pós”, neste momento, trata-se de um erro semântico, já que, em sua leitura da realidade social ainda estamos na modernidade, porém em um momento diferente, de transformações

10 Essa é a data da obra aqui utilizada e traduzida para a língua portuguesa. A primeira versão em língua inglesa foi publicada no ano de 2000 na Inglaterra.

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nos elementos que fundamentavam o projeto inicial da modernidade11. O autor compreende

que tais transformações não perfazem uma ruptura total em relação aos fundamentos da modernidade, pois apresentam elementos para repensar e reconfigurar as contradições identificadas ao longo deste percurso social-histórico.

Como Bauman ganha notoriedade no Brasil a partir da obra “Modernidade Líquida” (2001), alguns de seus escritos anteriores são traduzidos em ordem inversa. Assim sendo, importantes obras – entre as quais: “Legisladores e Intérpretes” (2010a), “Vida em Fragmentos” (2011a) e “Ensaios Sobre o Conceito de Cultura” (2012) – lançadas em suas primeiras edições para a língua portuguesa posteriormente ao ano de 2001, apresentam os termos modernidade e pós-modernidade como principais eixos conceituais de sua análise sociológica. Diante desse elemento, Bauman (2010a) no prefácio da obra Legisladores e Intérpretes12 procura corrigir o desvio cronológico imposto pela sua tradução tardia em língua

portuguesa, ao situar os leitores em relação à inflexão de seu pensamento na análise do percurso social-histórico do projeto moderno.

Esse cuidado de Bauman (2010a) em corrigir algumas de suas denominações anteriores, auxilia-nos a apontarmos elementos fundamentais em sua leitura da realidade social contemporânea. Para o autor, a utilização do termo “pós-modernidade” indicaria “que a modernidade já não é a nossa forma de vida, que a Era Moderna está encerrada, que ingressamos hoje em outra forma de viver” (idem, p. 11).

Apesar de ter feito o uso da terminologia em grande parte de seu arcabouço teórico (afinal, é somente no século XXI que ele começa a utilizar a metáfora da solidez e da liquidez para definir a contemporaneidade) é perceptível o recuo teórico no reconhecimento da realidade social diagnosticada. Nesse sentido, Bauman (2001, p. 88), na corrente do pensamento de Habermas que compreende a modernidade como um “projeto inacabado”, acredita que “[...] ‘o projeto da modernidade’ não está apenas ‘inacabado’, mas é inacabável, e que essa inacabilidade constitui a essência da era moderna”. Nesta linha de pensamento, o autor expressa a “inacabilidade” da modernidade quando define “[...] a pós-modernidade como ‘a modernidade menos suas ilusões’ ” (BAUMAN, 2001, p. 88).

11 “Embora não exista um consenso acerca do que seja o projeto social da modernidade, e mesmo de quando ele tenha começado, ele parece ter entrado em foco durante o séc. XVIII, e equivalia a um extraordinário esforço intelectual de muitos pensadores iluministas para desenvolver a ciência objetiva, a moralidade e as leis universais” (SILVA, 2010, p. 108).

Referências

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