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Capítulo 1 – Histórico da relação Estado-sociedade no Brasil e na

1.3.1. Os desenvolvimentismos do Brasil e da Argentina

Comparativamente ao argentino, o desenvolvimentismo brasileiro teve um caráter mais pragmático e menos ideológico. Isso pode ser explicado tanto por alguns traços pessoais dos dois presidentes quanto pelos contextos sociais, políticos e históricos dos dois países. Enquanto Juscelino possuía boas experiências na carreira política, Frondizi fora apenas um líder parlamentar de destaque, sem nenhuma experiência de governo.

O discurso do desenvolvimentismo brasileiro era muito mais concreto e palpável (como a construção de Brasília) e bem menos confrontador do que o argentino. Essa diferença fundamental se deu talvez por um maior pragmatismo de Juscelino, que procurou não agitar muito as ideologias e promover um discurso unificador dos diversos setores políticos. A influência de pensadores provenientes da filosofia, da literatura e da política no caso argentino determinou um plano mais ideológico e dogmático do que o brasileiro.

No tangente à procura de “inimigos”, o desenvolvimentismo argentino identificava nas oligarquias latifundiárias o foco de atraso enquanto Juscelino Kubtschek jamais tocou neste ponto. Fausto e Devoto descrevem o início do governo do então presidente brasileiro:

O governo JK começou com grande ímpeto. Em primeiro lugar, estabeleceu um horizonte imaginário para a sociedade, um novo Brasil

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cujo emblema seria a construção de uma nova capital: Brasília. Lançou também um Plano de Metas, ambicioso, mas de concepção simples, em cujo esboço haviam contribuído diversas mãos, tanto de técnicos moderados (“cosmopolitas”, segundo certa definição) quanto de nacionalistas, o que lhe dera a grande amplitude de objetivos, politicamente interessantes para diversos setores. Isso era rentável do ponto de vista político e compatível com a idéia de que era preciso atacar em todas as frentes ao mesmo tempo. Mas o núcleo central de seus objetivos residia no desenvolvimento econômico, do qual resultaria uma melhora no nível de vida da população. De certo modo, tratava-se de uma reformulação do modelo do último Getúlio, sem populismo. (FAUSTO e DEVOTO, 2005, p. 348).

Se no caso brasileiro o surgimento do desenvolvimentismo não era uma grande novidade e herdava ações do passado varguista, no caso argentino a situação econômica e política era bem diferente. Frondizi enfrentava a hostilidade de setores militares contrários à nomeação de alguns ministros, por considerá-los comunistas. No plano ideológico a semelhança se mantinha, a idéia era intervir em um conjunto de setores ao mesmo tempo, recorrendo para isso ao capital estrangeiro. Se comparado ao caso brasileiro, o desenvolvimentismo argentino era uma novidade bem maior, já que buscava combinar dois elementos básicos, um Estado forte e capital estrangeiro.

É observável que o plano de Frondizi foi menos coerente do que o de Kubtschek, porém focava os mesmos setores: estradas, eletricidade, petróleo, siderurgia, papel, celulose e automóveis. Outros setores mais específicos como a indústria petroquímica e o sistema de aeroportos também eram alentados pelo plano do presidente argentino.

No tocante ao consumo interno, na Argentina, novamente, esse fator ganhava mais destaque do que no caso brasileiro. As razões para isso eram muito mais sociais e políticas do que propriamente econômicas. Historicamente esse foi um dos pilares do governo e da ideologia peronista e no plano prático significava um incremento no consumo a partir do aumento dos salários (Frondizi aumentou os salários básicos em 60%) além do cumprimento de promessas feitas a Perón e aos peronistas, assim como um conseqüente aumento da sua popularidade. Frondizi também buscou regularizar pendências com empresas estrangeiras que estavam instaladas na Argentina sinalizando a boa vontade com o capital externo.

As políticas expansivas de Frondizi e de JK acabaram por gerar grandes déficits fiscais devido ao crescimento dos gastos estatais. As respostas dos dois presidentes foram um tanto quanto dessemelhantes. No caso brasileiro Juscelino só veio a esboçar um plano de estabilização depois de dois anos, enquanto Frondizi se demonstrou muito

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mais paciente ao modelo de ortodoxia imposto pelos organismos de financiamento internacional, notadamente o Fundo Monetário Internacional (FMI). Fausto e Devoto destacam que “no Brasil, a resistência que ele gerou (plano de estabilização) e a vontade do presidente de não abrir mão do seu Plano de Metas fizeram com que o ajuste fosse, já de saída, mais brando, e depois simplesmente abandonado”. (2005, p.353).

A Argentina, ao contrário, radicalizou o plano de estabilização, mesmo com forte descontentamento social e um debate ideológico mais acalorado que no Brasil. Um exemplo da preocupação dos governos argentinos com a questão social, que sempre existiu em grau mais elevado do que nos casos brasileiros, está nos gastos sociais. No auge do desenvolvimentismo no Brasil, em 1958, o país consumia cerca de 28% do orçamento da União em gastos de defesa e apenas 11% no setor social. No caso argentino era bem diferente. Entre 1950 e 1958, na Argentina, se reduziu os gastos de defesa de 30% para 21%, e por outro lado o gasto social incrementara de 14% para 19%.

Esses números ilustram bem as tendências contrárias no tocante à integração e distribuição de renda nos dois países. Mesmo com uma maior obediência às recomendações do FMI, a Argentina conseguiu praticar uma maior integração social, o que pode ser explicado pela velha tradição de maior embate, maior inquietação e menor conformismo da sua sociedade em relação ao Estado.

Se com relação às políticas sociais a Argentina esteve praticamente sempre a frente do Brasil, no que tange ao profissionalismo dos técnicos da máquina pública, como já foi dito anteriormente, o que acontecia era justamente o inverso. No caso brasileiro uma das heranças virtuosas deixadas pelo período em que Getúlio Vargas esteve na presidência foi a existência de uma tecnocracia mais profissionalizada e mais poderosa que a argentina. No Brasil já existiam critérios de seleção do funcionalismo público pautados formalmente por critérios de mérito e cursos de formação para gestores públicos. Na Argentina o Instituto de Administración Pública (INAP) só seria criado mais à frente, em 1957.

Mesmo existindo na Argentina um alto grau de pessoas com formação universitária nos quadros administrativos, (praticamente 100%, contra 86% no Brasil) isso não refletia em grandes quantidades de economistas, por exemplo, mas sim grande parte de militares, advogados e jornalistas. Além disso, no governo de JK a estrutura da administração pública contava com mais continuidade tanto de técnicos quanto de instituições. O período de governo de JK teve como característica grande estabilidade

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no que diz respeito a postos estratégicos das agências descentralizadas, ao contrário do país vizinho, que até mesmo em cargos de grande importância como no Banco Central e no Banco Industrial tiveram médias baixíssimas de permanência.

Na Argentina a composição de uma sociedade de tradição mais contestatória acarretava mais idas e voltas, processos mais complexos, ânimos mais arrefecidos, o que chegou a comprometer muitas vezes até mesmo a existência de estruturas burocráticas e de seu pessoal. Neste país a tradição liberal era mais arraigada na sociedade e de certa forma mais “ideológica” do que pragmática, como no Brasil, o que gerava grandes descontentamentos. Esses incômodos eram freqüentes entre os economistas da época e de uma camada social de grande relevância política: as Forças Armadas. Ademais, as políticas expansionistas e estatizantes eram, já há um bom tempo, sempre atreladas ao execrado peronismo, que desde a sua emergência promoveu grandes divisões no tecido social argentino.

Em resumo é possível dizer que o planejamento econômico do período desenvolvimentista no Brasil foi bastante simples, mais articulado e com respaldo de uma tecnocracia mais consolidada, enquanto no caso argentino foi de certa forma mais improvisado e sob bases técnicas menos preparadas e mais permeadas pelos interesses políticos.

Outra diferença substancial no tocante aos dois processos de elevado planejamento estatal foi o fato da coerência dos projetos de cada presidente. No caso brasileiro o Plano de Metas estava alinhado às propostas anunciadas por Juscelino em sua campanha. Já Frondizi praticava um modelo de políticas que era o oposto do que era até então defendido por ele próprio, um defensor do nacionalismo que “virava a casaca” ao apelar para a abertura aos investimentos internacionais. É claro que o custo político para Frondizi acabou sendo bem maior do que o brasileiro, já que o discurso do desenvolvimento era ideologicamente mais agressivo e, sendo assim, trazia à tona as suas contradições de uma maneira gritante.

Fausto e Devoto apontam para alguns fatores que explicam o fim da segunda experiência democrática brasileira de 1945 a 1964. Foram, segundo os autores, fatores externos e, sobretudo, internos, que precipitaram o fim deste período e o início do período autoritário. A influência dos Estados Unidos repudiando as iniciativas de nacionalização de suas empresas e o seu apoio secreto ao movimento militar se destacaram. Quanto aos fatores internos, de maior relevância, temos o desprezo pelo ideal democrático tradicional da direita do país, mas também encampado pela esquerda,

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que não se empolgava muito com a idéia de uma democracia a despeito dos ideais de profunda reforma social ou até de uma revolução no país.

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