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CAPÍTULO 1 A INCLUSÃO DO ALUNO SURDO NO ENSINO REGULAR

1.3 Os diferentes momentos históricos que marcaram a educação das pessoas com NEES

Em relação à forma como a sociedade encara ou lida com as pessoas com necessidades especiais, é necessário ressaltar que, primeiramente, praticou-se a segregação ou exclusão social. Em seguida, a educação especial desenvolveu-se dentro de instituições como hospitais e, então, passou-se à prática da integração, momento em que as escolas receberam esses alunos, mas ainda em classes especiais (fora e longe do ensino regular). Recentemente, adotou-se a filosofia da inclusão para modificar os sistemas sociais gerais na tentativa de incluir os que até então foram excluídos. Não obstante, é preciso lembrar que, embora se fale muito em inclusão, ainda hoje existe exclusão e/ou segregação dessas pessoas.

Para falar de educação inclusiva precisamos entender a história educacional da pessoa com NEEs. Segundo Beyer (2005), a educação das pessoas com deficiência foi e é demarcada

por quatro momentos históricos: segregação, educação especial, integração e inclusão19. Veremos, a seguir, cada um e seu impacto no processo educacional dos alunos com necessidades educacionais especiais. Fazer essas distinções é um bom começo para entendermos o processo de transformação das escolas para que pudessem receber todos os alunos nos diferentes níveis de ensino.

1.3.1 Segregação e Educação Especial

Segregação nada mais é do que uma separação. No Brasil, as pessoas com qualquer necessidade especial, ou deficiência, eram consideradas doentes, anormais, impuras, encaradas como se tivessem sido castigadas pelos deuses, devendo ser eliminadas ou abandonadas à própria sorte (CARNEIRO, 2006). Dessa maneira, não tinham o direito de participar do convívio social, cultural, intelectual (DECHICHI, SILVA e GOMIDE, 2008).

Diante da obrigatoriedade escolar, as crianças com deficiência não poderiam ir para a escola regular, pois eram consideradas “não educáveis” (BEYER, 2005, p. 14). Ficavam, portanto, em casa ou em instituições especiais e é por esse viés que podemos considerar a educação especial como um grande avanço, na medida em que representa uma alternativa de atendimento àqueles alunos considerados incapazes. É, assim, uma oportunidade de educação de pessoas que, até então, estavam segregadas em asilos, hospitais ou jogadas à própria sorte.

Essa escola especial, nas palavras de Jannuzi (1992 apud CARNEIRO, 2006, p. 149), “tornou-se uma alternativa que, de alguma maneira, viabilizou uma participação mais efetiva do deficiente”. A essa educação deve ser dada o respectivo mérito, pois constituíram as primeiras escolas que atenderam alunos com deficiência. Segundo Beyer (2005, p. 14), “as escolas especiais, portanto, não eram [...] escolas segregadoras, pelo contrário, integraram pela primeira vez as crianças com deficiência no sistema escolar”. No Brasil, a expansão da educação especial acontece, principalmente, na segunda metade do século XX. No entanto, é na década de 1970 que há a implantação das classes especiais nas escolas regulares, assunto que trataremos a seguir.

19 Para Sassaki (2006, p. 123), as fases que marcaram as práticas educacionais das pessoas com necessidades

1.3.2 Integração

O movimento de integração iniciou-se no Brasil por volta dos anos 1980 e surgiu para acabar com a prática de exclusão, uma vez que teve como fundamento o princípio da normalização, ou seja, uma nova tentativa de integrar à sociedade a pessoa com deficiência que, na segregação, fora completamente excluída.

Conforme Sassaki (2006, p. 31), o princípio da normalização era assim entendido: “toda pessoa portadora de deficiência [...] tem o direito de experimentar um estilo ou padrão de vida que seria comum” e, com isso, criaram-se ambientes artificiais os mais parecidos possíveis com aqueles da comunidade em geral. É nesse viés que surgem as classes especiais dentro de escolas comuns para que os alunos com NEEs não interferissem no ensino. Esse movimento envolve preparar esses alunos para serem inseridos nas escolas regulares, isto é, “transferir o aluno da escola especial para a escola regular” (MITTLER, 2003, p. 34), visando a aquisição de padrões comportamentais mais próximos do normal para que tivessem uma vida em sociedade. Desse modo, é o indivíduo que se adapta, sem que a sociedade precise se reorganizar, pois anteriormente a deficiência era entendida como um problema que estava na pessoa. Isso significa que há dois tipos de crianças: com e sem necessidades especiais (BEYER, 2006; SASSAKI, 2006). É por isso que a integração mostrou-se insuficiente para acabar com a discriminação social sofrida por esse grupo minoritário e foi ineficaz para garantir-lhes uma participação social com igualdade de oportunidades e direitos.

O processo de integração designa alunos agrupados em escolas especiais para pessoas deficientes, porém, nem todos os alunos com deficiência estavam aptos para o ensino regular. Portanto, era realizada uma seleção prévia para verificar quem poderia inserir-se nessa fase (MANTOAN, 2003). Diante desse paradigma, surgem novas alternativas para atender a pessoa deficiente, tais como centros de reabilitação, clubes sociais especiais, centros de vida independente, associações desportivas especiais e classes especiais em escolas regulares (SASSAKI, 2006). Isso tudo é resultado de uma má interpretação do princípio de normalização, que entendia não haver necessidade de nenhuma adaptação na estrutura escolar e, muito menos, de preparação dos professores.

Esse modelo ainda não deixa de ser segregativo, uma vez que pouco ou nada exige da sociedade em termos de adaptação, mudanças e práticas sociais, pois a sociedade poderia ficar de “braços cruzados” (SASSAKI, 2006, p. 34). É nesse momento que a integração começa a receber críticas no que diz respeito às questões de igualdade e diferenças, visto não ter sido capaz de acabar com a discriminação e possibilitar a plena participação das pessoas com

NEEs com igualdade de oportunidades. Para repensar e reelaborar esses conceitos de pessoas com e sem necessidades especiais surge o processo de inclusão.

1.3.3 Inclusão

A inclusão é uma prática recente, que surgiu após dois momentos históricos: a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990) e a Conferência de Salamanca sobre Necessidades Educativas Especiais (1994)20. O primeiro aconteceu em 1990, em Jomtien (Tailândia), e teve como objetivo discutir o desenvolvimento de uma política educacional de qualidade que atendesse a todos os alunos. O segundo movimento foi o que mais contribuiu para impulsionar a educação inclusiva em todo o mundo porque, além de detalhar várias propostas sobre a necessidade de preparação da escola, do corpo docente, do espaço físico, do material didático, etc., incluiu os alunos excluídos socialmente, oferecendo oportunidade de aprendizagem a todos (MITTLER, 2003).

Na inclusão, a deficiência não é mais um problema da pessoa, mas sim o resultado da incapacidade da sociedade em atender às suas necessidades, o que significa dizer que não existem dois grupos de alunos, “apenas crianças que compõem a comunidade escolar e que apresentam necessidades variadas” (BEYER, 2006, p. 77). Segundo o modelo da inclusão, é a sociedade que precisa ser capaz de acolher a todas as pessoas e objetiva desenvolver uma educação eficaz para todos os alunos, defendendo-se a heterogeneidade na classe escolar, de forma a provocar a interação entre os alunos (MANTOAN, 2003; MITTLER, 2003; SÁNCHEZ, 2004; BEYER, 2006). De acordo com a Declaração de Salamanca (1994), a inclusão requer uma reforma radical nas escolas em termos de currículo, planejamento, avaliação, entre outros (MITTLER, 2003; SÁNCHEZ, 2004).

Ressalta-se que essas mudanças estão em processo de construção, uma vez que vivemos um momento de transição até que “a integração esmaeça e a inclusão prevaleça” (SASSAKI, 2006, p. 41). Essa transição provoca “uma crise escolar, ou melhor, uma crise de identidade institucional” (MANTOAN, 2003, p. 32), já que o aluno da educação inclusiva não é mais o mesmo sujeito de antes, visto como homogêneo, e não há mais a subdivisão dos sistemas escolares em ensino especial e ensino regular. As escolas devem atender às diferenças sem discriminar e, desse modo, a inclusão é incompatível com a integração, pois

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“prevê a inserção escolar de forma radical, completa e sistemática” (idem, ibidem) e provoca a não exclusão de alunos, já que todos devem frequentar a sala de aula regular.

O desenho a seguir, proposto por Beyer (2006, p. 76), mostra os diferentes momentos históricos que marcaram as ações do sistema escolar, no sentido de aproximar as crianças com necessidades especiais da escola comum.

Figura 1.1: Momentos históricos que marcaram a educação dos alunos surdos.

Fonte: Beyer (2006, p. 76)

De forma sucinta, observa-se que essas fases e esses momentos de transição foram elementos vitais na aquisição de conhecimentos e experiências para uma equiparação de oportunidades21. Para Sassaki (2006, p. 27), é importante compreender cada um desses

21 “Equiparação de oportunidades significa o processo através do qual os sistemas gerais da sociedade – tais

momentos históricos que resultaram em um amadurecimento de ideias e tentativas para melhor incluir a pessoa com NEEs. “É imprescindível dominarmos bem os conceitos inclusivistas para que possamos ser participantes ativos na construção de uma sociedade que seja realmente para todas as pessoas” (idem, ibidem).

Uma vez que optamos por tratar das concepções, dificuldades e inquietações dos professores responsáveis por ensinar uma língua estrangeira (inglês) aos alunos surdos, bem como alguns intérpretes que lidam diretamente com um delta linguístico (Inglês, Português, Libras), vimos a necessidade de apresentar algumas considerações acerca da teoria sociocultural e de suas relações com a surdez. A seguir, expomos a abordagem histórico- cultural de Vygotsky (1998), pois esse autor atribui às práticas sociais e às instâncias institucionais um papel efetivamente formativo do sujeito.

1.4 TEORIA SOCIOCULTURAL: O QUE VYGOTSKY TEM A VER COM A INCLUSÃO