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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

5. DESVENDANDO A TRAMA DE DISCURSOS

5.2. Os edifícios São Vito e Mercúrio

Ao longo dos anos, a mídia construiu um discurso associando, principalmente, o edifício São Vito à degradação urbana vivenciada pela região central, especialmente a existente no entorno do Parque D. Pedro II.

Apesar de a demolição desse prédio ser aventada desde o final dos anos 1980, poucas foram as vozes dissonantes quando, em 2005, a demolição se tornou premente e, quase nenhuma discordante quando ela se efetivou em 2010.

Construídos na década de 1950 para um mercado de baixa renda, pela Construtora Zarzur & Kogan (Fontes, 2004; Passaro, 2009), esses edifícios estavam localizados na Avenida do Estado, às margens do Rio Tamanduateí, próximo ao Palácio das Indústrias e a Zona Cerealista e em frente ao Mercado Municipal de São Paulo.

Embora edificados em momentos diferentes – o Mercúrio em 1952 e o São Vito, em 1954 – eram geminados entre si, compondo um “único volume na paisagem do

centro de São Paulo” (Passaro, 2009).

Eram unidades econômicas, porque o mercado nos pedia isso. Tínhamos o Mercadão ali ao lado e imaginamos que os trabalhadores dali seriam os compradores. E foram. Como tinham recursos mais limitados, construímos

unidades econômicas, de um quarto. O empreendimento foi totalmente vendido 166.

Cada prédio possuía 28 pavimentos, sendo 25 destinados às unidades habitacionais e os demais divididos entre subsolo, térreo, sobreloja e cobertura (FONTES, 2004). Os prédios apresentavam tipologias diferentes: originalmente o edifício São Vito possuía 555 quitinetes com aproximadamente 28 m2 e o Mercúrio, 96 apartamentos de 40 m2 com um dormitório e 48 quitinetes com 32m2 (PASSARO, 2009).

Declarados de interesse público para fins de desapropriação, em 1987,sob a alegação da necessidade de “implantação de terminal de ônibus e reurbanização do

Parque D. Pedro II”167

, esperava-se que sua demolição pusesse fim aos diversos assaltos que aconteciam na região, “o São Vito é também esconderijo de trombadinhas e

trombadões que agem na região do Mercado Municipal, principalmente nos cruzamentos, fingindo vender frutas e flores” (OESP, 1987) e as várias ocorrências policiais que

chegavam semanalmente ao 1º Distrito Policial. Nesse momento, o edifício era visto como causador desses acontecimentos e como espaço para abrigo da delinquência e da marginalidade.

Classificado com adjetivos como “favela ou cortiço vertical”, “treme-treme” e

“o prédio mais feio e problemático de São Paulo”168

, a pesquisa nos arquivos dos jornais

Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo demonstrou que a partir de 1972, diversas matérias passaram a ressaltar a precariedade das instalações do edifício169, a ausência de equipamentos de combate a incêndio (falta de extintores e mangueiras furadas), a falta de água (abastecimento precário e sistêmico), o mau funcionamento dos elevadores (espera de 15 a 30 minutos), as diversas dívidas, a sujeira interna e externa – acusando os moradores de jogarem o lixo pela janela – e as inúmeras brigas que envolveram os diversos síndicos, além de roubos internos, com arrombamentos aos apartamentos e externos, à pedestres e motoristas que circulavam pela região.

166 Entrevista de Waldomiro Zarzur ao jornal O Estado de São Paulo, 09/09/10. 167 Conforme Decreto Municipal nº 23.459 de 19 de fevereiro de 1987.

168 Folha de São Paulo, 02/04/1991, Cotidiano. 169

A imprensa responsabilizava os moradores do edifício, “migrantes nordestinos

e famílias sul-americanas de baixa renda compõem o quadro da maioria dos habitantes”170

, por tais atos. Eles seriam os causadores, se não de todos, de boa parte dos

problemas ali existentes.

Em 2002, com um novo projeto de recuperação do Parque D. Pedro II dentro do Programa de Requalificação do Centro, a gestão Marta Suplicy (2001-2004) retomou a ideia de uma intervenção pública no edifício São Vito. Essa intervenção serviria como modelo para outras do mesmo porte:

A Prefeitura de São Paulo introduz, a partir da intervenção no Edifício São Vito, uma alternativa a política habitacional que busca garantir o direito à moradia em áreas centrais, por meio da reabilitação ou requalificação de prédios, cujos proprietários ou ocupantes se mostrem incapazes de fazê-lo sem a ajuda do poder público (PMSP, 2004, p. 51)

Figura 47: Foto (2003) do edifício São Vito quando ainda se estudava a sua reforma e readequação para uso habitacional.

Fonte: Foto de Luiz Kohara.

170

Inicialmente se pensou na demolição do edifício que englobaria também o prédio vizinho, o Mercúrio, no entanto, essa alternativa foi descartada, em razão do custo com a transferência dos moradores (3.084 habitantes) e com a própria demolição.

Em 2003, a Prefeitura contratou a empresa Diagonal Urbana Consultoria para realização do levantamento socioeconômico das famílias e perfil de renda, avaliando as possibilidades de financiamento (Passaro, 2009). Em agosto desse mesmo ano, o edifício São Vito foi novamente declarado de interesse social171, passando então à desapropriação individual dos apartamentos e lojas (Fontes, 2004).

Os proprietários seriam indenizados e aqueles que se enquadrassem no perfil de renda, poderiam obter financiamento, posteriormente, pelo Programa de Arrendamento Residencial (PAR), da Caixa Econômica Federal. Os inquilinos seriam atendidos pelo Programa Bolsa Aluguel por 30 meses.

A reforma do edifício, com proposta do escritório LoebCapote Arquitetura e Urbanismo, previa a redução do número de unidades habitacionais, de 624 para 375; a formação de dois condomínios e a implantação de equipamentos multiuso172. As obras seriam iniciadas no começo de 2004, porém a desocupação total do imóvel ocorreu somente em meados desse ano, quando então o edifício vazio a espera da resolução final.

A partir de 2005, na gestão José Serra (2005-2006), uma nova proposta foi se desenhando para a região do Parque D. Pedro II, disseminando-se a ideia de implantar no lugar dos edifícios São Vito e Mercúrio, uma praça com equipamentos culturais interligando por meio de uma esplanada o Parque, o Museu da Criança (atual Catavento), o Mercado Municipal e a Zona Cerealista. Dessa forma, retomou-se o projeto de demolição.

O edifício Mercúrio foi totalmente desocupado no final de 2008, momento em que as atenções da municipalidade, na gestão Kassab (2006-2012), já estavam voltadas ao Projeto Nova Luz. O secretário de Coordenação das SubPrefeituras, Andrea Matarazzo, assim justificou a mudança do poder público: “Priorizamos as melhorias na região da Luz

171 Decreto de Interesse Social (DIS) nº 46.637 de 13/08/2003, alterado pelo DIS nº 44.003 de 20/10/2003. 172 A proposta previa 375 apartamentos com metragem variando entre 35 e 60 m2, sendo: 175 conjugados, 150 apartamentos de um dormitório e 50, com dois dormitórios. Ver:

porque, se fizéssemos antes no Parque D. Pedro, aquela região ficaria sem conexão com o resto do centro” (OESP, 29/06/2008, C-3).

A resposta do secretário somou-se a outras encontradas no bojo dos projetos propostos à região: a incompletude do Parque D. Pedro, cujos equipamentos não foram todos instalados; a retalhação do local por meio de um conjunto de viadutos construídos nas décadas de 1940 e 1950; as inúmeras novas propostas de intervenção adiadas ou transferidas de acordo com os interesses das diversas gestões municipais.

O jornal OESP, em 2008 se propôs a encontrar os motivos da degradação dessa região, por meio de um questionamento a ser respondido por alguns arquitetos. “Mas,

afinal porque nenhum projeto de revitalização da área vinga no entra-e-sai de governos de diferentes colorações partidárias?”

Os especialistas ouvidos pelo jornal apontaram como fator determinante a degradação da região: o paulatino abandono do poder público, interessado em outras regiões da cidade; a incompatibilidade entre a proposta de um parque coexistindo, na região central, com a vocação habitacional.

Nessa região, essa incompatibilidade talvez possa ser verificada pela simbologia desses bairros à leste do centro: são espaços intermediárias entre zonas comerciais tradicionais consolidadas da cidade (ruas Vinte e Cinco de Março e Paula Souza, Zona Cerealista e Mercado Municipal) e o território historicamente ocupado pelos trabalhadores (para sobreviver e residir), se abrindo em direção à Zona Leste.

Os poucos equipamentos ali existentes, não seriam capazes de tornar a região competitiva na atração de investimentos, se comparada com outros bairros centrais, como a região Luz, por exemplo, que poderia se tornar um perímetro cultural em função dos equipamentos existentes como a Pinacoteca do Estado, Museu de Arte Sacra, a Sala São Paulo, o Museu da Língua Portuguesa, o Parque da Luz, entre outros. Nesse sentido, o próprio poder público não se interessaria em investir nesse território.

Figura 48 A e B: Na foto A (2011) o edifício São Vito em processo de demolição, em meados de abril. Na foto B (2014), o Mercado Municipal de São Paulo após a demolição dos edifícios São Vito e Mercúrio. Na Gestão Kassab, a demolição. No momento atual, o que restou foi a implantação de um pátio de estacionamento.