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3 A DISPERSÃO JURISPRUDENCIAL E OS INSTRUMENTOS PARA

3.3 O controle (solução/contenção) de dispersão jurisprudencial no Código de

3.3.2 Os enunciados de súmula vinculante e demais enunciados de súmula do STF e do

As súmulas foram inseridas no sistema jurídico brasileiro a partir da Emenda ao Regimento do Supremo Tribunal Federal publicada em agosto de 1963, por influência da obra do então Ministro Victor Nunes Leal. Elas constituem um conjunto de enunciados que sintetizam o entendimento dos tribunais ou de órgãos fracionários sobre determinado tema a partir do julgamento de recursos ou ações originárias (DANTAS, 2008, p. 181).

16 Art. 1º O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas

fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

Existem duas espécies de enunciados de súmula: os enunciados persuasivos e os enunciados vinculantes. Os enunciados de súmula eram meramente persuasivos e serviam, tal como os assentos, para que se conhecesse o posicionamento consolidado nos tribunais, evitando, assim, divergência na aplicação das leis. Com o advento da Emenda Constitucional n. 45 de 2004 instituiu-se a possibilidade de vinculação dos enunciados de súmula do Supremo Tribunal Federal a partir da inserção do artigo 103-A no texto maior17. No âmbito

infraconstitucional, a súmula vinculante foi regulamentada pela Lei n. 11.417/2006. O enunciado de súmula vinculante possui rito peculiar para sua elaboração, revisão e cancelamento, bem como requisitos específicos, tais como a controvérsia sobre matéria constitucional atual que gere risco de multiplicação de processos e insegurança. Ademais, esse enunciado de súmula vincula não só aos juízes como a administração pública direta e indireta.

Assim, no que diz respeito as súmulas vinculantes, o CPC/2015 redunda ao afirmar a sua vinculação (art. 927, II), vez que prevista constitucionalmente. Inova, contudo, ao equiparar as súmulas simples em matéria constitucional (STF) e infraconstitucional (STJ), originalmente não vinculantes, às vinculantes do artigo 103-A da CRFB/1988, sem que para elas tenham sido observados os mesmos ritos e rigores destas (art. 927, IV). Nesse sentido, há autores que apontam uma possível inconstitucionalidade desse dispositivo do CPC/2015 (STRECK; NUNES; CUNHA; 2016).

Como mencionado alhures, os enunciados de súmula consolidam o entendimento dos tribunais ou de órgão fracionário sobre determinada matéria. Nesse sentido, importante que, no momento da sua aplicação, seja feito um exame dos motivos determinantes que ensejaram a sua elaboração. É nesse ponto que os precedentes e as súmulas se aproximam: para que exista a súmula, necessária a preexistência de decisões anteriores sobre a matéria a ser contemplada pelo enunciado. É a existência de precedentes que autoriza a edição da súmula. De outro lado,

17 Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de

dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

§ 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

súmula não se confunde com precedente na medida em que aquela é elaborada a partir de procedimento distinto do que ensejou o precedente, este sendo um resultado do processo judicial.

Uma vez elaborado, o enunciado ganha relativa autonomia e vinculatividade próprias, estando sujeito a interpretações das mais diversas (MACÊDO, 2015, p. 475). Para que se extraia o melhor sentido do enunciado, é necessária a análise dos fundamentos determinantes (ratio decidendi) que ensejaram a sua elaboração, com o exame dos casos pretéritos que serviram de norte para a concepção do texto.

Por uma questão lógica, o enunciado não poderia se desprender do posicionamento jurisprudencial consolidado que ensejou a sua elaboração. Tem-se um problema, contudo, quando na própria elaboração dos enunciados de súmula os fundamentos determinantes dos precedentes que ensejaram a sua criação não são contemplados. Veja-se, a título exemplificativo, os enunciados números 622, 625 e 626 da súmula da jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, que em pesquisa desenvolvida por Leonardo Greco (2004, p. 44- 54) ficou demonstrado não corresponderem aos acórdãos paradigmas. No mesmo sentido, o enunciado n. 3 da súmula vinculante denota problema na sua elaboração: em três dos quatro precedentes utilizados para a sua elaboração, a matéria sumulada foi contemplada apenas como obiter dictum (MELLO, 2008, p. 166-173).

Também há que se refletir acerca da compatibilidade entre a metodologia das súmulas e os precedentes vinculantes nos moldes da doutrina do stare decisis.

A princípio, é possível argumentar que a súmula pode servir como forma de elucidar a ratio decidendi em hipótese em que esta seja indecifrável ou de difícil extração, havendo plena compatibilidade entre as súmulas e os precedentes obrigatórios. Para a hipótese de a ratio decidendi ressair de forma cristalina da decisão, a súmula é absolutamente desnecessária (MARINONI, 2011, p. 85; WOLKART, 2012, p. 292-294). De outro lado, argumenta-se que a questão relativa à dificuldade na extração da ratio decidendi decorre da própria falta de cuidado dos tribunais em decidir de forma a criar um paradigma. De mais a mais, a própria legislação processual já enumera as espécies de decisão judicial que seriam vinculantes, sendo dispensável – caso os tribunais cuidassem para a elaboração cuidadosa de seus acórdãos – resumir o entendimento fixado em enunciados.

Assim, tem-se um sistema redundante: o precedente é criado quando do julgamento de determinadas matérias que, por lei, vinculam os demais órgãos jurisdicionais. Não sendo o

suficiente, sumula-se o entendimento em enunciado que, acaso interpretado de forma apartada da ratio decidendi, pode levar exatamente a decisão diversa do entendimento consolidado no precedente. Ante a necessidade de interpretação da ratio decidendi, imprescindível retornar aos precedentes que ensejaram a elaboração do enunciado, não havendo, em termos práticos, simplificação alguma.

Outro ponto passível de crítica diz com a omissão do CPC/2015 quanto a vinculatividade das súmulas elaboradas pelos Tribunais de Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais. Essa prática – a elaboração de enunciados por essas Cortes – não é incomum e é, inclusive, encorajada pela nova lei processual, que assim dispõe no artigo 926, §1º. Não se pretende manifestar, aqui, concordância com o sistema de vinculação das súmulas contemplado pelo CPC/2015. Ponderações sobre a constitucionalidade da medida à parte, contribuiria para a lógica do sistema se a lei processual tivesse contemplado a vinculação dos enunciados dos demais tribunais, sobretudo quando há a possibilidade de estes darem a última palavra sobre a questão posta sob apreciação. Sobretudo nos casos em que não cabe recurso para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, que é quando os TJs e TRFs dão a palavra sobre a controvérsia. Logo, devem os tribunais “observar” as súmulas por eles elaboradas, tendo o artigo 927 permanecido silente sobre estas.