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Os estereótipos e suas funções sociais

1.3 Para que servem os estereótipos

1.3.2 Os estereótipos e suas funções sociais

Ao analisar o processo da estereotipia em seus aspectos sociais, percebe-se que na compreensão da dinâmica intergrupal se encontrará várias outras funcionalidades para os estereótipos que os mantém vivos e validam sua permanência social. Ao buscar a compreensão dos porquês de os estereótipos serem tão presentes e prejudiciais na realidade da relação intergrupal, a literatura apresenta uma série de fatos que assumem funções específicas dentro do processo e explicam de modo preciso a realidade social, a partir do entendimento de que:

a) Os estereótipos explicam a realidade e causalidade social

Com destaque para as características das funções sociais que os estereótipos apresentam na teoria das relações intergrupais. Tajfel (1981) afirmou que os estereótipos desempenham o papel de explicação da realidade e produzem uma causalidade social. Pois desempenham uma necessidade de explicar, sobretudo, a realidade social que se mostra complexa com atributos negativos. Em outras palavras, os estereótipos clarificam a realidade social para o indivíduo, de modo que ele venha a acreditar que o uso deles seja algo autoexplicativo, que se encerre em si mesmo ou, favorecem uma naturalização de um traço que seja percebido como característico do grupo, colaborando com uma explicação do ordenamento social instaurado.

Fatos ocorridos ao longo da história ocidental baseados nos estereótipos dos grupos são exemplos da aplicabilidade da teoria que os estereótipos explicam a realidade. No Brasil, por exemplo, os estereótipos dos negros justificavam a necessidade de branqueamento da população para assim, o país poder “progredir” (ver Carone & Bento, 2002 para uma revisão). Com dinâmica semelhante, a estereotipia antissemita instaurada na Alemanha serviu para justificar a realidade econômica e política daquele país e assim foram "legitimadas" as ações desumanas que foram aplicadas para corrigir o problema social naquele período. Visto que “os estereótipos servem para justificar as ações contra os exogrupos” (Techio, 2011, p. 33).

Um aspecto subjacente a respeito da explicação dos estereótipos como justificativas sociais é a percepção a respeito dos grupos, pois ela é decisiva para que as pessoas possam compreender o mundo social, conforme argumentou McGarty et al. (2002). Isto porque a percepção se constitui num aspecto essencial, embora, nem sempre seja dada tal notoriedade no contexto cotidiano.

Pode parecer uma sentença muito óbvia afirmar que os indivíduos e os grupos são aspectos centrais para a compreensão do conceito de sociedade, pois não há discussões teóricas sobre a existência de uma sociedade sem indivíduos. E, por dedução, conclui-se que não haveria sociedade se não houvesse a capacidade do indivíduo se reconhecer pertencente a grupos; se ele não percebesse a partilha existente de atributos, valores, características, e crenças com outros indivíduos. Sem estas capacidades, como afirmou McGarty et al. (2002) o que se chama de sociedade não teria a dinâmica e nem a forma que se é compreendida na atualidade. E as referidas capacidades acabam por integrar as explicações para a realidade social dos indivíduos.

Uma outra função dos estereótipos sociais é a diferenciação social. Os estereótipos ajudam o indivíduo a identificar o grupo ao qual ele pertence. Entende-se como processo de diferenciação a capacidade de distinguir positivamente o seu grupo quando comparado com o grupo-do-outro. Visto que os estereótipos possuem em sua origem a ideologia que favorecerá a manutenção do status quo de um grupo dominante sobre o outro (Brown, 2010; Tajfel 1981; Techio, 2011).

O processo de diferenciação abordado na teoria das relações intergrupais caracteriza como se dá as relações existentes e explicam por meio dos aspectos cognitivos quais são os fatores que influenciam o comportamento com relação aos grupos de um modo geral. Os atributos do grupo ao qual o observador é membro, o “endogrupo”, serão sempre classificados

como traços positivos. Já os atributos que caracterizam o grupo do outro, o “exogrupo”, serão classificados como negativos. Pois, conforme Oakes et al. (1994) argumentaram, os estereótipos são formados para acentuar as diferenças entre os grupos e servem para dar sentido a realidade do observador.

A perspectiva de que o observador supervaloriza os atributos positivos a respeito do grupo ao qual pertence, e minimiza os atributos negativos que venha a perceber em seu grupo, é totalmente invertida quando se trata da percepção a respeito do “grupo-dos-outros” que terá sempre maximizado os atributos negativos, e desvalorizados os traços percebidos como positivos. E esta dinâmica se torna naturalizada, ou mesmo num mecanismo facilitador do preconceito e discriminação como afirmou Tajfel (1981).

Coadunando com o pensamento de Tajfel (1969), McGarty et al. (2002) acrescentou a necessidade de que os estereótipos sociais fossem partilhados para que tivessem alguma validade. Imagine se cada indivíduo tivesse um estereótipo diferente para determinado grupo, como se poderia chegar a uma previsão do comportamento dos indivíduos pertencentes a este grupo?

McGarty et al. (2002) teorizou que os porquês do compartilhamento, ou a forma como se processa o consenso sobre determinados atributos a respeito dos grupos estão embasadas num ambiente comum que proporcionaria estímulos comuns a pessoas diferentes, partindo daí estereotipias similares. Isto porque os grupos compartilham conhecimento, ideologias, representações culturais e ideológicas produzidas consensualmente pelo coletivo de indivíduos. Sendo toda esta realidade acrescida da ação volitiva e da dupla afetação da influência entre os membros do grupo.

O estereótipo, portanto, é partilhado dentro de uma afiliação social comum, e passa a funcionar como em critério de divisão em grupos próprios e grupos-dos-outros, de modo que as tradições, os aspectos culturais, os interesses de grupos, as perturbações sociais e diferenciações venham a ser sentidas como um sentimento comum.

Em outras palavras, a compreensão sobre o processo de compartilhamento das estereotipias nos grupos é dada pelo argumento de que elas são crenças normativas, as quais se estabelecem como meio de diferenciação entre os grupos; e por meio da influência social, estas crenças normativas se estabelecem num modelo de ação comportamental no que se refere a dinâmica de interação intergrupal (McGarty et al., 2002, McGarty, 1999).

Vários são os estudos experimentais que abordam a temática da acentuação das semelhanças existentes dentro de uma mesma categoria e das diferenças entre elas. De modo que as diferenças se constituem na base de sérios problemas quando são da ordem das percepções e dos comportamentos intergrupais. Pois a tendência natural de se compreender os aspectos do grupo ao qual o indivíduo faça parte se opõe a desqualificação do grupo que lhe é diferente. A diferença do exogrupo sempre será maximizada. Este processo é possível pela necessidade do indivíduo de pertencimento social, fazendo com o que ele se engaje e se implique com o grupo ao qual pertence, investindo nele a sua própria identidade.

c) Eles influenciam a percepção das pessoas

Uma das funções individuais da estereotipia refere-se a aplicação dos estereótipos como “hipóteses” a respeito do mundo social. Esta função sugere uma outra compreensão a

respeito da aplicabilidade social dos estereótipos: Os estereótipos influenciam a percepção do indivíduo sobre os eventos sociais (Tajfel, 1981). Em outras palavras, os estereótipos interferem na maneira como será percebida e interpretada as ações dos indivíduos que pertencem aos grupos alvos da estereotipia.

O modo como o indivíduo enxerga, percebe e interpreta o outro, os grupos e os eventos sociais são altamente influenciados pelo grupo ao qual pertence o observador. Pois “haveria uma tendência para selecionar e interpretar as informações que dispomos sobre os

indivíduos e grupos de maneira congruente com o que nós pensamos da categoria na qual nós as colocamos” (Sawaia, 2004, p. 60). E em decorrência desta avaliação é que são constituídas

as bases de atitudes preconceituosas, ora segregadoras e discriminatórias (Tajfel, 1981). Em uma situação hipotética, num contexto inter-racial, como interpretaria um sujeito de cor de pele branca uma cena ao avistar um negro correndo em uma rua com pouca iluminação e empurrando um indivíduo? Se tratava de um ato agressivo ou um empurrão amigável? Era uma brincadeira ou um possível assalto? Como poderia ser explicado o comportamento do indivíduo que deu um empurrão? Seria por conta de fatores internos, ou por questões situacionais? As questões levantadas são analisadas pela teoria da atribuição, pois ela busca estabelecer relações entre os estereótipos e a forma como eles influenciam a percepção e julgamentos dos observadores sobre um fato social e lhe atribui um significado a partir da estereotipia social do grupo ao qual o observado pertence.

Em seu experimento Ducan (1976) apresentou aos participantes um vídeo em que um alvo negro protagonizava uma cena na qual empurrava outro indivíduo, de igual modo, a cena foi gravada com um indivíduo branco sendo o protagonista da ação. Os participantes tiveram

acesso a apenas um dos vídeos com a cena em que o protagonista era um homem branco, ou a cena em que o protagonista era um homem negro. Como resultado do experimento, foi observado que 90% julgaram a cena como violenta, e a ação como agressiva quando o protagonista do vídeo era um homem negro. E tenderam a atribuir a causa do comportamento a um fator interno do protagonista. Porém, quanto a cena em que o protagonista era um homem branco, menos de 40% classificou como violento ou agressivo o empurrão. E atribuiu a causa do empurrão a causas situacionais.

Assim, os estereótipos podem ser a base explicativa para o fato de que pessoas de grupos diferentes possuam diferentes explicações para um mesmo fato social. E de como a estereotipia pode enviesar a percepção quando se trata da interpretação de um comportamento praticado por algum membro do exogrupo. Pois no julgamento dos comportamentos dos membros do exogrupo, o observador dirá: “Eles são assim!”. Como se houvesse uma naturalidade, um traço genético que caracterizasse aquele grupo. Entretanto, o mesmo comportamento quando proveniente de algum membro do endogrupo, sempre terá uma justificativa externa, situacional: “Isto aconteceu por causa daquele fator” ou relembrando do exemplo anterior, o observador relataria: “Alguma coisa provocou o branco a ponto de empurrar alguém”.

Portanto, os estereótipos desempenham um importante papel no processo de atribuição de sentido aos vários fatos da vida social do sujeito observador. Que passará a compreender a sua realidade a partir das estereotipias compartilhadas a respeito do alvo e podendo ele construir interpretações diferenciadas para um mesmo evento apenas pela disposição estereotipada do sujeito protagonista.