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Os estudos de Gênero no Brasil: Um pouco de sua história

C ALENDÁRIO

4. APRESENTANDO A QUESTÃO DE GÊNERO

4.5. Os estudos de Gênero no Brasil: Um pouco de sua história

No Brasil, os estudos que abordam as relações de gênero acompanham diferentes momentos dos movimentos sociais feministas. A partir da década de 1970, a emergência destes movimentos sociais consolidou novas forças políticas em vários lugares do mundo7. Esses movimentos sociais romperam a unidade das conceituações tradicionais e promoveram novas formas de entendimento do cenário mundial.

Segundo Santos (1996), os movimentos sociais identificam novas formas de opressão que extrapolam as relações de produção e atingem grupos sociais transclassistas ou a sociedade, advogando um novo paradigma social.

No atual contexto de incertezas políticas e acadêmicas, essas novas práticas sociais provocam novas questões para as Ciências Sociais. Os movimentos de mulheres e feministas surgem, no Brasil, a exemplo de outros lugares, a partir da década de setenta, do século XX. Mas a prática desses movimentos sociais tem apresentado, no final dos anos oitenta e no transcorrer dos anos noventa, novas formas de atuação e de inserção na sociedade.

Ao “dialogar” com a bibliografia consultada e com os estudos realizados por Silva (2003), percebi que a trajetória do movimento das mulheres, sejam populares e/ou feministas no Brasil, nos últimos vinte anos, reflete também a trajetória dos estudos de gênero no país.

Nos países capitalistas avançados, segundo Santos (1996), a crise da cidadania social corresponde a dois fenômenos ocorridos a partir do final da década de 1970: a crise do Estado de bem-estar social, que ele denomina de Estado

7 Nessa perspectiva, os estudos realizados por Silva (2003) apontam que esses movimentos sociais

anticoloniais, étnicos, raciais, de homossexuais, ecológicos e de mulheres, para citar os mais expressivos, despontam e modificam lugares e mentalidades.

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Providência e o movimento estudantil de 1968. Nesse sentido, o autor ainda afirma que a difusão social da produção (mostrando novas formas de opressão) e o isolamento político do movimento operário facilitaram a emergência de novos sujeitos sociais e novas práticas de mobilização social.

De acordo com estudos desenvolvidos por Bruschini (1994), o Brasil não passa impune por esses fenômenos. No mesmo período, o país vivia uma ditadura política que passa a ser abertamente questionada por operários em greve e por movimentos estudantis. Nesse período, embora a economia estivesse em expansão com a industrialização acelerada e a urbanização crescente, os salários deterioraram-se e o custo de vida subiu muito.

Assim, segundo estudos realizados por Teles (1993), a partir da década de setenta, se formam os primeiros movimentos de mulheres, principalmente em São Paulo, onde as mulheres da periferia, através das comunidades da Igreja Católica, reivindicavam ao Estado o atendimento das necessidades básicas como creches, melhoria salarial, além de reclamarem sobre o elevado custo de vida, unindo-se contra os preços abusivos. A reivindicação pelas creches era apontada como um dos principais problemas, pois as mulheres necessitavam trabalhar fora para auxiliar na renda familiar.

Para Soares (1994), “o movimento de mulheres nos anos de 1970 trouxe uma nova versão da mulher brasileira, que vai às ruas na defesa de seus direitos e necessidades e que realiza enormes manifestações de denúncia de suas desigualdades” (p. 13). Nesse sentido, percebo que a mulher, ao emergir do espaço privado para reivindicar no espaço público, tornou-se mais visível na sociedade, deixando os limites entre o público e o privado um pouco menos distantes.

Em 1975, a Organização das Nações Unidas (ONU) declara o início da Década da Mulher. No Brasil, surgem os primeiros grupos feministas comprometidos em lutar contra a desigualdade das mulheres. O crescimento expressivo da participação feminina no mercado de trabalho a partir dos anos setenta é apontado por Bruschini (1994) “como uma das mais marcantes transformações sociais ocorridas no país. A militância feminista chega aos sindicatos, mas sob a forma de departamentos

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femininos, sendo concretizados como uma das formas de inserção e de construção de espaços de poder” (p. 179).

Nos anos da década de 1980, de acordo com Silva (2003), as pesquisas realizadas sobre a temática passaram a apontar também o caráter relacional entre os sexos, o qual é construído socialmente a partir de relações de poder e, conseqüentemente, apresenta hierarquias que conduzem à desigualdade social. Isso evidencia que não basta apenas estudar as mulheres, é preciso estudar as relações sociais entre os sexos.

A partir dos anos noventa, houve uma dispersão dos movimentos feministas e uma flagrante institucionalização. Algumas dessas mudanças podem ser identificadas no rápido crescimento das Organizações Não-Governamentais (ONGs) feministas, aliadas a uma forte presença em fóruns nacionais e internacionais de discussão. A questão da igualdade ou da diferença torna-se crucial para o movimento feminista e para o debate acadêmico.

Fundamentada na bibliografia consultada, pude perceber que a maioria dos estudos teóricos ou as pesquisas empíricas realizados sobre essa temática estão alicerçadas nas Ciências Sociais, especialmente na Sociologia, na Antropologia e na História, estando a Geografia brasileira ainda um pouco tímida em seus estudos que analisam essas questões.

Conforme Colombara (1995)

(...) a Geografia, como ciência social, não pode ficar alheia à problemática feminista, cuja manifestação é palpável não só nas relações sociais, como também nas espaciais, ou seja, essas relações têm um cunho espacial. A geografia feminista interessa-se pelo estudo das desigualdades sócio- espaço-ambientais derivadas dos diferentes papéis reservados pela sociedade a homens e mulheres. Ignorar essas desigualdades na análise pode trazer os mesmos riscos que ignorar as diferenças de classes ou de raças, já que as relações de gênero e as relações de poder entre homens e mulheres estão imersas em todas as manifestações da sociedade (p. 217).

Atualmente, o debate sobre gênero parece estar mais restrito às Universidades, onde estão as feministas mais atuantes e às práticas limitadas das

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ONGs. Ambas com reivindicações específicas que se desenvolvem sob a ação de um Estado omisso.

Os estudos de Silva (2003) apontam que a crise econômica e o desemprego podem ser considerados como fatores de desmobilização. O país parece enfrentar um processo de descrença que impede grandes mobilizações populares, mas também é evidente que, embora a mulher esteja participando ativamente no mercado de trabalho, as relações sociais ainda são marcadas por relações de gênero. Trabalhadores e trabalhadoras são inseridos em setores ocupacionais do mercado de trabalho marcados por desigualdades atribuídas ao sexo.

Segundo os estudos realizados por Tonini (2002)

a temática sobre as mulheres no sentido de serem excluídas, negadas, silenciadas, ocultadas como sujeito da sociedade já vem sendo debatida há algum tempo, nos estudos de gênero contemporâneos. Esses estudos mostram os processos históricos a partir dos quais múltiplos discursos foram produzidos e autorizados para caracterizar e posicionar as mulheres nas diferentes instâncias de uma sociedade global. (p. 58)

A Geografia, como Ciência Social, não pode ficar alheia à problemática feminista, cuja manifestação é palpável não só nas relações sociais, como também nas espaciais, ou seja, essas relações têm um cunho espacial.

A Geografia interessa-se pelo estudo das desigualdades sócio-espaciais derivadas dos diferentes papéis reservados pela sociedade a homens e mulheres. Ignorar essas desigualdades na análise pode trazer os mesmos riscos que ignorar as diferenças de classes ou de etnias, já que as relações de gênero e as relações de poder entre homens e mulheres estão imersas em todas as manifestações da sociedade.

Assim, a Geografia brasileira precisa estar atenta para esses novos discursos e lançar mão da categoria gênero como mais um instrumento de análise de questões sociais que têm possibilitado produzir diferentes espaços geográficos. Incorporar as contribuições teóricas do feminismo e estudar como o espaço é modificado por

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esses movimentos é tarefa emergente para quem quer compreender as territorialidades dos setores ocupacionais no mercado de trabalho.