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CAPÍTULO I: Língua, gêneros discursivos e ensino

1.2 Os gêneros do discurso como práticas sociais: o ponto de vista de

1.2.1 Os gêneros discursivos e a sala de aula de LE

A complexidade e a variedade de gêneros existentes conformam um leque abrangente e um repositório sem fim de exemplos de comunicação real13 à disposição dos docentes, especialmente para serem trabalhados nas aulas de línguas, materna e estrangeiras. Trabalhar com este material no contexto de ensino e aprendizagem demanda tempo para a preparação das aulas, já que se trata de um material extra, isto é, que não se encontra em livro didático, escolhido e separado pelo professor, e também requer uma sensibilidade do docente ao selecioná- lo, posto que terá que fazer ganchos com os conteúdos trabalhados em aula.

Posto isso, usar os diferentes gêneros discursivos dentro de sala de aula de línguas vai de encontro com um aprendizado amplo, abrangendo as diferentes manifestações culturais, em detrimento do ensino de língua tradicional, em que se dá muita ênfase e se separa muito tempo para trabalhar aspectos gramaticais, geralmente fora de seu contexto. Levando em consideração essa preocupação com o ensino de línguas os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) sugerem que o trabalho com a LE seja feito a partir da exploração dos diferentes gêneros do discurso, ao afirmar que “o estudo dos gêneros discursivos e dos modos como se articulam proporciona uma visão ampla das

13 Aqui definimos como comunicação real o uso de textos reais, os que não foram manipulados para o estudante que está aprendendo uma língua, de acordo com o seu nível de aprendizagem.

possibilidades de uso da linguagem, incluindo-se aí o texto literário” (p. 8). Assim como os PCNs, os Parâmetros Curriculares de Santa Catarina (2005) compartilham a mesma opinião, e elencam a diversidade de atividades que pode resultar do trabalho com os gêneros:

Analisando os gêneros mais diversos, observando a especificidade desses gêneros, pode-se transitar no “conteúdo e na forma”: estudar a unidade temática e estrutural, comparar e perceber as diferenças entre os textos, construir sua estrutura a partir das reflexões feitas em sala de aula, comparar textos de países que falam a mesma língua e perceber a veiculação cultural de cada um, refletir sobre as estruturas fonéticas, morfológicas, sintáticas (em comparação com a língua materna), discutir sobre as relações dos países e suas colônias, ler as publicações brasileiras e da língua estrangeira sobre o mesmo tema para perceber as abordagens (p. 11).

Bagno (2009), em consonância com o que afirmam e sugerem os PCNs, defende que a educação linguística deve focar-se no letramento do aluno, isto é “a plena inserção desses sujeitos na cultura letrada em que eles vivem (p. 86)”. O aprendizado de uma língua, seja esta materna ou estrangeira, a partir da apresentação e análise de seus diferentes usos, que são reais, apenas irá contribuir para este letramento. Apenas a apresentação destes diversos gêneros não é suficiente para que exista um estudo real da língua, sendo que “para que as pessoas possam ler e escrever bem, elas têm que ler e escrever, ler e escrever, ler e escrever, reler e reescrever, re-ler e re-reescrever” (ibid).

Biber e Conrad (2009) apontam a importância de se conhecer e praticar as características específicas daquilo que se pretende estudar. “Sucesso requer o aprendizado de padrões de linguagem específicos que são esperados para situações e propósitos comunicativos particulares14” (p. 3). Transferindo esta linha de pensamento para o contexto dos gêneros textuais e trabalhos tradutórios que se podem desenvolver a partir daí, é importante explorar as características de comunicação de cada gênero que se pretende explorar, para que o aluno possa criar uma

14 “Success requires learning the particular language patterns that are expected

relação natural – a partir do momento que conhece as suas características - com as diferentes situações de produção textual.

Retomando as funções que desempenham os gêneros discursivos apresentadas por Cassany (2008), a segunda característica, função interpessoal, se torna importante quando transposta para o contexto escolar. Conhecendo os diferentes gêneros, tanto orais como escritos, e suas diferenças de formalidade e informalidade, os alunos perceberão as diversas formas de manifestação linguística, o que facilitará a criação de estratégias para a sua própria produção escrita e oral. Desta forma, os discentes poderão perceber de forma mais estruturada que não é o mesmo enviar um e-mail a um amigo e um ao professor, para citar um exemplo. O processo de ensino e aprendizado da LE praticado através do constante contato com textos reais de comunicação proporcionará aos estudantes a percepção de pontos que devem melhorar, como léxico, registro, estrutura, etc., transformando-o em um “usuário” mais funcionalista da língua. Isto é, são mudanças determinantes para um bom resultado comunicativo.

Abordar os diferentes gêneros do discurso em aula também pode ter como objetivo focar-se em elementos do texto como: “(i) natureza da informação ou do conteúdo veiculado; (ii) nível de linguagem; (iii) tipo de situação em que o gênero se situa; (iv) relação entre os participantes e (v) natureza dos objetivos das atividades desenvolvidas” (MARCUSCHI, 2010, p. 36). Isto é, são elementos que perpassam os tópicos gramaticais, os quais, muitas vezes recebem uma atenção demasiada pelos professores quando ensinam a gramática por si só. Assim como posto na introdução desta pesquisa, é muito mais enriquecedor para o aprendizado de uma língua estrangeira que o aluno não fique restrito ao campo linguístico e passe a observar também outros elementos que fazem parte dos gêneros discursivos e que os determinam.

Vale ressaltar que as regras de gramática devem ser trabalhadas em sala de aula, pois fazem parte do processo de ensino de uma língua. Todos os sujeitos que utilizam a língua, o fazem a partir de um conhecimento já estabelecido de esquemas gramaticais e, ao se manifestar, há regras de ordem de uso das palavras, ou seja, não há liberdade para inventar. “Se alguém é falante de uma língua, ele domina as regras dessa língua” (MARCUSCHI, 2008, p. 56). No entanto, defendemos que a gramática seja abordada dentro de um contexto de comunicação real, para que o discente possa fazer uma ponte entre a regra e o seu uso e, efetivamente, colocar o conhecimento gramatical em prática.

1.2.2 O gênero publicidade dos anos 50 e 70 e sua riqueza