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OS IMPACTOS DO TURISMO NO TERRITÓRIO E NO AMBIENTE

impactos do turismo, levando-os à construção de modelos que descrevem o desenvolvimento

turístico dos lugares. Neste sentido alguns destes modelos68 são apresentados de forma que se extraia deles sua idéia central. Miossec (1976), Thurot (1980), Plog (1973; 2002), Butler (1980) e Gormesen (1981) convergem na compreensão sobre o funcionamento e a evolução

68 Os estudos de Florence Deprest (2004) foram fundamentais para possibilitar esta revisão teórica, porém não foram os

únicos consultados. Autores como Plog (2002) e Thurot (1980) puderam ser analisados em suas obras originais. Outros, porém, não foram localizados por esta pesquisadora, sendo necessário utilizar de análises realizadas por outros pesquisadores.

do turismo sobre o território, embora apresentem diferenciações em escala69, abordagem70 e modos de representação71.

De modo geral pode-se iniciar o processo histórico evolutivo da interferência do turismo no território com um primeiro período, que Miossec (1976 apud DREPEST, 2004) denominou de “pré-turismo” e Butler (1980 apud DEPREST, 2004) de “fase de exploração”. Nesse primeiro período, o local até então periférico e desconhecido, é descoberto pelos turistas. Por pertencer a uma periferia, o seu acesso não é fácil e a sua economia conhece formas de subdesenvolvimento. Para todos os autores, este primeiro período turístico é entendido como um fenômeno pioneiro. Os descobridores são em pequeno número, descritos como originais, que não receiam a aventura e são capazes de aceitar condições rudimentares (PLOG, 2002). Este período não se caracteriza por apresentar mudanças significativas no território.

O segundo período pode ser resumido como uma fase onde o sistema de turismo se integra ao local, ou seja, uma estrutura mínima sobre o território é desenvolvida de modo que permita a comercialização de produtos turísticos. Alguns autores aprofundam a análise desta fase enquanto outros não o fazem, mas todos salientam que se inicia neste segundo período um aumento do volume de turistas no destino. Para responder às expectativas destes visitantes, aumenta-se o volume de alojamentos e os seus modos diversificam-se. Ampliam-se a acessibilidade e os meios de transporte que conduzem ao local, e as atividades econômicas vinculadas ao turismo se tornam mais complexas. Por um lado, a população local é diretamente beneficiada por meio da criação de empregos às classes sociais “menos favorecidas”, por outro lado o local assiste à chegada de grandes investidores externos como as cadeias hoteleiras e as operadoras de turismo (BUTLER, 1980 apud DEPREST, 2004). O

desenvolvimento corresponde, portanto, a um período de importantes transformações físicas.

Por fim, sem pormenorizar períodos intermediários entre os aqui expostos, embora sejam aprofundados por diversos autores, o terceiro período compreenderia o de declínio do

destino. Todos os autores convergem ao afirmar que a grande presença de turistas modifica

consideravelmente o local, até levá-lo a seu declínio como destino turístico. Surgem problemas ligados ao ambiente (degradação da qualidade da água, destruição da paisagem, etc.), à qualidade dos serviços (transportes, alojamento, etc.) e a fatores sociológicos (aumento da prostituição, da criminalidade, do uso de drogas, dos conflitos entre turistas e a população

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Alguns analisam grandes bacias turísticas (Plog, 1973; Gormsen, 1981), outros privilegiam o espaço turístico regional (Miossec, 1976), outros as estâncias (Butler, 1980), etc.

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Plog (1973) aborda os tipos de populações que percorrem os espaços turísticos, enquanto Gormesen (1981) a definição de periferias do turismo, e Butler (1980) o crescimento da população turística.

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local, etc.). A atração e o número de turistas diminuem. O local passa a interessar apenas às populações marginais, que têm dificuldades em conhecer destinos distantes, ou às populações que preferem destinos turísticos reconhecidos como tal (PLOG, 2002). Assim, o excesso de turistas acaba por destruir as características originais que fizeram o turismo se desenvolver.

É dos estudos sobre a evolução do desenvolvimento do turismo no território que se aplica o conceito de capacidade de carga, derivado de outras áreas de conhecimento científico, mas que passa a ser amplamente utilizado no turismo. Deprest (2004) traduz com propriedade o raciocínio que toma conta de diversos pesquisadores para que se apropriem das concepções sobre capacidade de carga de forma a evitar a destruição dos lugares promovida pelo turismo:

Se o local apresenta problemas é porque há turistas em excesso. Se há turistas em excesso é porque existe um limite para lá do qual surgem os problemas. Assim, a esperança é possível. Pode-se evitar o fim inexorável da destruição. Basta não ultrapassar o limite. Basta não ter turistas em excesso. (DEPREST, 2004:40)

Observa-se, portanto, o estabelecimento da contradição entre a preservação dos atrativos e a promoção do turismo e a necessidade, por parte de pesquisadores, gestores, entre outros, de partir em busca de soluções de acordo com suas vertentes ideológicas.

O excesso de turistas e o estabelecimento de limites de visitação e de formas de controle do desenvolvimento turístico são temas aos quais os pesquisadores têm se dedicado, gerando um campo muito amplo de teorias, metodologias e fórmulas que buscam preservar a qualidade da experiência turística e os atrativos turísticos da degradação. Porém, reconhece-se uma incapacidade de formular um cálculo que possa servir de base para o estabelecimento de um limite de visitação que seja aceitável, uma vez que os cálculos envolvem avaliações subjetivas por parte de urbanistas, ambientalistas, populações locais, turistas, etc. (DEPREST, 2004).

De modo geral, todas as definições para capacidade de carga tratam dos impactos negativos sobre recursos naturais, sócio-culturais e sobre o aproveitamento da experiência por parte do visitante. Entende-se por capacidade de carga total de um destino, por exemplo,

o máximo uso que se pode fazer dele sem que causem efeitos negativos sobre seus próprios recursos biológicos, sem reduzir a satisfação dos visitantes ou sem que se produza efeito adverso sobre a sociedade receptora, a economia ou a cultura da área (OMT, 2002: 248).

A capacidade de carga também pode ser definida como “o número máximo de visitantes (por dia/mês/ano) que uma área pode suportar, antes que ocorram alterações nos meios físico e social” (BOO, 1990:225). Neste caso, sua determinação irá depender do tipo e

do tamanho da área, do solo, da topografia, dos hábitos das pessoas, dos hábitos da vida selvagem (animais), e do número e da qualidade dos equipamentos instalados para atender aos turistas.

Embora o conceito de capacidade de carga do turismo tenha seus méritos, a tradicional preocupação em tentar determinar limites explícitos do uso desse conceito tem dificultado seu emprego em termos de gerenciamento. Aparentemente existem muitos fatores restritivos complexos e inter- relacionados que prejudicam seu uso. (WILLIAMS e GILL, 2002: 249)

Uma grande dificuldade está na necessidade de determinar limites fixos para o desenvolvimento, pois parte-se do pressuposto de que não ocorrerá a deterioração dos recursos turísticos se a visitação do destino for mantida abaixo dos limites preestabelecidos. Na prática, todas as modificações que ocorrem num território têm um efeito somatório, de modo que é preciso admitir e justificar certo grau de mudança em todos os estágios de desenvolvimento do turismo, independentemente de se respeitar um valor fixo estabelecido como capacidade de carga.

O Limite Aceitável de Câmbio (LAC) pode ser compreendido como uma adaptação do conceito de capacidade de carga, uma vez que considera o processo de intervenção territorial constante estabelecido pelo turismo.

O sistema LAC é um esquema utilizado para estabelecer o emprego aceitável e adequado dos recursos agora com uma ênfase principal nas condições desejadas na área e não na carga de uso que uma área pode tolerar. O processo combina um sistema de medida e de planejamento, mas como os autores ressaltam, é um processo – não uma política ou um número definido. Ainda exige decisões políticas quanto ao que é aceitável, e, evidentemente, as percepções pessoais constituirão um fator de interpretação em todos os estágios do processo. (MURPHY, 2002: 195-196)

A capacidade de carga, o limite aceitável de câmbio, ou qualquer outra concepção derivada da busca de equilibrar o uso dos recursos por meio da limitação do número e freqüência de visitantes em lugares turísticos, será “um juízo que implica decisões, tendo em vista objetivos que se julgam apropriados ao lugar, e efeitos sociais e ambientais atrelados a estes objetivos” (STANKEY apud DEPREST, 2004:52). Nessa lógica72, pode-se classificar a capacidade de carga como uma noção importante, mas, ainda assim, superficial se cotizada com a real necessidade de compreender a dinâmica dos eventos que ocorrem durante o processo de evolução histórica e espacial de um destino turístico.

Ruschmann (1997) afirma que tanto a teoria como a prática da determinação da capacidade de carga e de técnicas de zoneamento de ambientes frágeis estão se tornando uma

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Cabe destacar que as noções de sustentabilidade no turismo também estão embebidas em subjetividades, não sendo, portanto, por escolha da pesquisadora, pormenorizado neste momento.

constante nas ações para o desenvolvimento de novos destinos turísticos, bem como nas ações para recuperação de destinos já existentes, principalmente no que diz respeito às microrregiões. Para essa pesquisadora, os estudos de capacidade de carga têm permitido chamar a atenção para as inter-relações entre sociedade, meio ambiente e economia, promovendo um maior reconhecimento da importância dos recursos socioculturais e do meio ambiente para o turismo.

Porém, enquanto os estudos estiverem buscando provar que os recursos ambientais e socioculturais são importantes para o turismo, os “impactos” continuarão ocorrendo, e com boas justificativas para tal. Ao mesmo tempo em que tentativas de controle do desenvolvimento de atrativos e destinos turísticos são difundidas e aplicadas mundo afora, novos casos de destinos turísticos desafiam pesquisadores por apresentarem declínio de visitação, alto índice de poluição, especulação imobiliária, miséria e pobreza.

Harvey (2006) afirma que “todo exame crítico com relação à natureza é simultaneamente, um exame crítico da sociedade” porque as noções acerca do meio ambiente são noções que justificam os processos capitalistas, a produção do capital. As próprias definições para termos como “recursos naturais” são relativizadas segundo uma avaliação cultural, técnica e econômica de elementos e processos da natureza em constante mudança. Essa avaliação refere-se a um estado de conhecimento e uma capacidade de compreensão e comunicação discursiva que varia historicamente e geograficamente. Para ele, a própria história do capitalismo tem demonstrado que avaliações técnicas e econômicas podem mudar rapidamente e a soma de dimensões culturais amplia ainda mais essa fruição e variabilidade nas definições. Os objetivos e as metas da sociedade variam de acordo com a forma como os desejos humanos são institucionalizados, discursivamente expressos e politicamente organizados.

Harvey (2006) afirma que os elementos e processos na natureza também mudam constantemente. Não apenas porque mudam independente de qualquer coisa que o homem faça, mas também porque os seres humanos operam práticas materiais transformadoras constantes, em uma variedade de modos, com todos os tipos de destinos, e todos os tipos de conseqüências involuntárias.

What is then evident is that all debate about ecoscarcity, natural limits, overpopulation, and sustainability is a debate about the preservation of a particular social order rather than a debate about the preservation of nature

per se. Ideas about environment, population, and resources are not neutral.

They are political in origin and have political effects. (HARVEY, 2006: 148) O que é então evidente é que todos os debates sobre eco-escassez, limites naturais, superpopulação e sustentabilidade é um debate sobre a preservação

de uma determinada ordem social, em vez de um debate sobre a preservação da natureza em si. Idéias sobre o ambiente, a população e os recursos não são neutras. Elas são políticas de origem e possuem efeitos políticos. (HARVEY, 2006: 148 – tradução minha)

Os estudos acerca das formas de controle dos impactos do turismo no ambiente não permitem compreender sua complexidade, mas sim justificar o uso econômico do recurso natural pelo turismo, e sua manutenção. Pensar o território e o espaço como um palco onde o turismo se manifesta, e o ambiente como um fornecedor de “matéria-prima” para que o turismo possa se manifestar tem suas conseqüências73. Com base em algumas conseqüências que já se evidenciam no país, busca-se uma nova compreensão do turismo. Parte-se, portanto, de um pressuposto teórico que permite compreender o turismo e sua relação com o território e o ambiente como indissociáveis, onde território e espaço não são ambos, palcos inertes. Este pressuposto se constrói com base em alguns estudos de outras áreas de conhecimento, com destaque à geografia, como será apresentado a seguir.