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Visando o propósito especificado no título, serão apresentadas inicialmente, as acepções acerca da gestão do território para, em seguida, abordar noções de ordenamento territorial e destacar, dentre alguns de seus instrumentos, um que, em hipótese, possibilita um ordenamento territorial do turismo.

A gestão do território, segundo Corrêa (1996: 23) “é a dimensão espacial do processo de gestão, vinculando-se ao território sobre controle de um Estado, grupo social, instituição ou empresa”. Refere-se ao conjunto de ações que objetivam a criação e o controle da organização do espaço, a gestão das diferenças espaciais segundo o processo de acumulação capitalista.

A gestão do território possui uma historicidade que se traduz em agentes sociais e práticas espaciais distintas, historicamente variáveis. Neste sentido, afirma-se que nas sociedades de classes a gestão do território é um meio através do qual é viabilizada a criação e a manutenção de diferenças econômicas e sociais. (CORRÊA, 1996:23)

Para Becker (1991:178) “a gestão do território corresponde à prática das relações de poder necessária para dirigir, no tempo e no espaço, a coerência das múltiplas finalidades, das decisões e ações”, ou ainda, “a prática estratégica, científico-tecnológica do poder no espaço- tempo” (BECKER, 1991:179). Em sua acepção, a gestão do território deriva da atuação do Estado e de outros atores (hegemônicos ou não) em uma disputa de recursos. Essa disputa resulta em conflitos, onde o território se torna, em si, uma arena política, e a gestão do território, uma prática de poder.

No contexto de um estado que gere pressões, rompidos o planejamento e a gestão centralizados, não são mais apenas o território e o poder do estado que estão em jogo, mas sim o território e o poder ao nível local. (BECKER, 1991:179)

A concepção de Becker (1991) é diferente da concepção de Corrêa (1996), onde a gestão do território é normativa, é um processo de organização dos usos do território. Embora diferentes, as noções complementam-se, gerando uma acepção de gestão de território como um processo de organização de seus usos e uma prática de poder (LEITE, 2001:7). Cumpre destacar que essas acepções acerca da gestão do território ressurgiram a partir do reconhecimento das limitações do planejamento enquanto um “instrumento técnico e centralizado de intervenção estatal para ordenar o território” (BECKER,1991:178). A partir do reconhecimento dessas limitações, diversas noções relacionadas à gestão do território passam a ser observadas em publicações distintas, onde cabe destacar o planejamento territorial e o ordenamento territorial.

O Ministério da Integração Nacional (MI) faz referência ao planejamento territorial como “um conjunto de diretrizes, políticas e ações programadas, com vistas a alcançar um ordenamento e uma dinâmica espaciais desejados” (MI, 2006:16), e considera que “o ordenamento territorial não é um conceito claro e definido, mas sim um conceito em construção”, que depende em grande parte dos contextos e objetivos dos Estados-nação ou blocos supranacionas que o propõem (MI, 2006:16). Nesse sentido, afirma que a referência mais adotada para o ordenamento territorial é a Carta Européia de Ordenação do Território, que o define como

a expressão espacial da harmonização de políticas econômica, social, cultural e ambiental, micro e macrorregionais, ora ciência, ora técnica administrativa, ora política pública concebidas com enfoque interdisciplinar e global, cujo objetivo é o desenvolvimento equilibrado das regiões e a organização física do espaço, segundo uma diretriz. (CEOT/CEMAT apud MI, 2006:16)

No Brasil, o ordenamento territorial foi estabelecido legalmente na Constituição Federal76, competindo à União: “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social”. Embora não exista uma definição legal para o ordenamento territorial, explicações a seu respeito podem ser encontradas em documentos do governo:

O ordenamento territorial é a regulação das ações que têm impacto na distribuição da população, das atividades produtivas, dos equipamentos e de suas tendências, assim como a delimitação de territórios de populações

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indígenas e tradicionais, e áreas de conservação no território nacional ou supranacional, segundo uma visão estratégica e mediante articulação institucional e negociação de múltiplos atores. (MI, 2006:18)

De modo geral, pode-se depreender que o objetivo do ordenamento territorial é adequar as necessidades humanas decorrentes da ocupação e do uso do solo às condições do território a ser ocupado. Em outras palavras, é organizar convenientemente os meios para se obter os usos do território mais desejados.

Nesse sentido, Becker (1991:180) relaciona o ordenamento territorial com o zoneamento, considerando o primeiro um instrumento técnico inicial do segundo. Para ela, ordenar pressupõe zonear planejadamente.

Na verdade, ordenação e zoneamento não têm apenas um significado técnico. Eles constituem um instrumento político afiado, na medida em que orientam a divisão e a reorganização do espaço, criando novos territórios. Ordenar é dispor as atividades e os homens segundo uma lógica e uma estratégia dominantes, e seu instrumento técnico é o planejamento, do qual o zoneamento é um dos elementos integrantes. (BECKER, 1991:180)

O zoneamento geralmente envolve duas noções. Uma envolve a idéia de segregação espacial de possíveis formas de uso do território, de forma imposta ou indicada, com objetivo de evitar externalidades negativas e promover eficiência técnica e alocativa. A outra, diz respeito a um mapeamento das informações existentes, visando classificar o espaço em zonas, de forma a subsidiar processos de planejamento e gestão tanto em âmbito privado quanto público para a otimização do uso do território e maximização do bem-estar social. (CHAVES, 2000:9)

No Brasil, o zoneamento geralmente se encontra associado a instrumentos de ordenamento territorial em diferentes escalas, como nacional, regional e local. Esses instrumentos geralmente envolvem normas de uso do território, manifestados em âmbito urbano ou rural. Em âmbito de zoneamento urbano, por exemplo, é utilizado o Plano Diretor. Em âmbito rural, o zoneamento agrícola (ou agroecológico). Mas é no âmbito do zoneamento ambiental, que um instrumento em específico merece destaque: o Zoneamento Ecológico- Econômico (ZEE). Ele se ocupa de “proteger” determinados recursos ambientais contra a expansão de atividades econômicas potencialmente degradadoras, como outros instrumentos de zoneamento ambiental, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), por exemplo, mas ele é ainda mais abrangente. A proposta do ZEE envolve um instrumento de ordenamento territorial e zoneamento capaz de considerar a totalidade do espaço, entendida como fundamental para considerar os diversos usos do território que concorrem ou

interagem entre si. Fundamental, portanto, para considerar o turismo como um uso do território e promover seu ordenamento territorial.

O ZEE, na medida em que objetiva “articular instrumentos de gestão territorial e ambiental em sentido amplo” (MMA, 2006: 11), apresenta possibilidades de planejar conflitos e envolver diferentes políticas e atores na busca de desenvolvimento integrado do território. Um instrumento com esses objetivos pode ser importante para considerar o uso que o turismo faz de um território e o uso que se quer fazer por meio do turismo, em conjunto com outros usos que estejam sendo feitos ou que se planeje fazer por outros setores. Principalmente quando, até o momento, se desconhece os meios para um planejamento efetivamente integrado do turismo.

Considerando que o turismo é um uso do território e que o ZEE é um instrumento de ordenamento e gestão territorial que se propõe a identificar e disponibilizar dados para o planejamento dos usos do território e conflitos deles derivados, cabe questionar se o ZEE tem considerado o turismo em seu escopo, como um dos usos múltiplos do território em suas diretrizes operacionais. Mas para isso, é preciso conhecer minimamente seu contexto histórico, suas concepções, sua metodologia e seu estado da arte, temas que serão tratados no capítulo a seguir.