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PARTE II. Investigação empírica

CAPÍTULO 6. Apresentação e discussão dos resultados

6.3. Os incidentes e eventos adversos

Os incidentes e eventos adversos foi outro domínio que emergiu da análise de conteúdo das entrevistas, dividindo-se por sua vez em três categorias, como representa a figura 7.

Figura 7: Categorização dos incidentes e eventos adversos

Ocorrência de traumatismos físicos nos doentes

O sistema nacional de notificação é composto por 15 tipologias de incidentes que correspondem às 13 tipologias da estrutura concetual da classificação internacional sobre segurança do doente, sendo que, pela sua importância, se adicionaram as quedas e as úlceras de pressão (Portugal, MS, DGS, DQS, 2014b). A ocorrência de lesões físicas nas instituições de saúde, não pode ser considerado um acontecimento normal, contudo 10 dos enfermeiros deste estudo descrevem-no como uma realidade. Para E1“(…) as quedas, sem dvida, se calhar, não digo o nico, mas o principal”. Já E8 considera que embora os incidentes mais frequentes se relacionem com terapêutica “(…) com menos frequência ser a queda de doentes agitados (…) outra situaão serão as lceras de pressão”. Estas afirmações confirmam a importância que estes acontecimentos têm, principalmente pela sua frequência. Os incidentes e eventos adversos Principais incidentes e eventos adversos Principais causas de incidentes e eventos adversos Atitudes dos enfermeiros face à ocorrência

Falhas com equipamentos técnicos

As “(…) falhas com materiais, falhas de sistemas informticos” E14, a “(…) troca de um dialisador” ainda que “(…) nada que prejudique diretamente o doente” E2 ou “s vezes não ter o material preparado em tempo til” E12, são acontecimentos que podem em algumas circunstâncias provocar a ocorrência de incidentes ou EA. Estamos na presença de falhas latentes do sistema que se revelam em determinadas circunstâncias (Serranheira, et al., 2009).

Relacionados com a terapêutica

Todos os estudos analisados referem os erros de medicação como uma das tipologias mais frequentes de incidentes e EA (Andrés, et al., 2006; Portugal, MS, DGS, 2014a; Leape, et al., 1991; Rodríguez-Suárez, et al., 2012; Thomas, et al., 2000). Os participantes no nosso estudo destacam esta tipologia como a mais frequente, descrevendo que “(…) o mais frequente de todos é realmente na administração de terapêutica. Os enganos na medicação. Há pouquíssimo tempo aconteceu precisamente uma situação de erro de dosagem, não traz consequências para o doente, (…) mas de qualquer forma foi identificado e foi passado, (…) foi corrigido logo na altura e resolveu-se” E8. O que revela que existe preocupação em aprender e corrigir os processos que levam ao erro. Também o “(…) erro de prescrião (…)  frequente, mas tambm não sei dizer quantas vezes… acontece muitas vezes não estar adequado ao doente ou por exemplo, o doente já não ter acessos endovenosos e eles mantêm a prescrião durante N tempo” E6. Esta descrição revela alguma falha de comunicação entre quem deteta e quem prescreve.

Relacionados com comunicação ineficaz

As falhas na comunicação são uma das principais causas de diminuição da qualidade, da ocorrência de erros no tratamento e de danos potenciais para o doente (Who, 2007). Neste sentido E7 alerta que “por vezes, não passamos a informaão mais correta, relativa  medicação do domicílio e torna-se um pouco difícil controlar a medicação que os doentes trazem de casa com a medicação que está prescrita e isso pode trazer algumas alterações no doente”. São cinco os participantes que descrevem incidentes relacionados com falhas de comunicação, o testemunho aqui transcrito é bem representativo desta realidade.

Relacionados com troca de identidade

Preocupada com os erros de identificação dos doentes a DGS emitiu em 2011 uma orientação relativa à identificação inequívoca dos doentes em instituições de saúde (Portugal, MS, DGS, DQS, 2011c). Apesar da referida orientação e da preocupação dos

Principais causas de incidentes e eventos adversos F

- Relacionadas com o enfermeiro 12

- Relacionadas com a estrutura organizacional 13

- Relações de equipa 4

profissionais com a forma de identificação dos doentes as trocas de identidades ainda se verificam, como se infere das descrições feitas por três participantes. Transcrevemos a descrição de E17, como exemplo: “(…) vão havendo incidentes, por exemplo um registo feito num processo que não é relativo a esse doente, uma eventual troca de medicação, que não é muito frequente,  pouco frequente, mas não vamos dizer que não possa existir (…)”

Relacionadas com o enfermeiro

Na raiz da causa de cada incidente ou EA podem estar múltiplos fatores. Da leitura das entrevistas efetuadas, individualizamos três, o humano, o organizacional e o relacional. As características individuais e/ou sociais dos intervenientes no processo de prestação dos cuidados de saúde são elementos a considerar na análise das situações que originam acontecimentos adversos (Serranheira, et al., 2009). Neste estudo 12 participantes consideraram que algumas características dos enfermeiros estão na origem de incidentes e EA. A “desmotivaão relacionada com a carreira, cada vez pagam menos e vimos para c… mesmo que gostemos da profissão, não somos valorizados” E14 e outros fatores relacionadas com o ser humano como: “o cansao, o stresse próprio do profissional de enfermagem, muitas vezes a falta de conhecimentos (…)” E11 ou “(…) a distraão (…)” E5 e o “(…) automatismo (…)” E2, são fatores salientados pelos participantes. Nos estudos que analisámos, estes não foram os fatores mais importantes enquanto causas de erro, todavia tiveram grande frequência na amostra estudada.

Relacionadas com a estrutura organizacional

Outra área que segundo os participantes pode estar na origem de incidentes e EA relaciona- se com a estrutura organizacional do trabalho. Os entrevistados descrevem que: “(…) o excesso de trabalho pode estar na origem de quedas, por exemplo. (…) a identificaão dos doentes e quanto a isso penso que deveria haver alguma coisa que identificasse o doente ao longo do internamento (…) em relaão  medicaão, existem problemas com a unidose, alteraão de terapêutica não comunicada (…)” E1 e “quando estamos de medicaão, toda a gente conversa connosco, nunca deveria ocorrer (…) quanto s lceras, uma ineficaz implementação das escalas que existem” E8. Estas descrições revelam aspetos organizativos com potencial de correção no sentido de melhorar a segurança do doente.

Atitudes dos enfermeiros face à ocorrência F

- O enfermeiro assume a responsabilidade 9

- A atitude do enfermeiro é em função da sua personalidade e das

consequências percecionadas 12

Outros estudos revelaram questões de organização como causas primárias de erro, como o deficiente rácio profissional de enfermagem doente e a carência de recursos humanos no hospital (Lima, 2011) ou a falta de enfermeiros e interrupções durante a preparação de um medicamento (Raimundo & Dias, 2012).

Relações de equipa

A comunicação e a colaboração ineficiente, são causas não descuradas por quatro dos participantes, revelando com declarações como “(…) não h muita colaboraão entre auxiliares e enfermeiros e as coisas s vezes…” E15 e afirmando que “(…) a falta de comunicaão (…)” E18, que existe alguma dificuldade de cooperação entre profissionais de saúde. As falhas de comunicação estão entre as três causas primárias de erro mais apontadas (Lima, 2011).

O enfermeiro assume a responsabilidade

Grande parte dos enfermeiros entrevistados tem consciência da sua responsabilidade e assume os seus erros até porque é uma forma de minimizar a angústia e sentimento de culpa pelo que aconteceu. Como refere E2, “(…) quando erro, normalmente tenho sempre um grande peso de consciência e sou logo a primeira pessoa (…) a dizer que errei e tento corrigir (…)” Este sentimento foi tambm identificado por O'Connor, et al. (2010).

No seu estudo Eiras et al.(2011) concluíram que a abertura na comunicação ainda carece de melhorias, obtendo uma percentagem de 52% de respostas positivas. Embora os enfermeiros tenham uma atitude positiva face ao erro, a sua ação pode variar de acordo com o supervisor e a maior ou menor abertura na comunicação existente na organização. A este respeito dois entrevistados consideram que “aqui é um pouco difícil não admitir, pois o chefe controla tudo” E6 e que “(…) acho que h um bocado de renitência, se calhar  mais fácil comunicar a um colega e tentar resolver a coisa com o colega do que chegar à hierarquia mais próxima” E12, revelando assim alguma dificuldade na relação hierárquica.

Pelo número de notificações reais obtidas em vários estudos (Bruno, 2010; Eiras, et al., 2011; Lima, 2011), podemos concluir que embora se assumam os erros, estes são pouco notificados.

A atitude do enfermeiro é em função da sua personalidade e das consequências percecionadas

A personalidade do profissional é referida como um modulador da sua atitude face à ocorrência de incidentes e EA. Para E3 “(…) apenas uma pequena parte o admite e penso que mesmo esses terão dificuldade em comunicá-lo aos seus superiores”, E10 refere que “(…) depende da pessoa, depende da personalidade de cada um, se é uma pessoa que por norma  orgulhosa não vai admitir que fez um erro”. Por outro lado a responsabilidade profissional enraizada nos enfermeiros leva-os a experienciar sentimentos de culpa quando algum erro acontece, dificultando a sua comunicação. A quebra de confiança na competência profissional perante a equipa e mesmo perante o doente é um dos fatores que leva à não divulgação do erro (O'Connor, et al., 2010). A este propósito E8 refere que “Eu vejo muitos enfermeiros a “torturarem-se” s vezes por pequenos erros que cometem no dia a dia (…) acrescentando que “Têm  dificuldade em admitir os erros por causa da grande responsabilidade que sentem na execuão das suas tarefas (…).

Se existem pessoas que encontram na divulgação do erro uma forma de minimizar o seu sentimento de culpa, outras há que por receio de punição ou falta de abertura na comunicação com os pares ou superiores não conseguem expressar o que aconteceu e vivem na angústia e auto culpabilização. A frustração da falha, os sentimentos morais pelo dano causado, os receios de punição associados ao receio pela saúde do doente colocam o profissional de saúde (segunda vítima) num contexto de enorme ansiedade (Fragata, 2010). A descrição seguinte ilustra bem este problema: “Dependendo de quem for o responsvel, assim é a abertura que tu tens para chegar a essa pessoa e dizer, aconteceu-me isto. Se tu tens do outro lado uma pessoa (…) que a atitude  severa,  punitiva (…) só se de todo não puderes é que não escondes, certo?

Situações que justificam o registo/notificação F

- As que têm consequências para o doente 8

- Necessidade de registar todas as situações, ainda que sem consequências 10