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Os Instrumentos de Avaliação da Qualidade de Vida

Capítulo II A Qualidade de Vida

5- Os Instrumentos de Avaliação da Qualidade de Vida

Nas duas últimas décadas, desenvolveram-se muitos instrumentos para avaliar a QV e essa avaliação é essencial para a investigação e para a intervenção (Claes et al.,

Conceito de Qualidade de Vida

Ideias e princípios fundamentais

Implicações

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2010; Moreno & Ximénez, 1996; Schalock, 2004; van Loon et al., 2009). No entanto, para Farquhar (1995), não está determinada qual a escala mais adequada para avaliar a QV nas diferentes situações, até porque a avaliação da QV requer um aprofundamento do conhecimento da vida das pessoas e a adoção de diferentes metodologias, envolvendo técnicas de medição múltiplas, sendo que a adoção de uma dimensão ou da totalidade de dimensões propostas para a avaliação da QV deverá partir do interesse e dos objetivos do estudo em causa (Keith & Schalock, 2000; Pereira, Teixeira, & Santos, 2012; Schalock, 1997).

Se atendermos apenas às medidas subjetivas (autorrelato), estas podem não ser suficientes para avaliar a QV, bem como a avaliação dos programas individuais (Hensel et al., 2002; Schalock, 2004). Na perspetiva de Gill e Feinstein (1994) muitos instrumentos poderiam ser substituídos pela simples avaliação de cada um sobre o seu estado na vida, sendo que muitos destes são utilizados devido à falta de clarificação concetual do tema. Na mesma linha de pensamento, Seidl e Zannon (2004) destacam como importante a perspetiva dos sujeitos que vão ser avaliados e não apenas a visão do observador, dado que a QV é um conceito dinâmico e multidimensional e o seu estudo requer necessariamente abordagens provenientes de olhares variados (Soares et al., 2011). Em consequência, a preocupação transcultural no desenvolvimento de instrumentos de avaliação de QV foi, de facto, uma mais-valia, uma vez que contribuiu para o desenvolvimento de pesquisas em QV em diversos países (Gaspar & Matos, 2008; Keith & Schalock, 2000; Rosser, 1997; Verdugo et al., 2000). Além deste, alguns dos temas que ainda geram grande discussão em torno da QV são os que dizem respeito aos critérios para escolha de descritores ou domínios, aos métodos de construção das escalas, às formas de avaliar o peso do fator tempo, à determinação das propriedades psicométricas dos instrumentos e, também, à clarificação de questões filosóficas, como sejam os aspetos semânticos, de cognição e éticos (Rosser, 1997).

Assim, para que se consigam orientar programas que visem a promoção da QV ou simplesmente comparar a QV de vários sujeitos ou a sua perceção em relação a esta, torna-se importante avaliá-la, com base em instrumentos de avaliação validados cientificamente. Os instrumentos de medição da QV devem ser de fácil aplicação, não devem implicar grande sobrecarga para os seus utilizadores e devem poder ser aplicados nas populações em vários contextos (Skevington, Lotfy, & O´Connell, 2004). A validação científica assume particular importância, porque segundo Laurenti (2003) os instrumentos para avaliar a QV são normalmente traduções que apresentam falhas ao serem aplicadas

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em culturas diferentes. O autor supracitado sugere que as avaliações da QV devem avançar no sentido de se considerar o momento histórico e o contexto cultural do grupo que se pretende analisar, bem como as relações, as influências e as interdependências dos sistemas de poder presentes nos discursos.

As pesquisas na literatura revelam que os instrumentos mais usados para a avaliar a QV são os questionários de autopreenchimento e as entrevistas. Por vezes, são adaptadas escalas ou questionários originalmente construídos para outras medidas, que são modificados para se adequarem à avaliação da QV (Seidl & Zannon, 2004). Os instrumentos para medir a QV podem ser genéricos ou específicos. Os primeiros questionários para a população em idade pediátrica foram genericamente concebidos para serem respondidos por informadores indiretos, como por exemplo os pais ou outra pessoa adulta que tivesse contacto regular com a criança ou o adolescente (Mangione-Smith & McGlynn, 1998). Atualmente todas as versões podem ser autoadministradas a crianças e adolescentes, bem como aos seus cuidadores (The Kidscreen Group Europe, 2006).

Como instrumentos de avaliação da QV considerados genéricos, temos os que incluem uma variedade de alterações funcionais e incapacidades que podem interferir no desempenho diário das pessoas, medindo distúrbios de saúde percebidos pelo utente (Guyatt, Feeny, & Patrick, 1993). Como exemplo deste tipo de instrumento temos: o

Instrumento de Avaliação da Qualidade de Vida da OMS (WHOQOL-100); o MedicalOutcomes Study Questionnaire; o Sickness Impact Profile; o Comprehensive Quality of Life Scale e o Screening and Promotion for Health-Related Quality of Life in Children and Adolescents - A European Public Health Perspective (acrónimo

KIDSCREEN).

Pela sua importância destacamos o WHOQOL-100 original, que pretende criar um conceito de QV e avaliá-la numa perspetiva transcultural, sendo constituído por seis domínios da QV (o físico, o psicológico, independência, as relações sociais, o meio ambiente e a espiritualidade/religião/crenças pessoais), que no total perfazem 100 perguntas (OMS, 1995). Os domínios deste instrumento estão na linha do pensamento de Canavarro e colaboradores (2007) e de Fleck e colaboradores (2000), e há semelhança de Gómez-Vela e Sabeh (2000), também estes consideram a QV como um constructo dinâmico e multidimensional. Contudo, este instrumento de avaliação demora muito tempo a ser preenchimento, pelo que se tornou necessário ter um instrumento que fosse de rápido preenchimento e, nesse sentido, o grupo de QV da OMS, desenvolveu uma

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versão reduzida do WHOQOL-100, designando-o por WHOQOL-BREF (OMS, 1998; Skevington, Lotfy, & O´Connell, 2004).

O WHOQOL-BREF é multidimensional, está adequado a várias línguas e possui igualmente características psicométricas satisfatórias para a diversidade da população (Canavarro et al., 2007; Fleck et al., 2000; OMS, 1998b; Serra et al., 2006; Skevington, Lotfy, & O’Connell, 2004; Trompenaars et al., 2005). É um questionário subjetivo e transcultural (OMS, 1998b; Skevington, Lotfy, & O’Connell, 2004) e que permite aos sujeitos indicar o seu grau de satisfação ou de dificuldades sobre vários aspetos da sua vida (OMS, 1998b; Skevington, Lotfy, & O’Connell 2004). Em, Portugal, e há semelhança de outros países o WHOQOL-BREF é constituído por 26 perguntas, sendo duas mais gerais e 24 mais específicas e estão organizados em escala de respostas de tipo

Likert (Canavarro et al., 2007; Serra et al., 2006), e está organizado em quatro domínios:

físico (7 itens), psicológico (6 itens), relações sociais (3 itens) e ambiente (8 itens; Fleck et al., 2000; OMS, 1998b; Serra et al., 2006; Skevington, Lotfy, & O’Connell, 2004).

Para o nosso estudo selecionamos o questionário KIDSCREEN. Este resulta de um projeto com estudos multidisciplinares que se propõe avaliar a perceção da QV das crianças e dos adolescentes através das mesmas e dos seus cuidadores (Gaspar, Matos, Ribeiro, & Leal, 2006a). Dado que nenhum dos instrumentos existentes avaliava a QVRS em crianças e adolescentes em distintos contextos culturais, considerou-se importante a construção de uma medida que o fizesse e refletisse as preocupações e interesses de crianças e adolescentes de diferentes países europeus (Robitail et al., 2007). Assim, com base numa cooperação estabelecida com vários países europeus, entre os quais Portugal, o projeto centrou-se no desenvolvimento de um instrumento estandardizado de avaliação da QV na população pediátrica, permitindo a identificação de indivíduos em risco (em termos de saúde subjetiva) e o estabelecimento de estratégias destinadas a melhorar o seu bem-estar físico, mental, psicológico, emocional e social (Gaspar & Matos, 2008). O questionário foi desenvolvido no âmbito do projeto europeu “Rastreio e Promoção da Qualidade de Vida relacionada à Saúde em Crianças e Adolescentes - uma perspetiva europeia de saúde pública” (Gaspar & Matos, 2008) e pode ser aplicado em diversos contextos, incluindo escolas e hospitais (Gaspar, Matos, Gonçalves, & Ramos, 2005).

Existem três versões do questionário KIDSCREEN com diferentes extensões: uma versão com 52 itens que recolhe informação de 10 dimensões - KIDSCREEN 52; uma versão com 27 itens e 5 dimensões - KIDSCREEN 27; e uma versão mais curta com 10 itens - KIDSCREEN 10 (Berra et al., 2009; Robitail et al., 2007). Dada a natureza e

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os objetivos do projeto KIDSCREEN, considerou-se importante analisar a validade estrutural das medidas tanto a nível global como por país, para estabelecer a sua validade para o uso em pesquisa transcultural (Robitail et al., 2007).

O KIDSCREEN 52 é o primeiro instrumento de avaliação da QVRS, destinada a crianças e adolescentes entre os oito e os dezoito anos (Berra et al., 2009; Gaspar et al., 2006a; Gaspar & Matos, 2008; Robitail et al., 2007; Tzavara et al., 2012; Villalonga- Olives et al., 2010), e resulta de um projeto conduzido por 13 países europeus (Alemanha, Áustria, Espanha, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, República Checa, Polónia, Reino Unido, Suécia e Suíça; Berra et al., 2009; Gaspar & Matos, 2008; Robitail et al., 2007; Tzavara et al., 2012). Financiado pela Comissão Europeia (Tzavara et al., 2012) este projeto procurou ter uma amostra que fosse representativa de cada país participante, em função do género e da idade (Robitail et al., 2007; Villalonga-Olives et al., 2010), pelo que o projeto envolveu um total de 25 200 crianças e adolescentes (Gaspar & Matos, 2008). Em Portugal, o projeto “Aventura Social” colaborou com o projeto europeu KIDSCREEN, na tradução e adaptação deste instrumento para a população portuguesa (Gaspar & Matos, 2008).

Por outro lado, temos os instrumentos de avaliação da QV considerados específicos, que se centram na avaliação de uma determinada população, função, doença, condição ou problema, ou seja, um determinado grupo de pessoas com necessidades específicas, e quantificam os ganhos em saúde após o tratamento (Guyatt, Feeny, & Patrick, 1993). Neste caso pode-se destacar: o Autoquestionnaire Qualité de Vie Enfant

Imagé; o ChildHealth Questionnair; o HIV/AIDS-Quality of Life; Questionário de Perceção de Crianças e o Índice de Impactos Odontológicos no Desempenho das Atividades Diárias da Criança (Brito, Araújo, Galvão, Moreira, & Lopes, 2008; Castro,

Portela, & Leão, 2007; Galvão, Cerqueira, & Marcondes-Machado, 2004; Tesch, Oliveira, & Leão, 2007).

De seguida faremos uma abordagem às políticas nacionais que visam implementar medidas sobre a QV nas pessoas com deficiência, sendo especialmente importante para este trabalho para se compreender a DV.

6- Políticas Nacionais sobre a Qualidade de Vida das Pessoas com Deficiência