2.2.2. Qualidade nos Serviços
2.2.2.2. Os instrumentos de avaliação SERVQUAL e SERVPERF
Com base no Modelo dos GAP’s e nas dimensões gerais abordados na secção anterior, Parasuraman et al. (1988) desenvolveram o instrumento denominado Service Quality – ou SERVQUAL -‐, assente na ideia de GAP’s, isto é, na diferença entre a expetativa e a perceção. Sujeito a várias redefinições por estes autores, no seu constructo final o SERVQUAL é constituído por uma secção correspondente às expetativas do consumidor e outra secção correspondente às perceções que o mesmo obteve do desempenho do serviço. São ambas compostas por 22 itens cada e coincidentes entre si (ver Tabela 30 no ANEXO A), todos eles agrupados nas cinco dimensões de avaliação abordadas25. O questionado responderá assim a duas subescalas, atribuindo uma nota para cada item,
com recurso à escala de Likert26 de sete pontos que varia de (1) ‘discordo fortemente’ a (7) ‘concordo
plenamente’. É ainda composto de uma parte em que o inquirido atribui um peso relativo a cada uma das dimensões da qualidade de serviço que compõem o modelo.
Dito desta forma, o SERVQUAL foi construído para mensurar a Qualidade (Q), resultante da comparação (diferença) entre as perceções (P) e as expetativas (E) do consumidor face a um serviço prestado, isto é, (Q = P -‐ E) (Zeithaml, Parasuraman e Berry, 1990). Com efeito e conforme ilustrado na Tabela 2, quando a expetativa é superior à perceção, a qualidade percebida é menos do que satisfatória e tenderá para uma qualidade inaceitável com o aumento da discrepância entre a expetativa e a perceção. Quando o serviço esperado é inferior ao serviço percebido, a qualidade é mais do que satisfatória e conduzirá à qualidade ideal com o aumento desta discrepância (Parasuraman, Zeithaml e Berry, 1985).
Tabela 2 | Significado dos resultados do SERVQUAL
Expetativa > Perceção A qualidade percebida não é satisfatória Expetativa = Perceção A qualidade percebida é satisfatória Expetativa < Perceção A qualidade é mais do que satisfatória
Fonte: Adaptado de Zeithaml, Parasuraman e Berry (1985)
Embora se trate de um modelo muito conhecido e utilizado para avaliação da qualidade em serviços, são-‐lhe apontadas diversas críticas, incluindo problemas na definição da sua construção, bem como alternativas para ultrapassar as suas limitações (Babakus & Boller, 1992; Buttle, 1996; Carman, 1990; Cronin & Taylor, 1992; Teas, 1993).
25 Inicialmente, o SERVQUAL era constituído por duas secções: uma referente à expetativa constituída por 97 itens e outra
referente às perceções constituída também por 97 itens. No entanto, depois de testada, esta escala foi redefinida.
26 Trata-‐se de uma escala de resposta psicométrica usada em questionários a fim de os questionados precisarem o seu nível
de concordância com determinada afirmação; esta escala deve o seu nome a Rensis Likert (‘A Technique for the Measurement of Attitudes’, Archives of Psychology 140: pp. 1-‐55 (1932))
Carman (1990) e Cronin e Taylor (1992) defendem a inadequação do SERVQUAL em medir a qualidade em função das expetativas dos consumidores face a um serviço, pois na sua opinião a mensuração das perceções é suficiente. Na perspetiva de Buttle (1996) e Carman (1990), as dimensões não são completamente universais e genéricas e para este último os itens de algumas dimensões deveriam ser expandidos para garantir maior confiabilidade. Para Teas (1993), o SERVQUAL frustra devido à ambiguidade subjacente à definição e operacionalidade de expetativa e à justificação teórica da expetativa enquanto qualidade percebida. Para Babakus e Boller (1992) o facto de o teor dos itens constituintes deste instrumento misturarem frases formuladas na negativa e na positiva leva a que o questionado sinta confusão ou até mesmo falta de atenção, o que pode levar a deficiências nos resultados. Nesse sentido, Buttle (1996, citando Bouman and van der Wiele, 1992) acrescenta que, além da polaridade invertida de itens na escala provocar erro ao entrevistado, duas administrações deste instrumento (expetativa e perceção em simultâneo) conduzem ao tédio e confusão do mesmo, o que pode comprometer a qualidade dos dados recolhidos. Também Carman (1990) critica o facto de se pedir às pessoas para responder às duas subescalas num único momento. Buttle (1996) observa que a escala Likert (sete pontos) é falível e Babakus e Mangold (1992) optaram por usar uma escala de cinco pontos no âmbito de um estudo realizado pelos mesmos, pois reduziria a frustração dos entrevistados e aumentaria as taxas de resposta e qualidade de resposta (Buttle, 1996). Buttle (1996) refere que o SERVQUAL se centra no processo de prestação de serviços e não nos resultados da sua realização e que há pouca evidência de que os clientes avaliam a qualidade do serviço em termos de lacunas entre perceções e expetativas, para além de não assentar num paradigma de atitude. Ao frisar a polissemia impregnada ao termo expetativa, Buttle (1996) observa que os consumidores utilizam outras normas que não as expetativas para avaliar a qualidade do serviço. Para este autor, o SERVQUAL não consegue captar a dinâmica da evolução das expetativas, pois os consumidores aprendem com as experiências, o que conduz à evolução e mudança das mesmas.
Em resposta a algumas dessas críticas e tendo em conta as várias redefinições levadas a cabo pelos investigadores, Parasuraman, Zeithaml e Berry (1991:445) defendem que o SERVQUAL é um ‘esqueleto’ básico que pode ser adaptado a casos específicos e particulares, alertando para a necessidade de eventuais ajustes. No seu entender, trata-‐se de um ponto de partida útil conjugado com outras formas de mensuração da qualidade nos serviços.
Em alternativa, Cronin e Taylor (1992) propõem a escala SERVPERF, que corresponde a um instrumento que se baseia apenas na perceção do utilizador relativamente ao desempenho de determinado serviço. Os autores afirmam que a satisfação do cliente/consumidor não deve ser medida com base nas diferenças entre expetativas e perceções, mas apenas quanto à sua perceção do desempenho do serviço. Isto porque, para estes autores, a qualidade percebida do serviço é o antecedente da satisfação dos consumidores.
Em termos práticos, este novo instrumento é composto exclusivamente pelos 22 itens referentes às perceções do utilizador e não existem os cinco GAP’s anteriormente abordados.
Para Cronin e Taylor (1992), além de esta escala ser mais eficaz, os itens que a constituem são consistentes e espelham adequadamente as dimensões da qualidade. Salomi et. al. (2005) acrescentam que o SERVPERF apresenta melhores índices de confiabilidade face ao SERVQUAL.
2.3. Qualidade na Administração Pública
No subcapítulo 2.1. foi analisada a evolução do papel do Estado e da Administração Pública na sociedade. Continuando com o estudo sobre a Qualidade, impende agora proceder-‐se com a sua análise no contexto da Administração Pública. Inicialmente, procura-‐se compreender o conceito de serviço público (subcapítulo 2.3.1) para depois entender como a qualidade foi adotada por este setor e como tem vindo a evoluir desde então (subcapítulo 2.3.2). Após, descreve-‐se como a Administração Pública portuguesa adotou a qualidade e quais as políticas e medidas desenvolvidas e implementadas nesse sentido (subcapítulo 2.3.3.).
2.3.1. Conceito de serviço público
No subcapítulo 2.2.2. discutiu-‐se a conceptualização de serviço; no entanto, importa agora compreender a sua natureza no que diz respeito à sua aplicação no setor público.
Caupers e Eiró (2016) afirmam que a noção de serviço público surgiu em França na sequência do Acórdão Blanco proferido pelo Tribunal dos Conflitos, a 8 de Fevereiro de 1873.
Nas palavras de Amaral (2006:27), ‘onde quer que exista e se manifeste com intensidade suficiente uma necessidade coletiva, aí surgirá um serviço público destinado a satisfazê-‐la, em nome e no interesse da coletividade’. Para Rocha (2011, citando J. Neves, 2002), são os cidadãos e as suas necessidades a razão da existência dos serviços públicos, pelo que a finalidade destes é servi-‐los, cabendo àqueles avaliarem o desempenho e a qualidade do serviço. Caupers e Eiró (2016) identificam como traços gerais do regime dos serviços públicos a continuidade, a universalidade e a igualdade no tratamento do cidadão.
De acordo com Amaral (2006:33-‐34), a ‘Administração Pública é o sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas de segurança, cultura e bem-‐ estar’. Este autor realça ainda a existência de atividade administrativa exercida por particulares, nomeadamente, indivíduos e associações, fundações ou sociedades, colaborando por essa via com a Administração Pública. Não obstante, a administração pública e a administração privada são distintas