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3. A DOCUMENTAÇÃO COMO FERRAMENTA DE PRESERVAÇÃO:

3.1. Os inventários

Para proteger temos que conhecer, para conhecer temos que inventariar. (IEPHA, [2002]).

Conforme assinalamos anteriormente, a documentação do patrimônio cultural é parte integrante do processo de conservação. As operações de conservação preventiva começam pelo conhecimento dos objetos tutelados, tarefa realizada através de catálogos e inventários de bens culturais.

Inventariar é criar uma identidade. O ato do inventário dá nome às coisas, divulga os objetos quando os registra, preserva-lhes a memória material e conceitual, arruma-os, disponibilizando essa memória [...]. Inventariar tem, portanto, uma importância que nunca será demais valorizar, quer como ação de conhecimento que as tutelas das políticas culturais e de gestão do patrimônio histórico-artístico deverão ter em conta, quer enquanto instrumento fundamental de comunicação desse conhecimento ao público (PORTUGAL, 2004, p. 13).

A ênfase de nosso estudo se dá nos procedimentos de inventário de bens culturais, especificamente de bens móveis, visando a criar protocolos e assegurar procedimentos mais sistemáticos. Os inventários – inegavelmente um dos mais importantes mecanismos de preservação patrimonial – são ainda mais significativos quando estamos tratando da preservação dos bens móveis e integrados, pois devido às suas pequenas dimensões e à sua mobilidade intrínseca, se tornam alvos de tráfico ilícito e estão sujeitos a várias formas de dissociação.

Abaixo apontamos as diversas definições encontradas para o termo inventário, priorizando os significados de inventário cultural.

“Há uma relação simbiótica entre a ideia de patrimônio – propriedade herdada – e à elaboração de um inventário – uma lista detalhada” (COUNCIL, 2009, p. 15). Os inventários são utilizados para avaliar os valores e importância do patrimônio em questão, registrar um bem e conhecê-lo a fundo, trazendo para si o status de bem cultural, e portanto merecedor de preservação"[...]. São considerados instrumento fundamental para conhecer, identificar, quantificar e classificar os bens a serem protegidos" (MAIA, 2001, p.20). Além disso, o inventário sistemático e recorrente aponta o estado de conservação de um bem, possibilitando

o estabelecimento de prioridades dentro de uma coleção ou acervo, sendo assim base para a definição de estratégias para os trabalhos de conservação preventiva.

A inventariação constitui o primeiro passo na atividade de conhecimento, de salvaguarda e de valorização do patrimônio histórico-artístico [...]. Com efeito, tal operação permite acima de tudo impedir a dispersão do patrimônio, porquanto fornece um suporte material através do qual a sua memória vai ser conservada; a mesma operação permite ainda registrar ulteriores desenvolvimentos, transformações, extraviamentos (sic) e aquisições (PONTIFÍCIA, 1999, p. 31).

Embora os termos catálogo e inventário sejam frequentemente usados como sinônimos, em sentido estrito devemos considerar que são instrumentos de proteção que envolvem níveis distintos de identificação, registro e conhecimento do objeto (GONZÁLEZ-VARAS, 2003). Os inventários são instrumentos de caráter mais sumário, centralizados na identificação, descrição e localização do objeto, como forma básica de conhecimento e com independência de sua significação artística ou científica. Os catálogos somam a estes requisitos uma valoração histórico-artística ou cultural do objeto e são, portanto, instrumentos que associam-se a um trabalho mais profundo de investigação." A catalogação, é, pois, o termo ou maturação de uma iniciativa cognoscitiva da qual a inventariação constitui a indispensável fase preliminar" (PONTIFÍCIA, 1999, p. 21).

“Inventário” é termo procedente do latim tardio inventarium (lista), que por sua vez procede de invenire (encontrar) (GONZÁLEZ-VARAS, 2003, p. 541).

O significado de “inventário”, no que podemos considerar o sentido mais amplo do termo, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2009), é: "[...] 6. levantamento minucioso dos elementos de um todo; rol, lista, relação. Ex.: <o i. dos monumentos artísticos da cidade>. 7. qualquer descrição detalhada, minuciosa de algo. "Já a locução “inventário cultural” traz consigo a ideia de proteção: "levantamento dos bens considerados como representativos de uma cultura com vistas a sua preservação" (grifo nosso).

Da mesma forma, segundo o Novo Dicionário da Língua Portuguesa, inventário cultural é o "levantamento sistemático dos bens culturais [...], visando o conhecimento e a proteção do acervo de uma determinada cultura" (FERREIRA, 1998, p. 964, grifo nosso).

De acordo com a definição dada pela Superintendência de Museus do Estado de Minas Gerais, enfatizamos o inventário como atividade basilar para fins de salvaguarda dos bens culturais:

Um inventário é a metodologia de pesquisa que constitui o primeiro passo na atividade de conhecimento, de salvaguarda e de valorização dos bens culturais de um acervo, consistindo na sua descrição individual, padronizada e completa, para

fins de identificação, classificação, análise e conservação (MINAS GERAIS, [2011], s. p.).20

Como destaca a historiadora Maria Tarcila Guedes (1987), são muitas as definições dadas para o inventário cultural, e a contribuição do arquiteto Guillermo Trimmiño Arango – consultor da UNESCO – esclarece muito essa questão. Esse autor classifica e define o inventário cultural em três categorias:

1a) Inventário de simples conhecimento ou listagem - "consiste em efetuar um simples reconhecimento do Patrimônio a ser listado, tendo em conta sua localização, proprietário, época, autor etc."; 2a) Inventário científico - "tem por objetivo recolher, buscar e agrupar todas as informações possíveis para o conhecimento profundo e exaustivo de cada bem cultural"; 3a) Inventário de Proteção - "reúne os elementos suficientes e necessários que permitam identificar com precisão os bens e valores que devam ser salvaguardados" (ARANGO apud GUEDES, 1987, p. 87).

Conforme as classificações dadas por ARANGO, podemos verificar que os inventários possuem diversas funções e níveis de profundidade, e por isso é às vezes confundido com a catalogação.

Apresentando o inventário sob o âmbito jurídico, como instrumento constitucional de salvaguarda, temos as seguintes definições:

Sob o ponto de vista prático o inventário consiste na identificação e registro por meio de pesquisa e levantamento das características e particularidades de determinado bem, adotando-se, para sua execução, critérios técnicos objetivos e fundamentados de natureza histórica, artística, arquitetônica, sociológica, paisagística e antropológica, entre outros (MIRANDA, 2008, p. 2).

Sob o ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro, o inventário é um instrumento de proteção do patrimônio cultural, "com regramentos jurídicos precisos e bem definidos, contribuindo decisivamente para uma maior preservação dos bens culturais, sem a necessidade de se lançar mão do instituto mais restritivo e obtuso [...] do tombamento." (Id., Ibid., p. 20). O inventário é ferramenta protetiva de estatura constitucional, autônoma e autoaplicável21.

Inventário e tombamento não se confundem, são instrumentos que possuem efeitos inteiramente distintos. O inventário é instituto de efeitos jurídicos muito mais brandos do que o tombamento, mostrando-se como uma alternativa interessante que pode ser efetuada de forma muito mais rápida.

20 Disponível em: <http://www.cultura.mg.gov.br/?task=interna&sec=3&con=368>. Acesso em: 14 fev. 2011. 21 Norma de aplicação imediata, sem a necessidade de outra lei para regulamentá-la.

Carlos Marés – citado por Marcos Miranda – enfatiza que o inventário confere aos bens móveis e imóveis o status de bem patrimonial, ou seja, dotado de valor cultural. O inventário, portanto, colabora para a formação oficial do patrimônio cultural, por constituir técnica jurídica destinada a elevar determinado bem à condição de participante desse patrimônio:

É evidente que a própria existência do inventário tem, como consequência, a preocupação sobre o bem e o reconhecimento de que ele é relevante. [...] Sua realização criteriosa estabelece a relação dos bens culturais portadores de referência e identidade, cujo efeito jurídico é, no mínimo, prova da necessidade de sua preservação, em juízo ou fora dele (MARÉS apud MIRANDA, 2008, p. 12).

Desta forma, não se concebe que um bem inventariado como patrimônio cultural possa ser degradado ou destruído, tornando-se obrigatória a sua preservação e conservação para as presentes e futuras gerações.

3.2. O inventário como proteção do patrimônio cultural