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A notoriedade que a Festa de Santo Antônio veio ganhando nas últimas décadas não deixa dúvidas sobre os investimentos financeiros captados para sua realização.

Se em anos anteriores a festa se realizava com verbas municipais e patrocínios de empresas locais e estaduais, atualmente vê-se a ampliação dos recursos de fomento incidida diretamente sobre o festejo. Aqui emerge a associação dos vetores político- turístico e mediático-ecossistêmico.

Tomando como o exemplo o ano de 2012, o governo municipal, através de empresa terceirizada, submete projeto ao Programa Nacional de Apoio à Cultura – Pronac, do Ministério da Cultura – MinC, instituído pela Lei nº 8.313/1991 - Lei Rouanet, no intuito de que a Festa de Santo Antônio de Barbalha seja contemplada para captar recursos junto a pessoas físicas pagadores de Imposto de Renda (IR) ou empresas inseridos no mecanismo de incentivos fiscais dessa mesma lei.

O projeto também é apoiado pela Lei 13.811, de 16 de agosto de 2006 – Sistema Estadual de Cultura – SIEC, do Ceará, que, conforme parágrafo único, artigo 1º, tem como premissa:

[...] conjugar esforços, recursos e estratégias dos poderes públicos das diferentes esferas da federação brasileira, de empresas e organizações privadas, de organismos internacionais e da sociedade em geral para o fomento efetivo, sistemático, democrático e continuado de atividades culturais [...]

Ao serem amparados pelas leis supracitadas, os projetos submetidos não se restringem apenas a estas. Pessoas jurídicas de direitos privados também participam ao “incentivo à cultura”, de acordo com os artigos pré-estabelecidos nestas leis. Como patrocinadores, remetem investimentos financeiros aos projetos de cultura em favor de deduções fiscais, o mecenato.

A Festa de Santo Antônio de Barbalha, atendendo às exigências constituintes de apoio à cultura, insere-se na proposta de fomento à manifestação, tanto a partir das leis federais e estaduais como através das empresas, conjugando, assim, um investimento grandioso na sua realização, como se vê na figura 03: Patrocínio, Co-patrocínio e Apoio Cultural.

Figura 3: Patrocínio, Co-Patrocínio e Apoio Cultural na Festa de Santo Antônio de Barbalha Fonte: www.festadesantoanonio.com.br. Acesso em: 01/10/2012.

Dessa demanda, e de acordo com o projeto submetido: PRONAC: 1112460 – A Festa do Pau da Bandeira de Barbalha – 2012 contemplara apresentações de 49 grupos folclóricos, festival de quadrilhas juninas, apresentações musicais de nível regional e nacional e o tradicional desfile do pau da bandeira pelas ruas da cidade.

Em aproximadamente duas semanas anteriores à festa, com os diferentes e diversos momentos festivos proporcionados pela organização do evento, toda uma estrutura foi montada para sua realização, desde a decoração das ruas da cidade, palcos, pessoal técnico-administrativo, divulgações, hospedagem, alimentação, traslados, cachês, etc, além da gratuidade oferecida no evento para a participação da população.

Sobre os investimentos para atender a festa em 2012, o Secretário de Cultura do município ressalta:

Inicialmente foi aprovada uma liberação de captação de recursos através da Lei Rouanet, de R$1.700.000,00. É claro, uma autorização para captar, não quer dizer que nos vamos captar tudo isso. E é mais ou menos... o que eu acho que a festa gasta... eu não posso ti precisar, mais a gente tem... só uma infra-estrutura dessa não é brincadeira pra se montar, e também uma programação toda diversificado como você tá vendo, também não é barata, e a gente tá tentando desonerar os cofres públicos, exatamente, buscando a iniciativa privada através da Lei Rouanet. (Entrevista cedida em: 05/06/12).

Na edição de número 80, do dia 25 de abril de 2012, do Diário Oficial da União, o Ministério da Cultura determinou o valor de captação em até R$1.791.575,00 (um milhão, setecentos e novena e um mil, quinhentos e setenta e cinco reais). E captando R$120.000 (cento e vinte mil reais), com prazo estabelecido: até 31 de julho de 2012, e como data final de execução até 31 de dezembro de 2012.

Para a festa desse mesmo ano, e conforme figura 03, também foi submetido projeto ao Sistema Estadual de Cultura – SIEC a partir do IV Edital Mecenas da Secretaria de Cultura do Ceará - Secult, com valor de captação de R$200.000,00 (duzentos mil reais), tendo como proponente a Fundação de Cultura e Arte Popular do Ceará, conforme resultado da Habilitação Técnica e Jurídica do citado edital.

As críticas atribuídas às leis de incentivo à cultura recaem sobre os moldes da política neoliberal. O modo como se estruturam delimita estrategicamente, ao uso das empresas em suas áreas de atuação, tendendo a uma concentração de usufruto da lei, sobretudo a Lei Rouanet, de escala nacional. Dessa forma,

Outra questão relevante gerada pela Lei é o condicionamento do empresariado que só quer investir em cultura mediante a isenção fiscal, ou seja, projeto sem Lei é projeto sem patrocínio. Além do atrelamento à Lei, as empresas se beneficiam com as estratégias de publicidade e marketing, que divulgam os eventos culturais a partir de discursos de democratização e acesso a bens simbólicos, conferindo distinção social ao setor empresarial pelo envolvimento com as artes. (ROSA, 2010, p. 08)

As práticas dessas políticas podem incidir diretamente sobre o savoir faire de determinada manifestação, sobretudo se esta ainda se apresenta com traços da sua gênese, como é o caso da festa ora trabalhada, a Festa de Santo Antônio de Barbalha.

Nessas circunstâncias o tradicional e o moderno mediam-se por uma linha tênue, e o papel dos organizadores torna-se importante para a sobrevivência da manifestação, uma vez que dela se apropriam.

Assim, perante a vultosa captação de recursos para a realização da festa, promovida pela Secretaria de Cultura Municipal e empresa terceirizada, patrocinadores diversos são atraídos. Há pretensão de se fazer uma festa melhor e maior a cada ano, para não falar em ambição política como forma de promover o evento e autoprojetar a gestão municipal na promoção da cultura regional.

Tais fatos colocam em xeque diversos aspectos relacionados à cultura local, seja por não compor um quadro técnico sensível à cultura popular, ou pela não implantação de políticas culturais efetivas e eficazes da municipalidade:

É isso que faz o marketing cultural quando uma verba polpuda o autoriza a ambicionar uma grande repercussão de mídia para a marca que patrocina um evento. Tanto é assim que se criou o neologismo “espetacularização”, (...) É sempre bom que se atraia o maior público possível, (...) a maior parte das pessoas levadas a um evento “espetacularizado” só voltará a eventos subseqüentes se atraída por igualmente custosa parafernália promocional. (DURAND, 2001, p. 67).

As consequências dessas políticas destoam do fazer festivo democrático, o que deveria envolver segmentos afins na realização do festejo: sindicatos, associações, ONGs, Universidades. Pelo contrário, as festividades acabam concentrando-se na Secretaria de Cultura do Município e/ou empresa terceirizada.

Tal posicionamento pode levar a um arrefecimento da festa, onde o poder público acaba sendo uma máquina de captura, cooptando as manifestações festivas e folclóricas, ativas e residuais, transformando-as em manifestações passivas, a serem consumidas por ávidos turistas a procura de espetáculos. (CASTRO. 2012, p. 185).

Enfim, os gestores políticos priorizam em seus projetos de festa o tradicional “Contribuir para a preservação das tradições da cultura popular tradicional cearense e brasileira através da realização da Festa do Pau da Bandeira de Barbalha”, pois é o que diz o objetivo geral do projeto submetido à Lei Rouanet.

Vinculando-se aos objetivos específicos, aludem à preservação e memória dos costumes, ao turismo cultural da cidade, ao fomento de grupos folclóricos na festa, ao fornecimento de uma programação cultural de qualidade. Tais aspectos nos inferem à venda e ao consumo cultural e simbólico da cidade: Barbalha, terra de fé, tradição e

Contudo, se a captação de recursos pelas políticas de incentivo à cultura para a Festa de Santo Antônio a torna visível, centralizada e pontual, como inserir as manifestações invisíveis e periféricas a estes processos culturais depois da realização dos festejos?

Ou seja, quais as políticas públicas municipais passíveis de reconhecerem os lugares de memória da cidade, do campo, material e imaterial, o incentivo às festas das comunidades rurais que preenchem todo o calendário festivo anual do município, os folguedos, o artesanato, sem necessariamente se apoderar dessas demandas mas dando- lhes autonomia?

Com estas interrogações, coloca-se em questão o processo com que a festa vem se inserindo: o registro como Patrimônio Cultural Nacional, uma vez que dessas políticas pressupõe-se um entendimento mais favorável sobre os elementos que compõem a festa na sua totalidade.