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1 Política Externa Independente (PEI) e Imprensa

1.8 Imprensa como representação e interprete

1.8.3 Os jornais no início da década de 1960

Tânia Regina de Luca nos afirma sobre a pesquisa com jornal que “(...) o conteúdo

em si não pode ser dissociado do lugar ocupado pela publicação na história da imprensa,

tarefa primeira e passo essencial das pesquisas com fontes periódicas.” (LUCA, 2008, p.139). (grifo nosso!). Nesse sentido, buscaremos traçar brevemente como se comportava a imprensa na primeira metade da década de 1960 no Brasil, para posteriormente delimitar o histórico de nossa fonte de pesquisa, o Jornal Lavoura e Comércio.

No Brasil, o surgimento da imprensa é tardio, apenas com a vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil em 1808 houve a criação da Imprensa Régia, o que favoreceu posteriormente, a criação de vários jornais no Rio de Janeiro e em outras províncias da Colônia e depois do Império.

A imprensa no Brasil sempre participou dos principais eventos políticos e sociais da história do país, desde a luta pela independência em 1822, depois do movimento da constituinte em 1823, tendo destaque também no episódio da abdicação, regência e golpe da maioridade, até a abolição da escravatura em 1888 e proclamação da República em 1889. Participou ainda, da construção da ordem republicana, da Revolução de 1930, da intentona comunista em 1935, bem como do golpe civil-militar em 1964. Desse modo, a imprensa sempre se fez presente de alguma forma, conduzindo os fatos nacionais em determinada direção.77

Até 1950 a imprensa brasileira caracterizava-se por pequenas empresas com capitais e negócios limitados, e gestão improvisada, primando por opiniões políticas, era o império da chamada “Imprensa de Opinião”, que se colocava como um instrumento ativo de opinião pública. A partir de 1950 o tradicional jornal de opinião é substituído por um novo tipo de imprensa, com o aparecimento da “Imprensa de Informação”, que passa a negar as

77 Nesse sentido, devemos pensar a imprensa como força ativa da vida moderna, ingrediente fundamental do processo social e político, mais que um simples transmissor de informação, atuando na constituição de nossos modos de vida, perspectivas e consciência histórica.

características políticas e ideológicas da imprensa do período anterior.

Nesse sentido, na segunda metade do século XX a imprensa no Brasil ampliou-se consideravelmente, especialmente a partir dos anos 50 e 60, em decorrência do processo de redução do analfabetismo, do desenvolvimento econômico e da aceleração da urbanização. Isso fez necessário que os artifícios de sedução dos jornais se sofisticassem, obrigando os jornais a reestruturarem seus parques gráfico-editoriais, utilizando-se de novas técnicas para apresentação do produto ao consumidor, modernizando não só a técnica jornalística e de impressão, mas também a estrutura dos jornais enquanto empresas.

Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca nos aponta muito bem essas mudanças durante esse período, ao afirmarem que

Foram décadas marcantes para a grande imprensa, que se profissionalizou, investiu em maquinário de ponta, construiu grandes sedes próprias, fez de seus capitães de indústria e de seus editores homens de extremo poder, tornando os órgãos da mídia instrumentos decisivos de controle da vida nacional. (MARTINS; DE LUCA, 2006, p. 76).

Além dessa mudança rumo a modernização, outro importante fator contextual dos jornais no início da década de 1960, é o arrefecimento da Guerra Fria, evento exaustivamente trabalhado no primeiro capítulo deste trabalho. A imprensa foi um instrumento essencial para o cortejo dos espectros comunista e capitalista aos diferentes setores da população que tinham no jornal sua principal fonte de informação.

Como visto, o interesse dos Estados Unidos pela América Latina cresceu após a Revolução cubana em 1959, o que fez aumentar a propaganda anticomunista e pró-americana no continente, e a imprensa, especialmente os jornais, foram o principal meio de difusão desses ideais.

Outro fator contextual que precisa ser destacado e está intimamente ligado ao período analisado neste trabalho, diz respeito a relação entre a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília, e o fato de o principal centro de difusão de informações ainda continuar sendo a antiga capital, juntamente com São Paulo, visto que permaneciam como “(...) palcos dos acontecimentos que geravam notícia e vendiam o jornal.” (MARTINS; DE LUCA, 2006, p. 75).

Dizemos isso, porque nesse período era muito comum que as notícias nacionais e internacionais veiculadas na imprensa do interior, fossem oriundas dos jornais da grande imprensa, localizados em grandes centros urbanos. Perceberemos essa situação ao analisar as notícias do Lavoura e Comércio sobre a política externa de Jânio Quadros, de que apesar de

São Paulo e Rio de Janeiro serem os grandes centros difusores, muitas dessas notícias, partiam de Brasília, ainda que o Itamaraty inicialmente houvesse permanecido no Rio de Janeiro. Tal situação pode ser explicada, pelo fato de o presidente, concentrar muito do poder de decisão sobre a política externa, e Afonso Arinos sempre se fazer presente na nova capital.78

Nesse período houve uma crescente desnacionalização das empresas jornalísticas no país, que segundo Ana Luiza Martins e Tânia Regina de Luca podia ser observada pela injeção de capital estrangeiro nos periódicos ou ainda pela adoção de técnicas e modelos estrangeiros na apresentação dos jornais e na formatação de suas notícias. O avanço das agências estrangeiras, como a Associated Press e a United Press International, também representou um significativo avanço da influência do jornalismo estrangeiro nas empresas jornalísticas nacionais, influenciando inclusive jornais do interior, que muitas vezes adquiriam notícias da grande imprensa, que haviam sido compradas das agências de notícias internacionais.

Outro fator que devemos apontar, é o desenho da grande imprensa no início da década de 1960, que em muito influenciava os jornais do interior, especialmente do porte do Lavoura e Comércio. O eixo Rio-São Paulo, ainda concentrava os principais periódicos do país, como o Jornal do Comércio e o Estado de São Paulo, que haviam sido criados ainda no Império. Nascidos no período republicano, destacavam-se o Jornal do Brasil, o Correio da Manhã e os periódicos do grupo folha, o Folha da Manhã e Folha da Noite. Por outro lado, tínhamos o grande império construído por Assis Chateaubriand, que chegou a abarcar 34 jornais, como o Estado de Minas, além de emissoras de rádio e TV. No campo político- ideológico da disputa do poder nacional, tínhamos em destaque o jornal Tribuna da Imprensa, criado pelo jornalista e político antigetulista Carlos Lacerda, e o Última Hora do jornalista Samuel Wainer, sediado em Porto Alegre, e que fazia contraponto ao Tribuna, realizando uma defesa implacável do governo de Getúlio Vargas.

Uma questão importante a ser destacada, diz respeito a publicidade veiculada por estes jornais, visto que esta, é que no fim garantia a sobrevivência dos períodicos, juntamente com as verbas de propaganda oficial do governo. É interessante notar, que esse modelo, onde

78 Nesse sentido, o embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa, afirma que havia um grande interesse do presidente em consolidar Brasília com a nova sede do governo e para isso “Um dos seus primeiros memorandos solicitava gestões do Itamaraty junto às embaixadas estrangerias para a rápida transferência de suas sedes.”, e conclui afirmando que o Itamaraty “(...) seria o primeiro dos Ministérios a instalar-se integralmente em Brasília, fato favorecido pelo seu reduzido quadro funcional em comparação aos demais ministérios e pela vontade política de se ter o Itamaraty como fator de consolidação, ao trazer com ele as missões estrangeiras sediadas no Rio de Janeiro. Assim mesmo isso só ocorreria dez anos após a inauguração da Nova Capital.” (BARBOSA, 2007, p. 36-37).

as assinaturas não garantem com que os jornais permaneçam de pé, é típico da influência estrangeira no jornalismo brasileiro, situação que também chegará aos jornais do interior, se observarmos, por exemplo, o espaço importante que era reservado aos anúncios no Lavoura e Comércio.

A imprensa como visto brevemente neste tópico, desempenhará um papel crucial em todos os momentos políticos e sociais importantes do país, servindo hora como fator estabilizante, mas também em muitos momentos como elemento de desestabilização da ordem política e social, sob a égide da defesa de interesses econômicos. Em muitos momentos de nossa história, a imprensa foi livre, e em outros controlada e até mesmo censurada. No entanto, sempre foi um meio de representação do cotidiano e das disputas políticas de poder, seja em âmbito nacional, regional ou local. Nesse sentido, antes de adentrarmos na análise das representações da política externa de Jânio Quadros nas páginas do Lavoura e Comércio, discorreremos um pouco sobre a história de nossa fonte de pesquisa. Vejamos.