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As primeiras repercussões da PEI após a posse: o caso do “navio Santa Maria” e as

2 Política Externa é notícia: primeiras representações da Política Externa de Jânio

2.4 As primeiras repercussões da PEI após a posse: o caso do “navio Santa Maria” e as

O mês de fevereiro106 irá nos trazer as primeiras repercussões sobre os novos rumos da política externa brasileira, dando alguns sinais do pensamento do Lavoura sobre o assunto, ao tratar sobre inúmeros temas da nova política externa, como o caso do navio Santa Maria e a definição das diretrizes da política externa do novo governo.

A primeira notícia sobre a Política Externa de Jânio após a posse, aparece em destaque na capa, a partir da reprodução no dia 01 de fevereiro de 1961 do discurso de posse que se inicia na primeira página, terminando na página seis, onde Jânio delineia entre outras medidas, as diretrizes da nova política externa a ser implementada em seu governo.

O discurso de Jânio caminha no sentido do compromisso com os países do continente e abertura a todos aqueles que queiram se relacionar com o Brasil. Nesse sentido o periódico

106 Não trataremos no presente tópico das notícias veiculadas nos dias 04 e 06 de fevereiro, visto que as mesmas, apesar de repercutirem inicialmente no periódico, nos auxiliam mais na compreensão do posicionamento do jornal sobre o posicionamento do Brasil em relação a neutralidade e os países comunistas, que trataremos no tópico 3.1 do próximo capítulo; bem como a edição do dia 22 de fevereiro, que aborda o posicionamento brasileiro em relação ao problema do Congo.

aponta em trecho da transcrição do discurso “Os nossos portos agasalharão todos os que conosco queiram comerciais. Somos uma comunhão sem rancores ou temores. Temos plena consciência de nossa pujança para que nos arrefecemos de tratar com quem quer que seja.” (Lavoura e Comércio, 01.02.1961, p. 6).

Já na edição do dia seguinte (02), uma manchete destaca a mensagem recebida pelo presidente eleito pelo presidente soviético, Nikita Kruschev, com a manchete “Kruschev a Jânio” e o subtítulo “Deseja maior desenvolvimento das relações entre a União Soviética e o Brasil”.

A notícia destaca a mensagem enviada pelo premier soviético, em virtude da posse de Jânio, cumprimentando-o e dando votos de êxito em seu mandato. O jornal ainda destaca que Kruschv desejou na mensagem um maior desenvolvimento das relações entre o Brasil e a URSS, o que corresponderia aos interesses de consolidação da paz universal.

Figura 15: notícia de mensagem de Kruschev à Jânio.

Fonte: (Lavoura e Comércio, 02.02.1961, p. 01).

No dia 03 de fevereiro, por outro lado, há uma notícia de capa com a manchete “Jânio vai dar Vassourada nos escritórios comerciais brasileiros no exterior” (Lavoura e Comércio, 03.02.1961, p.1), reproduzindo no corpo da notícia o trecho de um memorando enviado por Jânio ao Ministério, solicitando o levantamento de todos que trabalham nos escritórios comerciais brasileiros no exterior, suas funções e a conveniência de subordinar aos embaixadores do Brasil esses escritórios comerciais.

Ainda nesta edição, teremos o primeiro tratamento sobre “caso do navio português Santa Maria”107, envolvendo manifestações da chancelaria brasileira sobre a gestão de Afonso Arinos. A notícia aponta que Arinos afirmou que a sorte do Santa Maria estaria nas mãos da justiça de Pernambuco, enfatizando ainda que o Brasil daria asilo ao capitão Galvão e seus oficiais.

No dia 08 de fevereiro, o Lavoura traz no editorial intitulado “Atitude acorde com as tradições democráticas da América”, sua posição acerca do caso Santa Maria e a atitude do governo brasileiro nessa questão. O jornal entende que o Brasil agiu corretamente e dentro das tradições latino-americanas de proteger aqueles que lutam por questões políticas, de forma que isso não representa gesto de inimizade com Portugal. Ou seja, o periódico enxerga o caso do Santa Maria como uma sublevação política na luta contra o governo autoritário de Salazar, defendendo o asilo que foi dado aos insurgentes.

O referido editorial também crítica o sensacionalismo que parte da imprensa tem feito sobre o assunto, acusando o governo brasileiro de ter errado no caso e desrespeitado nossas relações com Portugal. Em sentido contrário a essa visão o periódico afirma que “Não faz sentido, pois, o ponto de vista dos que insistem em ver hostilidade onde há unicamente uma questão de princípios e de respeito à liberdade de pensamento”. (Lavoura e Comércio, 08.02.1961, p. 2).

Nesse sentido, é perceptível que o Lavoura apoia a posição chancelar brasileira sobre o caso do Santa Maria, um dos assuntos envolvendo a política externa mais importantes dos primeiros dias de mandato, destacando que o país agiu corretamente e ancorado nas melhores tradições democráticas do mundo livre, não ferindo a soberania de Portugal e dignidade de seus dirigentes. É importante ressaltar, que o jornal corrobora com a questão da tradição democrática e apontará sempre esse elemento frente as decisões da política externa independente, ressalvando apenas o contrário nos casos em que houver interesse comercial.

107 O Transatlântico português “Santa Maria”, que havia saído de Lisboa em 09 de janeiro de 1961 rumo a Miami nos EUA, foi sequestrado em 22 de janeiro sob o comando do capitão Henrique Galvão e seu grupo anti- salazarista de 24 homens que estavam a bordo, O sequestro tinha o objetivo de impor pressão sob a política ao governo ditatorial de Salazar em Portugal. O plano era levar o navio até Luanda, capital de Angola, e de lá iniciar um levante contra o governo salazarista. No entanto, acontecimentos durante a viagem impediram o plano e Galvão acabou ancorando na cidade de Recife em 02 de fevereiro. O Navio seria devolvido as autoridades portuguesas e Galvão e seus homens receberiam asilo político do governo brasileiro.

Figura 16: editorial acerca da posição brasileira no caso do navio “Santa Maria”.

Fonte: (Lavoura e Comércio, 08.02.1961, p. 02).

Corroborando com a visão oficial e a veiculada pelo Lavoura, o diplomata Carlos Alberto Leite Barbosa nos aponta que

embora não tivesse conotação direta com a política externa do governo brasileiro, dele exigiu habilidade diplomática, a fim de evitar uma tragédia. De sua parte, o governo saía do episódio seguro de haver agido de acordo com os propósitos humanitários ao longo da observação dos princípios fundamentais do direito internacional e da tradição brasileira. (BARBOSA, 2007, p .85).

Ao fim do mês de fevereiro, no dia 25, a política externa novamente vem a ser destaque do Lavoura e Comércio, com uma notícia no centro inferior da capa, intitulada com a manchete em letras destacadas “O Brasil procurará aliviar a rigidez com o Leste e Oeste”, dando sequência aparece um subtítulo denominado: “O chanceler Afonso Arinos define a linha da política exterior do país”. A manchete antecede uma notícia vinda de Brasília, que versava sobre uma entrevista dada pelo Ministro das Relações Exteriores Afonso Arinos, onde

o mesmo definia os rumos que o Brasil tomaria em sua política externa.

No corpo da notícia há a síntese dos principais pontos de uma entrevista realizada com o Chanceler no dia 24, não dando maiores repercussões ou análises sobre a mesma. O Lavoura dá destaque aos seguintes assuntos: a tentativa de o Brasil promover uma distensão em suas relações com os países do leste europeu; a defesa do princípio da não-intervenção, sendo este uma das bases da nova política externa; a questão da inclusão na pauta dos trabalhos da ONU sobre a entrada da China comunista na organização; a efetivação da Operação Pan-Americana – OPA; e o reatamento das relações com Hungria, Bulgária e Romênia.

A reportagem inicia afirmando que a política externa do Brasil será orientada para diminuir a tensão Leste-Oeste. Diz ainda que o Brasil apoia a discussão sobre a entrada da China comunista na ONU, assunto que trataremos no próximo tópico, e de que esta defesa não significa que o país apoia a sua entrada.

Ainda descrevendo os assuntos tratados na entrevista sobre a política externa brasileira, o jornal afirma que o Brasil quer efetivar ações que tirem a OPA do papel, e que progridem satisfatoriamente as negociações para restabelecer relações com países do leste europeu, entre eles Bulgária, Hungria e Romênia, sendo que o reatamento com a Rússia ficará para um segundo momento.

Ao fim da notícia, o periódico destaca a fala de Arinos, de que o Brasil condena qualquer forma de discriminação racial e é francamente favorável e defensor do princípio da não-intervenção. A manchete, bem como o detalhamento da referida notícia, nos permite inferir que o jornal pretende destacar as diretrizes que serão dadas pelo novo governo à política externa brasileira, especialmente no seu relacionamento com outros países e no tratamento de temas importantes que permeavam o período.

Figura 17: notícia sobre as linhas da política externa brasileira no governo Jânio.

Fonte: (Lavoura e Comércio, 25.02.1961, p. 01).

A ideia propugnada por Afonso Arinos advinha de uma lógica defendida pelo chanceler de que “o Estado, no plano interno, fazia política por decisão; no externo, por composição devido ao encontro de várias soberanias.” (BARBOSA, 2007, p. 75). E nesse sentido deverias se relacionar com todos os países, respeitando a autodeterminação de cada um, bem como a não intervenção nestes.

Podemos perceber a partir da análise do conjunto das primeiras notícias de fevereiro, o jornal não busca se posicionar de forma favorável ou contrária a PEI, ressaltando o caráter informativo das notícias do periódico oriundo das agências de notícias. No entanto, claramente a ‘manipulação’ da diagramação e a criação das manchetes, nos indicam que inicialmente o jornal observa com atenção a política externa do novo governo, apontando para a construção de uma representação crítica, especialmente em relação ao relacionamento do Brasil com os países comunistas, conforme poderemos observar no próximo tópico em uma análise mais apurada da visão do Lavoura sobre o posicionamento do Brasil acerca da entrada da China Popular na ONU.

2.5 - A entrada da China Popular na ONU

O tema do ingresso da China Popular na ONU ocupou grande destaque no cotidiano da política externa brasileira, marcando presença também nas páginas do Lavoura, com uma notícia e um editorial, ambos no mês de março de 1961. O editorial é do dia 16 de março, mas antes no dia 10, há uma notícia em destaque sobre a política externa, dimensionada logo abaixo do cabeçalho na capa do Jornal, dando relevo a fala do Chanceler Afonso Arinos, figura de grande prestígio e executor da política externa independente no governo Jânio

Quadros.

Com a manchete visualmente destacada e intitulada “O Brasil marchará sempre ao lado da ONU”, com o subtítulo “O Sr. Afonso Arinos diz que o Brasil não terá relações diretas com a China”. No corpo da notícia busca-se apontar os posicionamentos do Brasil em algumas questões de sua política externa, especialmente a posição que o país tomaria na ONU sobre a questão da entrada da China comunista na organização, mostrando grande relevância dada as questões que envolvia as relações do Brasil com os países comunistas, afinal a política de distensão com essas nações era o cerne da Política Externa Independente e sempre destacada pelo Lavoura, mas com muita cautela.

A notícia afirma que, interrogado sobre a posição do Brasil em relação à China, o Chanceler Afonso Arinos, afirmou que o Brasil sempre marchará com a ONU, sem tomar posições bilaterais com Pequim. Apesar de adotar um caráter bastante informativo, o jornal busca sempre dar relevo e colocar em locais nobres as notícias sobre a política externa do novo governo, afinal a tendência de debate do assunto vinha como um efeito dominó das redações dos grandes jornais da época.

Ainda sobre o assunto envolvendo a China Popular, no dia 16 de março temos o primeiro editorial publicado pelo jornal opinando efetivamente sobre os rumos da política exterior em andamento desde 31 de janeiro daquele ano. É importante enfatizar que após a capa, o editorial talvez seja o espaço de maior relevo de um jornal, dando ênfase ao que o periódico pensa sobre determinado o assunto e que é debatido no referido espaço. No Lavoura e Comércio o editorial sempre se localizava na segunda página do Jornal, no canto superior esquerdo da página, abaixo dos créditos daquela edição.

No início de março, o Brasil decidiu apoiar a inclusão na agenda da XV Assembleia- geral da ONU, o debate sobre o credenciamento da República popular da China, que há mais de dez anos estava sendo bloqueado pelos Estados Unidos e que a imprensa americana considerou como mais uma prova do distanciamento do Brasil de sua política de alinhamento com o ocidente.

Figura 18: editorial acerca da posição do Brasil sobre o ingresso da China comunista na ONU.

Fonte: (Lavoura e Comércio, 16.03.1961, p. 02).

Aquele editorial nos aponta para a dimensão da real posição do periódico sobre os assuntos de política internacional, especialmente da posição do Brasil na questão do ingresso chinês na ONU. Apesar de não se posicionar frontalmente contra a política externa do governo Quadros, o periódico é extremamente reticente com a entrada do que denomina, ora “China vermelha”, ora “China comunista”, classificações pejorativas, que dão um sentido de rejeição ao país, chamando-o inclusive de “regime ditatorial”, e nos levam a pensar que o periódico é crítico a entrada do país comunista na organização. Essa visão do periódico corrobora com a ideia de Carlos Alberto Leite Barbosa de que “A política com a República Popular não teria, no início, a mesma amplitude das atitudes assumidas com cuba e com os

países do Leste Europeu, pelas características do regime chinês, ainda envolvido internamente com a consolidação do sistema socialista.” (BARBOSA, 2007, p. 254).

A editoria ainda nos aponta que a entrada do país comunista é um gesto de boa vontade da ONU e os países que a compõe, especialmente os ocidentais, afirmando que a China não atende em grande parte os princípios (diretrizes) que norteiam a organização internacional, e, portanto, a fim de cumprir os valores de coexistência pacifica entre as nações, a ONU deveria realizar esse “sacrifício” na tentativa de melhorar as relações entre Ocidente e Oriente, e permitir a entrada dos chineses na organização.

Em relação ao posicionamento do Brasil nessa questão, o Lavoura aponta que o Brasil procura adotar uma postura progressista e favorável ao governo de Pequim. Afirma ainda que há posições controversas, enquanto uns desejam que o Brasil não apoie a entrada do país comunista na ONU, outros se colocam favoráveis, defendendo o que classificam de uma aspiração justa e favorável da China.

O periódico afirma ainda, que há uma terceira posição que enxerga a questão com objetividade, creditando que a China reúne condições de um Estado, e o fato de ser uma ditadura não pode excluí-la da ONU, uma vez que ali há inúmeros governo antidemocráticos, e que apesar de o governo chinês ter violado sistematicamente os princípios organização e o quão paradoxo isso possa ser, não existe a necessidade de um atestado de boa conduta para que haja o ingresso na organização.

Nesse sentido, nos é claro que o relevo aos temas de política externa permanece, e o editorial nos ajuda a confirmar essa dimensão de importância dada, procurando apontar com ressalvas uma representação positiva da nova política externa, especialmente no posicionamento brasileiro quanto a entrada da China Popular na ONU.

Por outro lado, podemos inferir da opinião apresentada pelo periódico, que apesar de não contestar os atos da nova política externa brasileira, o jornal se coloca reticente em relação a entrada da China comunista na ONU, vendo esse ingresso como uma franca contradição entre o que a organização prega, e o que efetivamente realiza na prática.

No próximo tópico, veremos como o Lavoura enxerga o tema da descolonização e as relações do Brasil com a África e Ásia a partir do processo de efetivação da Política Externa Independente..