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Os limites da atuação do agente

No documento Ana Victoria de Paula Souza de Mathis (páginas 138-141)

5. A CONSTITUCIONALIDADE DA INFILTRAÇÃO

5.5 Os limites da atuação do agente

A infiltração de agentes, por ser medida muitíssimo restritiva de direitos, deverá ter seus limites claros, precisos, de modo que ao seu final não seja acoimada de ilegítima. Todo o cuidado precisa ser empreendido para que a prova produzida ao longo da medida seja válida e justifique a infiltração. Nada mais frustrante e oneroso do que a invalidação da prova, depois de todo o esforço empregado.

A validade da infiltração está intimamente ligada ao seu limite. Isto porque, ainda que os requisitos legais para a concessão da medida sejam observados rigorosamente, caso o agente atue com excesso, a prova produzida poderá ser invalidada. Por estas razões, o limite precisa ser claro, preciso e determinado em lei. A mesma lei que autoriza a infiltração deve estabelecê-lo.

Afinal, não se pode exigir de quem está, de alguma forma envolvido na operação, autorizando diligências e recebendo informes acerca do seu desenvolvimento tenha discernimento para avaliar a situação com o distanciamento necessário. Em que pese o magistrado seja imparcial e desinteressado no desfecho da diligência, é natural que, na medida em que venha sendo informado sobre o andamento da operação, vá se envolvendo e desejando um desfecho virtuoso.

Neste sentido, os limites devem ser pré-fixados inclusive para que o policial, ao ser convidado a participar da operação, saiba, previamente, quais condutas serão autorizadas e assim, avalie sua disponibilidade para participar da operação.

A falta de um limite preciso faz com que o único parâmetro da atuação do agente seja a inexigibilidade de conduta diversa, desde que proporcional à finalidade da investigação.

Ocorre que este limite é insuficiente, vez que aceitá-lo implica, por exemplo, aceitar o emprego de violência para a investigação de crimes violentos. E como adverte Winfried Hassemer

No existe ningún tipo de ‘igualdad de armas’ entre la criminalidad y el Estado que la combate en el sentido de una permisión a los órganos estatales para utilizar todos los medios que se encuentran al alcance de los criminales. El Estado necesita, también de cara a la población, una prevalencia moral sobre el delito, que no sólo sea fundamentada normativamente sino que también actúe de manera práctico- simbólica. El Estado no debe utilizar métodos criminales ya que perdería esta prevalencia y con ello, y a largo plazo, pondría en peligro la credibilidad y la confianza de la población en el orden jurídico estatal. De esto se sigue, por ejemplo, la prohibición de realizar ‘pruebas de virginidad’ por parte de los ‘agentes encubiertos’, para que a través de ellas grupos de sospechosos alcancen el nivel de no sospechosos.302

Admitir que o agente infiltrado cometa crimes de pequena gravidade, não significa admitir que todos os crimes serão tolerados.

A fim de enfrentar a questão, da admissão da prática de crimes ao longo da infiltração, é preciso dividi-los em dois grupos: os crimes violentos e os crimes não violentos. 303

No tocante aos crimes não violentos estará o agente acobertado pela excludente prevista no artigo 13 da Lei 12.850/13, se inexigível conduta diversa e desde que a atuação do policial esteja pautada pela proporcionalidade com a finalidade da investigação. Assim, poderá o agente praticar atos relativos à lavagem de dinheiro, crimes contra a previdência social, corrupção, por exemplo. Ou mesmo, portar drogas a fim de traficá-las, caso a investigação verse sobre tráfico de drogas em organização que não emprega a violência no seu modus operandi.

302. HASSEMER, Winfried. Límites del estado de derecho para el combate contra la criminalidad

organizad: tesis y raziones.Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre,ano V, n. 19, p.15-, jul./set. 2005. Tradução do alemão de Alfredo Chirino Sánchez LL.M. (Frankfurt amMain), Professor de Direito Penal da Universidade da Costa Rica.

303 A violência a ser considerada deve ser a violência própria, ou vis absoluta, com emprego de força

Neste contexto, considerando que a finalidade da infiltração é a investigação de uma organização que tem como atividade praticar crimes, afinal foi para isso que os integrantes se reuniram, provavelmente o policial irá perpetrar crimes leves. Um ponto a ser considerado é que a infiltração é uma atividade intrinsecamente perigosa, sendo que o agente encoberto estará o tempo todo falseando sua condição de policial, e se fazendo passar por uma pessoa que não é. E caso fracasse nesta empreitada, poderá colocar sua vida e a de seus familiares em risco. Nesta condição, ele será chamado a praticar crimes junto com seus companheiros.

Na qualidade de policial que o agente é, deverá evitar o quanto possível a prática criminosa. Mas, dependendo da organização e da situação, isto dificilmente ocorrerá. A fim de se integrar na organização, o agente adotará um novo comportamento que esteja em consonância com o que se espera de um criminoso. Poderá ter o consumo de drogas facilitado, em razão do seu acesso, poderá vir a ingressar em domicílio alheio, convidado pelo proprietário que desconhece sua verdadeira identidade. Todos estes crimes não violentos estarão acobertados pela excludente prevista no artigo 13, da Lei 12.850/13, desde que estejam vinculados à finalidade da investigação e se mostrem absolutamente necessários, isto é, não seja possível exigível outra conduta que não esta criminosa.. Dentro deste cenário, caberá ao magistrado definir os limites da atuação do policial, dispondo sobre a possibilidade de traficar ou consumir drogas, de ingressar em domicílio alheio, de conduzir veículos roubados ou furtados, por exemplo.

Conclui-se que os crimes não violentos, quando praticados em estrita conexão com a infiltração, respeitada a proporcionalidade e em benefício da investigação devem ser tolerados. No entanto, devem ser comunicados à autoridade policial e ao magistrado, na primeira oportunidade.

No entanto, há as organizações criminosas violentas, que praticam crimes violentos ou que empregam a violência no seu modus operandi. Nestas organizações, o agente só poderá se infiltrar se puder antever que sua tarefa não estará relacionada a estas práticas violentas. É o caso, por exemplo, de um policial que, se fazendo passar por “contador” e pretendendo administrar as finanças, se infiltra em uma organização. Assim, ainda que os investigados empreguem violência na cobrança das dívidas, por exemplo, o agente se limitará a atividades não violentas. Ele não praticará crimes violentos, mas poderá entender o funcionamento

da organização, seus integrantes e outros detalhes que serão relevantes para a investigação.

A investigação do modus operandi da organização criminosa é fundamental para o êxito da operação e também para saber minimamente como ela funciona, inclusive para verificar se atua de forma violenta. Como já mencionado, a investigação dos suspeitos da prática criminosa antecede a infiltração. Toda a prova produzida irá auxiliar a polícia na elaboração da estratégia da diligência. Neste momento, já será possível saber se a organização atua de forma violenta.

Uma vez verificado o emprego da violência pela organização criminosa, não será possível a infiltração do agente. Isto porque, não é proporcional o emprego de violência para a investigação. Não se pode aceitar que o investigado ou terceiros alheios à investigação sejam vítimas de crimes violentos a pretexto da investigação de crimes graves, praticados por organização criminosa.

Não há registro de autorização do emprego de violência na investigação criminal no processo penal brasileiro. E não será a infiltração de agentes que romperá com esta lógica.

A prática de crimes pelo agente infiltrado durante a operação de investigação precisa ser analisada com cuidado. E é possível intuir, sem precisar uma análise aprofundada, que determinadas condutas não passarão pelo crivo da proporcionalidade previsto no artigo 13, da Lei 12.850/13.

5.6 A insuficiência da proporcionalidade como critério para limitar a atuação

No documento Ana Victoria de Paula Souza de Mathis (páginas 138-141)